quinta-feira, 4 de novembro de 2010

MONTEIRO LOBATO E CEN NA MÍDIA

Folha de S. Paulo

MEC quer rever restrição a livro de Lobato

Ministério pede que conselho reveja parecer contrário à distribuição de "Caçadas de Pedrinho" nas escolas públicas

Ministro Haddad diz não ver racismo na obra, mas não descarta hipótese de inclusão de uma nota explicativa

ANGELA PINHO

DE BRASÍLIA

O Ministério da Educação vai pedir que o CNE (Conselho Nacional de Educação) reveja o parecer que recomendou restrições à distribuição do livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, a escolas públicas.

Como revelou a Folha, o conselho sugeriu em um parecer que a obra não seja distribuída pelo governo ou, caso isso seja feito, que contenha uma "nota explicativa" sobre o contexto em que ela foi escrita, devido a um suposto teor racista.

Para vigorar, o parecer teria que ser homologado pelo ministro Fernando Haddad, que ontem disse não concordar com o conselho.

De acordo com ele, chegou ao ministério um número "incomum" de reclamações de educadores e especialistas a respeito do tema. "Foram muitas manifestações para que o MEC afaste qualquer hipótese de censura a qualquer obra", afirmou.

Ele disse que não vê racismo em "Caçadas de Pedrinho", mas não descartou a possibilidade de o conselho recomendar que as editoras publiquem as notas explicativas sobre determinada obra quando isso for considerado necessário. Essa posição foi defendida também pelo ministro da Igualdade Racial, Eloi Ferreira de Araújo.

Haddad afirmou ainda que, qualquer que seja a decisão do conselho, ela deve valer para todos os livros distribuídos pelo MEC e não apenas para um.

Publicado em 1933, "Caçadas de Pedrinho" conta a história de uma aventura da turma do Sítio do Picapau Amarelo na busca de uma onça-pintada.

De acordo com o CNE, o racismo estaria presente, entre outras passagens, na abordagem da personagem Tia Nastácia e de animais como o macaco e o urubu. Uma delas diz: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão".

Em relação aos animais, um exemplo mencionado na denúncia da qual o CNE partiu para fazer o parecer é: "Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens".

O Globo

Haddad não vê racismo em 'Caçadas de Pedrinho'

Ministro da Educação pedirá ao CNE que reexamine parecer contrário à distribuição do livro para escolas públicas

Demétrio Weber

BRASÍLIA. O ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou ontem que não homologará parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) contrário à distribuição, para escolas públicas, do livro “Caçadas de Pedrinho”, do escritor Monteiro Lobato (1882-1948). Diferentemente do conselho, Haddad disse não ver racismo na obra. Ele pedirá à Câmara de Educação Básica do CNE que reexamine o assunto e modifique o parecer.

A decisão do conselho só pode entrar em vigor se tiver a homologação do MEC. O ministro disse que inúmeros educadores se manifestaram contra a posição do CNE.

— É incomum a quantidade de manifestações que recebemos de pessoas que são especialistas na área e que não veem nenhum prejuízo em que essa obra de Monteiro Lobato continue sendo adotada nas escolas — disse Haddad.

O presidente da Câmara de Educação Básica do CNE, Francisco Aparecido Cordão, negou intenção de veto ao livro e disse que houve um problema de redação.

Segundo ele, antes mesmo de Haddad anunciar a devolução do parecer ao conselho, a Câmara já havia convocado reunião para um reexame.

— Vamos fazer uma discussão interna nossa (na terça-feira) para rever a redação. Se o ministro vai devolver, ótimo. A disposição da Câmara é deixar claro o que a gente quis dizer e não conseguiu.

Ninguém quis censurar Monteiro Lobato. Quem somos nós para censurar Monteiro Lobato? — disse Cordão.

Segundo ele, o parecer da conselheira relatora Nilma Lino Gomes, aprovado por unanimidade em setembro, só exige a inserção de nota explicativa na edição de “Caçadas de Pedrinho” para alertar sobre a presença de estereótipos raciais na obra, auxiliando o trabalho dos professores em sala de aula.

“Caçadas de Pedrinho” foi publicado em 1933. De acordo com a denúncia que levou o CNE a analisar o texto, o livro contém trechos racistas envolvendo a personagem negra Tia Anastácia, cuja cor é mencionada diversas vezes pelo autor.

Num trecho, a personagem Emília refere-se ao iminente ataque de onças e animais ferozes ao sítio: “Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia, que tem carne preta”. Em outro trecho, a personagem negra sobe num mastro para fugir das onças.

A cena é descrita assim por Monteiro Lobato: “(...) Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão”.

A obra divide opiniões: — Eu, pessoalmente, não (vejo racismo). Mas, como isso fere suscetibilidades, minha opinião pessoal não é a mais importante.

Por isso existe um conselho, a comunidade de educadores — disse Haddad.

Já o ministro de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Eloi Ferreira de Araújo, diz que há trechos racistas. Araújo é contra veto à obra, mas defende a obrigatoriedade da inserção de nota explicativa. Do contrário, segundo ele, o uso do texto em sala de aula estimulará a prática de bullying (violência física ou psicológica contra colegas).

— O bullying não é combatido? Então, vamos combater qualquer forma de bullying. A tia subir como macaca, que coisa horrorosa as crianças dizendo isso. Quando se tem uma publicação que tem tema preconceituoso, racista, a gente pega esse limão e transforma numa limonada — diz Araújo.

Haddad é favorável à nota explicativa, mas, para que seja obrigatória, ele considera que o CNE precisa detalhar os critérios que passarão a ser adotados.

O parecer está aberto a consulta pública no CNE. Só no fim do mês Haddad deverá pedir o reexame do texto.

Ontem, ele fez mistério sobre a sua disposição de permanecer à frente do MEC no governo Dilma Rousseff. Disse que seu compromisso é permanecer até 31 de dezembro. Haddad já está há sete anos no MEC e planejou retornar a São Paulo em 2011.

— Eu me comprometi até 31 de dezembro. Vou honrar esse compromisso que eu tive com o presidente Lula. Minha vida está organizada para a volta (a São Paulo) — disse Haddad.

Estado de Minas

Conselho revê parecer sobre livro

Gustavo Werneck

Liberdade para a obra de Monteiro Lobato (1882-1948), um dos maiores nomes da literatura infanto-juvenil do país. O ministro da Educação, Fernando Haddad, vai pedir que o Conselho Nacional de Educação (CNE) reveja o parecer, divulgado na semana passada, que recomendou restrições ao livro Caçadas de Pedrinho, publicado em 1933 e que narra as aventuras da turma do Sítio do Picapau Amarelo em busca de uma onça-pintada. O conselho sugeriu que a obra não seja distribuída pelo governo ou, caso isso seja feito, que contenha uma "nota explicativa", devido a um suposto teor racista. O caso ganhou tanta repercussão, que a Academia Brasileira de Letras (ABL) vai se reunir amanhã, em plenária, no Rio de Janeiro, para tratar do assunto.

Haddad disse ter recebido diversas reclamações de educadores e especialistas contra a decisão do CNE. “Foram muitas manifestações para que o Ministério da Educação (MEC) afaste qualquer hipótese de censura a qualquer obra”, afirmou. Ele disse não ver racismo na obra, mas ainda assim não descartou a possibilidade de editoras redigirem notas explicativas sobre o contexto em que determinada obra foi escrita quando isso for considerado necessário.

A relatora do parecer – causador de tanta polêmica e indignação nos meios culturais – é a conselheira e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Nilma Lino Gomes. Ele foi aprovado por unanimidade pela Câmara de Educação Básica/CNE e elaborado a partir de denúncia da Secretaria de Promoção da igualdade racial de Brasília (DF). Nilma escreveu que “é essencial considerar o papel da escola no processo de educação e reeducação das relações raciais, a fim de superar o racismo, a discriminação e o preconceito racial. A despeito do importante caráter literário da obra de Monteiro Lobato, o qual não se pode negar, é necessário considerar que somos sujeitos da nossa própria época, porém, ao mesmo tempo, somos responsáveis pelos desdobramentos e efeitos das opções e orientações políticas, pedagógicas e literárias assumidas no contexto em que vivemos”.

O EM tentou falar com Nilma Lino, mas a sua secretária informou que ela está em viagem ao Sul do país. Como o telefone da professora não atendeu, a secretária informou que enviaria um e-mail para posterior entrevista.(com agências).

O Estado de S. Paulo

Ministro não vai vetar Monteiro Lobato

Fernando Haddad disse que parecer do Conselho Nacional de Educação, que via racismo na obra do autor, será revisto

Marta Salomon/BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

Com base em críticas encaminhadas ao governo, o ministro da Educação, Fernando Haddad, decidiu não acatar o polêmico parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) que recomendava excluir Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, da lista de livros distribuídos às escolas.

Divulgado na semana passada, o parecer apontou preconceito racial na obra, que conta a história da caçada de uma onça por Pedrinho e personagens do Sítio do Picapau Amarelo. Mas, por decisão de Haddad, o parecer terá de ser revisto.

No máximo, haverá uma recomendação para que a editora inclua uma explicação do conteúdo do livro, publicado pela primeira vez em 1933, sobretudo quando trata de Tia Nastácia, empregada doméstica negra da história, e de animais como urubu e macaco.

"Recebi muitas manifestações para afastar qualquer hipótese, ainda que por razões justificadas, de censura ou veto a uma obra, sobretudo de Monteiro Lobato", disse o ministro. "Eu relativizaria o juízo que foi feito", afirmou Haddad, sobre o parecer do CNE. E completou: "Pessoalmente, não vejo racismo".

A legislação prevê que obras distribuídas à rede escolar tenham o conteúdo analisado e possam ser excluídas da lista por referências homofóbicas ou racistas. Também é prevista a possibilidade de recurso caso uma obra seja vetada. "Há casos em que livros devem ser afastados, mas não no caso de um clássico como Caçadas de Pedrinho."

Fernando Haddad disse que vai respeitar o prazo de 30 dias para o recurso, contatos a partir da divulgação do parecer do CNE, mas antecipou sua decisão de não homologar o texto pela "quantidade incomum" de manifestações de especialistas que, segundo ele, não veem prejuízo à adoção do livro nas escolas.

"O conselho pode até recomendar que as editoras se preocupem em contextualizar referências racistas, sem mutilar a obra, puxar uma nota de rodapé e explicar", disse Haddad.

A polêmica começou com uma denúncia à Secretaria de Políticas de Promoção e igualdade racial, encaminhada ao CNE. Em votação unânime, o conselho deu parecer contra o uso da obra nas escolas.

Conto provoca polêmica

Em agosto, alguns pais e professores da rede estadual de SP reclamaram da distribuição a alunos do ensino médio de um livro que contém um conto erótico de Ignácio de Loyola Brandão.

Zero Hora

MEC quer rever veto a livro de Monteiro Lobato

O ministro da Educação, Fernando Haddad, pedirá que o Conselho Nacional de Educação (CNE) reveja o parecer que recomendou restrições à distribuição do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, em escolas públicas.

O conselho sugeriu que a obra não seja distribuída pelo governo ou, caso isso seja feito, que contenha uma “nota explicativa”, devido a um suposto teor racista.

Haddad disse ter recebido diversas reclamações de educadores e especialistas contra a decisão do CNE.

– Foram muitas manifestações para que o MEC afaste qualquer hipótese de censura a qualquer obra – afirmou.

Ele disse não ver racismo na obra, mas ainda assim não descartou a possibilidade de editoras redigirem as notas explicativas sobre o contexto em que determinada obra foi escrita quando isso for considerado necessário.

Folha de S. Paulo

Frases

"Foram muitas manifestações [após o parecer do Conselho Nacional de Educação contra o uso de "Caçadas de Pedrinho" em escolas] para que o MEC afaste qualquer hipótese de censura a qualquer obra"

"Pessoalmente, não vejo racismo"

FERNANDO HADDAD

ministro da Educação

Jornal do Commercio

Racismo na literatura :: João Humberto Martorelli

Insisto no tema da última coluna por uma boa razão. Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) considerou inadequada a obra de Monteiro Lobato, Caçadas de Pedrinho, em virtude de suposto racismo contido nas descrições que faz de peripécias de Tia Nastácia, comparada a uma "macaca de carvão" quando sobe rapidamente, assustada, em uma árvore, para fugir de onças ferozes. O parecer afirma que a obra contém "menção revestida de estereotipia ao negro e ao universo africano". Fiquei chocado. A obra infantil de Monteiro Lobato forjou meu amor pela literatura e o de toda uma geração, além de muitos dos meus valores. De Tia Nastácia, guardo a fraternidade de sua convivência com Dona Benta e demais personagens, seu devotado e recíproco amor com Pedrinho e Narizinho, suas dúvidas quanto à sanidade da boneca de pano, seu espanto diante da sabedoria do Visconde de Sabugosa, os deliciosos quitutes de sua cozinha, mas, sobretudo, sua plenitude como personagem, jamais tratada desigualmente em decorrência da raça. Ao contrário, a personagem inspirava respeito, carinho, amor.

Diversas obras na literatura brasileira podem, em tese, despertar as mesmas preocupações de conteúdo racista. Machado de Assis, um dos escritores mais analisados no âmbito deste debate, trata os negros, em muitas partes de sua obra, de forma quase desdenhosa. Em Dom Casmurro, por exemplo, ao mencionar os escravos que sua família trouxera da roça para o Rio de Janeiro, aponta Tomás a Escobar como "aquele preto que ali vai passando, é de lá". Hoje em dia, não é correto se chamar preto, sendo preferível negro. E o que dizer dos nomes que Machado dá aos escravos: João Fulo, Maria Gorda, Pedro Benguela, Antônio Moçambique. Dir-se-ia que, no contexto da obra, são apelidos ou nomes de nação, mas, vistos assim, sob a perspectiva de hoje, trata-se de desconsideração com seres humanos, desprezo com sua identidade, galhofa racista.

Na poesia, os exemplos são múltiplos. Vinicius diz que o samba nasceu lá na Bahia e se hoje ele é branco na poesia, ele é negro demais no coração. A contraposição é irritante no contexto atual (a poesia é o intelecto, o coração é o gingado...)! Lembremos Bandeira com Irene no céu: "Irene preta, Irene boa, Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: licença, meu santo! E São Pedro bonachão: Entra, Irene, você não precisa pedir licença". É como se a pretona só existisse para irradiar bom humor, como se ela não pudesse ter as qualidades e atributos normais de qualquer pessoa, além do que, para entrar no céu, tinha que pedir licença a um branco. E outra vez o preto politicamente incorreto na palavra mágica da obra de arte. Mas a poesia usa o negro ou a negra também de forma errada. Quem não conhece a maravilhosa rítmica de Nega Fulô, de Jorge de Lima? Começa pelo nome do poema, já nem é negra, mas "Nega" Fulô. E a nega fulô não passa de uma "negra bonitinha" que forra a cama da Sinhá, penteia os seus cabelos, cata cafuné, conta histórias para dormir, a perfeita mucama, só que termina roubando, é o que dizem, o frasco de perfume, e o próprio Sinhô, quando foi açoitar a Nega, vendo-a nuinha, foi também roubado. De corpo e alma. Pois é, não é apenas em Monteiro Lobato. Na literatura, negro é escravo de nome engraçado, preta de bom humor e ladra de objetos e de homens, perfeito objeto sexual.

Podemos negar a força literária de Machado, Vinicius, Bandeira e Jorge de Lima em razão dos trechos acima? Há racismo nos textos? Difícil dizer, afirmar de maneira peremptória. Há de se ter aí certa condescendência com o espírito de época, com a quase certa resignação conivente dos autores com a escravatura e com a mansidão da raça negra.

De qualquer maneira, é preciso ficar atento às releituras. Saber ler em seu tempo, saber ensinar em seu tempo. De minha parte, cada vez me impressiona mais o racismo no Brasil.

» João Humberto Martorelli é advogado

Agência Brasil

03/11/2010 – 20h09

Veto a livro de Monteiro Lobato nas escolas públicas é censura, diz especialista

Brasília – O veto à distribuição de livro de Monteiro Lobato em escolas públicas pode ser considerado censura. Essa é a opinião da especialista em literaturas africanas de língua portuguesa da Universidade Federal Fluminense (UFF), Laura Padilha, sobre orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE) publicada semana passada no Diário Oficial da União.

O parecer do CNE sugere que o livro Caçadas de Pedrinho, distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) a escolas de ensino fundamental, não seja mais adotado pela rede pública. A alegação é que a obra tem conteúdo racista. Segundo o parecer, a personagem Tia Nastácia é chamada de “negra” e, em alguns trechos, o autor compara o homem a animais como o urubu e o macaco.

Um dos trechos usados como justificativa para o veto à obra traz a seguinte frase: “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão”. Laura concorda que a frase é “forte”, mas questiona a classificação do livro, publicado em 1933, como racista. “Não vejo que Monteiro Lobato pinte Tia Nastácia com cores racistas. Ele tinha enorme carinho pela personagem. O livro tem que ser contextualizado em seu tempo histórico”, disse, ressaltando que não leu a obra recentemente.

A pesquisadora afirmou também que o mais provável é que Monteiro Lobato não quisesse discriminar a personagem, apenas usava expressões da época para brincar com o leitor. Seria o caso de outro exemplo do CNE: “Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens”. “Ele [Monteiro Lobato] realmente estava sendo preconceituoso? Contra os homens ou contra os macacos?”, pergunta Laura.

A militante do Movimento Negro do Distrito Federal, Marlene Lucas, discorda da pesquisadora. Ela é a favor da retirada de Caçadas de Pedrinho das escolas. “Tudo aquilo que agride a identidade das pessoas deve ser banido, seja de qual período for, independentemente da importância histórica e artística”, defende.

Além de Monteiro Lobato, há várias outros exemplos de racismo “velado, sutil e subjetivo” na literatura, segundo Marlene. Por isso, o movimento negro seria a favor da retirada destes exemplares não só das escolas, mas do mercado. “Uma adaptação tiraria o cunho original da obra. Então, essas obras poderiam vir com um aviso. Mas o ideal é que não sejam mais publicadas”, disse.

Já a especialista Laura Padilha sugere que, em vez de tirar o livro de Monteiro Lobato da sala de aula, que o livro seja usado como incentivo às discussões sobre preconceito. “Impedir que um aluno brasileiro, de uma comunidade carente, tenha acesso a uma obra de Monteiro Lobato é errado. Em vez disso, os professores poderiam usar certas frases e expressões para discutir o racismo no Brasil”.

Edição: Lana Cristina

Século Diário

03/11/2010

MPF/ES requer R$ 200 mil de indenização a quilombolas presos arbitrariamente

Manaira Medeiros

Quase um ano após as prisões arbitrárias de quilombolas do norte do Estado, o Ministério Público Federal no Estado (MPF/ES) ajuizou duas ações civis públicas contra o governo capixaba, uma por danos morais coletivos e outra por danos morais individuais, que requerem indenização aos presos e algemados ilegalmente pela Polícia Militar, no dia 11 de novembro de 2009.

Membros da comunidade de São Domingos do Norte, em Conceição da Barra, os quilombolas foram alvo de operação realizada sem determinação judicial e nenhum auto de prisão em flagrante foi registrado.

Na ação civil pública de ressarcimento por danos morais individuais, o MPF pede que o Estado seja condenado ao pagamento de R$ 200 mil aos quilombolas presos ilegalmente.

Já na ação civil pública de ressarcimento por danos morais coletivos, o órgão quer a condenação do Estado ao pagamento de outros R$ 50 mil ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos do Ministério da Justiça. Esse fundo tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estático, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.

Para a operação que prendeu os quilombolas, autorizada pelo juiz do município Marcos Antônio Barbosa Souza, foi disponibilizado um verdadeiro aparato de guerra, com cerca de 100 policiais de tropas especiais de choque, fortemente armados, cavalaria, ambiental e do grupo de apoio operacional da PM, além de cavalos e cachorros, contando ainda com apoio de milicianos da Garra – segurança armada da ex-Aracruz Celulose (Fibria).

Contra os negros, havia a acusação de roubo de eucalipto da transnacional. Mas sequer houve apreensão de madeira.

Os quilombolas foram transportados em ônibus e camburões da sua comunidade, na zona rural, para a delegacia do município vizinho, São Mateus, a 40 km de distância. Ficaram detidos das 9 às 18 horas sem alimentação e sem possibilidade de contato com familiares, advogados ou com outros órgãos públicos.

Depois das oitivas, já no início da noite, foram liberados, mas não tinham como voltar para suas casas porque não havia ônibus regulares e vários deles não tinham dinheiro. Caso fizessem o trajeto a pé, gastariam mais de cinco horas. Como eles foram conduzidos pela PM à delegacia do município vizinho, deveriam ter sido levados de volta pelo menos até a delegacia do seu município de origem, como é relatado na ação.

As investigações apontaram que a PM realizou pelo menos 39 prisões na comunidade de São Domingos, embora tivesse em mãos apenas nove mandados de busca e apreensão. Para o MPF, houve desproporcionalidade do aparato policial para o cumprimento dos mandados de busca e apreensão com o claro intuito de amedrontar as comunidades quilombolas.

Além de presos ilegalmente, algemados sem motivo e transportados para outro município, os quilombolas tiveram os celulares apreendidos e foram fotografados. Não se sabe, entretanto, qual a finalidade dessa identificação fotográfica, já que ela não foi incluída no inquérito policial, segundo o Ministério Público Federal.

Para o MPF, houve, por parte da Polícia Militar e do Estado do Espírito Santo, abuso de autoridade, inabilidade, falta de adequado planejamento, pressa, desobediência a ditames legais, uso excessivo e inadequado de força e relação espúria com uma das partes interessadas, já que, antes da operação, o grupo de policiais utilizou como “base” local próximo às instalações da ex-Aracruz Celulose (Fibria). As ações tramitam na 1ª Vara Federal de São Mateus.

O caso dos abusos contra os negros também foi levado ao conhecimento da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e da Secretaria de Estado de Justiça (Sejus), mas ainda sem providências.

Os restos de eucalipto são usados pelos negros para produção de carvão, única atividade que restou às comunidades negras do antigo território do Sapê do Norte, que integra os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, após a chegada da Aracruz, no período da ditadura militar. Sem alternativas de subsistência, resultado dos impactos ambientais, sociais e econômicos promovidos pela transnacional, é de onde tiram alguma fonte de renda para sobreviver, em meio aos eucaliptais.

Intimidação

Na operação do dia 11 de novembro, a polícia foi à casa de Berto Florentino e o acusou de participar da “máfia das madeiras”, aplicando-lhe uma multa de R$ 3,6 mil, devido à existência de um forno para a produção de carvão na região. Em seguida, jogou seus móveis no chão, e levou a família inteira à delegacia, inclusive, um filho cego, Sabino Cardoso Florentino. Ações semelhantes já haviam sido registradas outras duas vezes.

Berto reside na comunidade de Domingos do Norte, e está marcado para morrer. Além de integrar o Ticumbi, lidera a colheita de sobras de eucalipto da Aracruz, que é lixo para a empresa. É, portanto, um dos principais alvos da transnacional.

Sob alegação de que ele possuía armas, até uma ardilosa situação já chegou a ser armada contra Berto, resultando na invasão e depredação de sua casa, por policiais da Bahia e do Espírito Santo. Posteriormente, a polícia de Conceição da Barra invadiu a residência do líder quilombola, pelas mesmas razões. As duas operações não encontraram armas. E os casos nunca resultaram em qualquer tipo de punição.

Afropress

03/11/2010

Religiosa jogada em formigueiro denuncia intimidação policial

Ilhéus - A líder religiosa do Candomblé, Bernardete Souza Ferreira, 42 anos, que, na semana passada, foi algemada, arrastada pelos cabelos e jogada por soldados da Polícia Militar da Bahia num formigueiro, por ter pedido explicações para a invasão da área do Incra, onde vive em Ilhéus - o Assentamento Dom Hélder Câmara - denunciou que os mesmos policiais que praticaram a violência contra ela, continuam soltos e passaram a intimidar testemunhas.

“Estamos apreensivos em relação aos policiais. Eles já estiveram na casa de uma das testemunhas. Estes dias um policial que participou da violência esteve em um carro particular na casa da Grace Kely, uma moça que presenciou tudo o que aconteceu comigo”, denunciou.

Passados doze dias desde a violência que sofreu (depois de ser jogada no formigueiro, ela, algemada, foi lançada num camburão e deixada numa cela masculina), Bernadete disse que ainda custa a acreditar no que aconteceu.

“Eu mesmo ainda estou em estado de choque. Me custa acreditar que isso aconteceu em pleno século XXI”, afirmou, em entrevista concedida por telefone, do Assentamento D. Hélder Câmara, ao jornalista e editor de Afropress, Dojival Vieira.

Casada, com o também militante do Movimento Negro Unificado, Moacir Pinho de Jesus, mãe de duas filhas e avó de uma neta de 4 anos - Omidaré -, Bernadete disse que a comunidade de Banco do Pedro, onde vive juntamente com mais 26 famílias de Sem-Terra, num total de 90 pessoas, continua apreensiva e amedrontada.

Ela lembra que, enquanto era arrastada pelos cabelos pelos policiais para o camburão, a neta chorava muito: "Minha netinha só pedia "não levem minha vó", "deixem a minha vó", contou.

Bernadete não lembra quanto tempo ficou na cela masculina no 7º COORPIN, de Ilhéus, para onde foi levada, porém, recorda um detalhe: “Teve um momento que o preso que estava na cela tentou se aproximar de mim e aí alguém [que ela diz não saber quem] não deixou. Imagino que fiquei de três a quatro horas presa na cela”, acrescentou.

Tortura

A sessão de violência e tortura sofrida pela líder religiosa – que é filha de Oxóssi, uma entidade do Candomblé – começou na tarde de sábado, dia 23, quando um destacamento da PM baiana invadiu o Assentamento D. Hélder Câmara, a procura de um homem que supostamente teria escondido drogas no local.

Armados de fuzis e metralhadoras, segundo Bernadete, eles chegaram com violência, hostilizando as pessoas, sem nenhum mandado judicial. Foi, então, que ela tentou argumentar com o comandante da operação – o soldado Júlio de Souza Guedes – que não havia bandidos no Assentamento, pois todos vivem na comunidade há cerca de 12 anos e são trabalhadores. Foi o bastante para receber voz de prisão por desacato a autoridade.

No momento em que estava sendo algemada, incorporou o Orixá Oxóssi - uma entidade do Candomblé - e aí, Guedes, o soldado identificado por Jesus e outro aspirante de oficial, Adjailson – a arrastaram até um formigueiro próximo para, segundo ironizavam "tirar o demônio do corpo". “Essas pessoas não tem nenhuma condição de lidarem com seres humanos e vestem a farda do Estado”, acrescentou.

Depois disso, Bernadete ainda com a entidade incorporada e algemada foi jogada para dentro do camburão. Os PMs riam e diziam que estavam tirando o demônio “em nome de Jesus”. “Quando meu Orixá, que é Oxossi, se manifestou, eles pisaram no meu pescoço e apontaram uma arma prá minha cabeça”, lembra, ainda traumatizada com a violência.

Indignação

Segundo Bernadete, o conforto pela violência, cujas seqüelas ainda estão presentes no seu corpo pela picada das formigas, tem sido a mobilização desencadeada pelos movimentos de terreiros de Candomblé, entidades do movimento social e do movimento negro, indignadas com o caso.

Além de reuniões que estão acontecendo de lideranças que exigem uma resposta e uma posição do Governador, Jacques Wagner, do PT, nesta quarta-feira (03/11), o Secretário Nacional da Diversidade Humana da UGT, Magno Lavigne, anunciou que o II Seminário Nacional da Diversidade, marcado os dias 19 e 20 deste mês, em Salvador, deverá adotar uma posição de repúdio de todos os sindicalistas do país ligados à Central.

Lavigne disse que, ainda esta semana, o presidente da Central, Ricardo Patah – que é presidente do poderoso Sindicato dos Comerciários de S. Paulo – deverá lançar uma Nota Pública denunciando o que ocorreu com a líder religiosa, inclusive, junto aos organismos internacionais do mundo do trabalho, a que a Central tem acesso.

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