terça-feira, 8 de junho de 2010

"Casado com a luta contra a discriminação racial no Brasil"

Veja em AFROPRESS
Afropress - O senhor está sendo atacado por setores do Movimento Negro, que o acusam de ter aderido a um relacionamento inter-racial? Como vê isso? Ou seja: negros não podem casar com não negras, pois isso representaria alguma infração à ortodoxia militante? Não considera que essa seja uma forma de racismo com sinal trocado?
Adami - Primeiramente, não diria ter sido “atacado”. É uma coisa bem menor. Houve um questionamento individual, feito de forma isolada, grosseira e inadequada, realizado na lista de Direito e Discriminação Racial. Uma participante queria saber se eu era casado com uma mulher branca, e que, se assim fosse, não teria eu a “legitimidade” (sic) para ocupar o que ela considerava “cargo de representação do Movimento Negro”. Isso não existe, conquanto um cargo no Governo Federal seja de nomeação do Ministro da área, a pessoa de sua confiança e enquanto esta durar.
A partir daí, essa pessoa começou a fazer listas de homens negros casados com mulheres brancas e expedir cartas, todas divulgadas na internet, de indagação para vários companheiros do tipo “O Senhor é casado com uma mulher branca?”, uma coisa deprimente, irresponsável e racista. Recusei-me a responder porque isso não tem mesmo de ser respondido. Além de inegável invasão de privacidade, a forma indelicada, visando a exposição do outro, em nível pessoal, não dá margem a não ser à rejeição e ao repúdio.
Não foram poucas as manifestações que me chegaram asseverando tratar-se de uma manobra de provocação, com fins políticos, tudo com objetivos de “missa encomendada”, com a utilização de alguns “teleguiados” - pessoas quase inocentes que estariam sendo utilizadas por grupos que visavam, na verdade, atingir o governo.
Como na época ocorria a transição do Ministro Edson Santos para o Ministro Elói Araújo, essa operação, se de fato houve, acabou por fracassada, já que ambos de pronto rejeitaram-na. Tem é que ser repudiada mesmo. Posiciono-me pela liberdade democrática e constitucional de quem quiser casar com quem quiser, sem ser cobrado ou indagado por quem quer seja, ainda mais em lista pública. Primeiro, porque nem casado estou, há mais de dois anos. Estou casado com a luta contra a discriminação racial no Brasil. Segundo, porque tal assunto não é para ser tratado como se fosse um inquérito de um fundamentalismo conjugal inaceitável.
Há companheiras e companheiros valorosos casados com homens e mulheres negras e negros, brancos e brancas, que na minha opinião não têm de ser molestados com tal tipo de indagação. Isso não lhes retira ou acresce nenhuma “legitimidade”. Importa o trabalho que fazem. Ademais, a indagação da pessoa, que acabou repudiada por grande parte do grupo, veio acompanhada do mais puro ódio racial, na base do “Odeio os brancos. Os brancos não valem nada. Ensino minhas filhas a não falar quando tem brancos por perto. Os brancos são todos racistas. Mulheres brancas são todas prostitutas polacas”.
Temos mesmo de afastar essas pessoas de nosso convívio, pois isso é tudo o que não queremos e não precisamos. Não ajuda em nada e ainda municia aqueles que são contra as medidas de ação afirmativa. Foi um custo impedir que uma militante histórica das mulheres negras processasse a tal “indagadora da cor do casamento alheio” uma vez que expediu manifestações de explicito ódio racial. É importante dizer que, fruto do ódio, não há o que incluir, e só ao ódio beneficia.
Tais posições fundamentalistas e radicais foram explicitamente afastadas no cenário internacional, vide o que aconteceu com Farrakhan e com aqueles sujeitos que andavam pelas ruas dos EUA, pregando o retorno dos sete sábios de Sião e a separação da população afrodescendente.
Da mesma forma, aquele pastor do Obama, James Wright, que propôs medidas absurdas de segregação, foi sumariamente afastado e nunca mais se ouvir falar dele. Enquanto isso, Obama é um líder da inclusão racial em todo o mundo, com um verdadeiro parque da diversidade familiar na própria casa, com parentes em vários continentes. Radical tem de ser o combate à discriminação racial, como sempre fiz.
Terceiro, porque estou há muito tempo envolvido em várias frentes de combate ao racismo que demandam cuidados com a segurança própria e de familiares. Estive, como advogado, em casos de defesa de cotas para negros na universidade, quilombolas, casos pontuais de racismo, clandestinos africanos, enfrentamento de racismo institucional e defesa de interesse das mulheres negras, como por exemplo, o famoso caso do palhaço Tiririca e a Sony Music, em que estavam envolvidas 15 entidades de mulheres negras.
Ninguém me perguntou com quem era ou deixei de ser casado, quando assinaram a procuração, como advogado. Na Ouvidoria, diariamente instauramos procedimentos administrativos que repercutem em infratores raciais em todos os cantos do país. Há pouco tempo, identificamos um desses grupos, membro do White Power, grupo racista internacional com operação em vários países, já tendo sido alvos de seus integrantes a Afropress, o Geledés, entre outros. Divulgar dados pessoais expõe a um risco desnecessário pessoas queridas, inocentes e indefesas. Repito, estou casado com a luta contra a discriminação racial no Brasil.

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