Em debate nesta quarta-feira (08) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), Humberto Ademi, do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), defendeu a reparação aos negros descendentes de escravos, tanto por meio de pagamentos, como por medidas não pecuniárias. Como exemplo de reparação não pecuniária, o presidente da CDH, senador Cristovam Buarque (PDT-DF), sugeriu a criação de um centro de pesquisa de recuperação da história negra.
Favorável à idéia, Ademi disse ser importante que esse centro de pesquisa investigue o porquê de as escolas públicas e privadas não estarem implementando as leis 10.639/03 e 11.645/08, que exigem o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena em sua grade curricular. Conforme informou, o instituto fez petição junto à Procuradoria Geral da República (PGR), cobrando a aplicação das leis pelas escolas.
- Nas escolas, se ensina que os negros vieram para cá porque se precisava de mao-de-obra para os canaviais. E a isso se resume a história do negro no Brasil. Os conselhos nacionais e estaduais de Educação poderiam trabalhar para o cumprimento das leis, como forma de reparação não pecuniária - sugeriu.
No mesmo sentido, Ademi propôs que a CDH encaminhe ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Conselho Nacional de Educação (CNE), pedido de esclarecimento sobre a falta de financiamento de pesquisas sobre o assunto.
Memorial da escravidão
Mário Lúcio Teodoro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), propôs a criação de um memorial da escravidão, como forma de reparação da desigualdade social brasileira. A proposta foi endossada pelos participantes da reunião.
- A ideia de resgatar essa dívida tem que passar por gastos efetivos com essa população - insistiu.
Para o representante do Ipea, duas medidas adotadas pelo governo brasileiro no Século 19 seriam as principais responsáveis pela atual desigualdade brasileira: a Lei de Terras, de 1850, que acentuou a concentração fundiária no país, e a própria Lei Áurea, que, ao abolir a escravatura, falhou por não assegurar trabalho aos escravos libertos.
Teodoro assinalou a impossibilidade de o Estado brasileiro arcar com o ônus financeiro de uma reparação pecuniária, destacando a existência de cerca de 80 milhões de brasileiros negros na população brasileira. Ele apresentou cálculos do Ipea segundo os quais o montante para a reparação seria equivalente a seis vezes o Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano e superior, por exemplo, ao orçamento atual da Previdência Social.
Ele propôs que a reparação seja feita sob a forma de políticas públicas voltadas para solucionar a questão racial.
- Com tanta pujança econômica, continuamos produzindo pobres. O racismo naturaliza a desigualdade e impede nossa sociedade de pensar que essa é uma situação inadmissível - disse, ao comparar medidas adotadas pela Alemanha e Japão para tirar seus compatriotas da fome no pós-guerra.
Políticas públicas
Nessa mesma linha de pensamento, Dora Lúcia Bertúlio, procuradora-chefe da Fundação Cultural Palmares, defendeu que sejam adotadas políticas públicas específicas para negros, na forma de ações que diminuam o impacto do que chamou de "discriminação racial institucional naturalizada", que proporcionem melhores condições de vida a essas populações.A procuradora acredita que, fazendo isso, o Estado estará beneficiando o conjunto da população brasileira.
- Nenhum grupo social foi mais molestado na história de 509 anos do Brasil que a população negra - afirmou.
Dora Bertúlio manifestou-se favoravelmente à proposta de criação do memorial, porém sugeriu que seja criado, pelo menos, uma unidade em cada capital, para resgate dos processos de escravidão diferenciados em cada região do país.
Também o reitor da Unipalmares de São Paulo, José Vicente, concordou com a criação do memorial. Ele propôs que o debate sobre o tema seja ampliado e inclua representantes de organizações da sociedade civil, inclusive de âmbito internacional.
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