quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Razão vascaína :: Eloi Ferreira de Araujo

O Globo

Razão vascaína :: Eloi Ferreira de Araujo

Desde a Constituição do Império de 1824, temos a previsão da igualdade formal em nosso país. É inegável o desejo nacional de construção da igualdade de oportunidades e direitos entre os cidadãos brasileiros. Quando a Lei Áurea foi promulgada em 13 de maio de 1888, o fato teve grande importância, pois tornou livres cerca de um milhão de escravos.

Contudo, o 14 de maio de 1888 foi o dia em que se instituiu um modelo de vida cruel para os ex-cativos e os descendentes de africanos alforriados. Traduzido no dizer dos poetas da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, os negros, desde então, ficaram livres do açoite da senzala, mas presos na miséria da favela.

As desigualdades raciais existentes em nosso país são apontadas exaustivamente pelos mais importantes institutos de pesquisa. O quadro se justifica historicamente.

No pós-abolição, os ex-cativos não contaram com políticas de crédito, de financiamento, sequer com uma política fundiária que viabilizasse a concessão ou a destinação de terras para a produção e a moradia. Ocorrendo-lhes justamente o oposto do que aconteceu com os imigrantes europeus, que tiveram tais direitos.

Passados os anos, o cenário internacional de combate ao racismo e o movimento negro brasileiro asseguraram na Constituição cidadã de 1988 o racismo como crime inafiançável e imprescritível.

O Congresso aprovou, após dez anos de tramitação, o projeto de lei do Estatuto da Igualdade Racial, que foi sancionado pelo presidente Lula, e transformou-se na lei de número 12.288, de 20 de julho de 2010.

O Estatuto é uma lei moderna que dispõe sobre as possibilidades para inclusão da população negra, através das ações afirmativas. Assegura, ainda, direitos às comunidades de remanescentes de quilombos e a liberdade de consciência e crença às religiões de matriz africana, entre outras garantias. As ações afirmativas, que são a essência do Estatuto, são políticas que devem durar o tempo suficiente para superar as desigualdades existentes na área de sua ação. As cotas raciais no ensino superior, que vêm sendo aplicadas há sete anos, são a forma mais visível das ações afirmativas. Neste período o desempenho dos alunos cotistas tem sido tão bom ou superior ao dos estudantes não cotistas. A convivência no ambiente universitário é excelente.

Outro exemplo exitoso de processos de inclusão ocorreu no início do século passado, quando o Vasco da Gama foi expulso da Liga de Futebol, porque havia incluído no seu quadro social e desportivo os negros. Hoje, todos os clubes têm negros. O Vasco estava certo.

O ingresso de estudantes negros e negras no ensino público superior e a inclusão da população negra na fruição dos bens não pode ser uma exceção.

Precisa ser algo de fato integrador.

2 comentários:

JULIO disse...

Infelizmente o Ministro da SEPPIR não estudou História do Brasil e nem a História do Futebol Brasileiro. A Constituição de 1824 proibia que negros e doentes de moléstias frequentassem as escolas. Logo não havia nenhuma "previsão de igualdade formal". Como se vê a primeira forma de exclusão foi na educação. O Ministro nunca se deu ao trabalho de passar os olhos na Lei dos Sexagenários e nem na Lei do Ventre Livre. O Ministro bem que poderia observar com mais atenção as revistas expostas nas bancas de jornais e contar quantos rostos negros ele identifica. Se pelo menos o Ministro tivesse lido o livro O Negro no Futebol Brasileiro, de Mario Filho, 4a edição, prefácio de Gilberto Freyre, Editora Mauad, do Rio de Janeiro, saberia alguma coisa a respeito da inclusão do negro no futebol brasileiro. Mario Filho nasceu em Pernambuco, viveu no Rio e trabalhou nos jornais A Manhã, A Crítica e em O Globo. Depois, comandou o Jornal dos Sports até a sua morte, em 1966. Além de O Negro no Futebol Brasileiro, ele publicou ainda Histórias do Flamengo, Viagem em Torno de Pelé, entre outros. Suas crônicas na antiga revista Manchete Esportiva estão no livro O sapo de Arubinha.

O nosso grande problema é estudar História do Brasil.

Segue algumas passagens do livro de Mario Filho.

“O ano do mulato

O primeiro herói mulato do futebol brasileiro foi um atacante de cabelos crespos, filho de pai alemão e mãe negra. Friedenreich, do Paulistano (SP), se tornou ídolo em 1919, depois de fazer um gol contra o Uruguai. “O povo descobrindo, de repente , que o futebol deveria ser de todas as cores, futebol sem classe, tudo misturado, bem brasileiro, escreveu Mario Filho.”



"A vez da colônia portuguesa

O Vasco da Gama veio da Segunda Divisão e, logo, usando um time misto, (branco, negros e mulatos), ganhou o título da Primeira Divisão, encarando esquadrões formados apenas por brancos. Mas os dirigentes da equipe da colônia portuguesa avisaram: “entre um preto e um branco, os dois jogando a mesma coisa, o Vasco fica com o branco. O preto é para a necessidade, para ajudar o Vasco a vencer.”



“O dezembro da discórdia

No dia 25 de dezembro de 1916, paulistas e cariocas disputaram um jogo de seleções em São Paulo. Como muitos brancos se recusaram a jogar no Natal, os cariocas rechearam o time com negros e mulatos. No campo, uma derrota; 9 a 1. Após o jogo, os cariocas disseram que a seleção não representava o verdadeiro Rio. A real tinha família, jamais deixaria seus parentes solitários numa noite de Natal. Só negros e mulatos eram capazes de agir assim.”

HUMBERTO ADAMI disse...

Caro Julio
Encaminhei seu comentário ao Ministro da Igualdade Racial, Elói Ferreira, que manifestou discordância de suas assertivas.

Entendendo seu direito democrático de se manifestar diferentemente do termos do artigo publicado em O Globo, manteve ele, na integralidade, todas as informações históricas e de fundamento, que constam no texto "Razão Vascaína".

Receba meu abraço.
Humberto Adami