"O Vasco tinha razão" - artigo do Ministro Eloi Ferreira de Araujo
Data: 13/08/2010
Desde a Constituição do Império de 1824, temos a previsão da igualdade formal em nosso país. É inegável o desejo nacional de construção da igualdade de oportunidades e direitos entre os cidadãos brasileiros. Quando a Lei Áurea foi promulgada em 13 de maio de 1888, o fato teve grande importância, pois tornou livre cerca de um milhão de escravos. Contudo, o 14 de maio de 1888 foi o dia em que se institui um modelo de vida cruel para os ex-cativos e os descendentes de africanos alforriados. Traduzido no dizer dos poetas da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, os negros, desde então, ficaram “livres do açoite da senzala, mas presos na miséria da favela”.
As desigualdades raciais existentes em nosso país são apontadas exaustivamente pelos mais importantes institutos de pesquisa. O quadro se justifica historicamente. No pós-abolição, os ex-cativos não contaram com políticas de crédito, de financiamento, sequer com uma política fundiária que viabilizasse a concessão ou a destinação de terras para a produção e a moradia. Ocorrendo-lhes justamente o oposto do que aconteceu com os imigrantes europeus, que tiveram tais direitos.
Passados os anos, o cenário internacional de combate ao racismo e o movimento negro brasileiro asseguraram na Constituição cidadã de 1988, o racismo como crime inafiançável e imprescritível. O Congresso brasileiro aprovou, após dez anos de tramitação, o projeto de lei do Estatuto da Igualdade Racial, que foi sancionado pelo presidente Lula, e transformou-se na lei de número 12.288, de 20 de julho de 2010.
O Estatuto é uma lei moderna que dispõe sobre as possibilidades para inclusão da população negra, através das ações afirmativas. Também define o que é desigualdade racial, desigualdade de raça e de gênero, políticas públicas voltadas para a população negra, no que se refere à saúde, à educação, à terra, à moradia,aos financiamentos, aos empreendimentos. Assegura, ainda, direitos às comunidades de remanescentes de quilombos e a liberdade de consciência e crença às religiões de matriz africana, entre outras garantias.
As ações afirmativas, que são a essência do Estatuto, são políticas que devem durar o tempo suficiente para superar as desigualdades existentes na área de sua ação. As cotas raciais no ensino superior, que vêm sendo aplicadas há sete anos, são a forma mais visível das ações afirmativas. Neste período o desempenho dos alunos cotistas tem sido tão bom ou superior ao dos estudantes não cotistas. A convivência no ambiente universitário é excelente.
Outro exemplo exitoso de processos de inclusão da população negra ocorreu no início do século passado, quando o Clube de Regatas Vasco da Gama foi expulso da Liga de Futebol, porque havia incluído no seu quadro social e desportivo os negros. Hoje, todos os clubes têm negros tanto num quanto noutro quadro. O Vasco estava certo. O ingresso de estudantes negros e negras no ensino público superior e a inclusão da população negra na fruição dos bens econômicos, culturais e sociais não pode ser uma exceção, que destaca alguns exemplos de sucesso. Precisa ser algo de fato aberto a todos, integrador. É necessário alcançar, em todos os ambientes, a parcela da população de pretos e pardos estabelecida como tal pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a partir da autodeclaração de pessoas de ascendência negra. Assim, o Brasil será mais democrático, terá mais paz e, com certeza, será ainda mais bonito.
Nota: Publicado no jornal "O Globo" de 11 de agosto de 2010, sob o título "Razão vascaína", com supressão dos dois últimos parágrafos.
http://www.portaldaigualdade.gov.br/2010/08/o-vasco-tinha-razao
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