Professores Guimes Rodrigues Filho e Wilson Prudente manifestam apoio ao Estatuto da Igualdade Racial
Data: 26/07/2010
Guimes Rodrigues Filho
A finalidade deste, após algumas reflexões sobre o Estatuto da Igualdade Racial, é saudar os excelentíssimos Presidente Lula, o Ministro da SEPPIR, Elói Ferreira, a SEPPIR e a Fundação Cultural Palmares, além dos nossos Parlamentares negros e negras que buscaram no embate da luta dar mais um passo rumo à construção de um país que realmente procure vencer as suas desigualdades raciais. Desigualdades essas, na maioria das vezes, provocadas pelo próprio Estado. É importante neste momento que vislumbremos o horizonte que se nos aponta com possibilidades que ainda requerem muita batalha. Por exemplo, o cumprimento da lei federal 10.639/03 é ainda uma longa luta que está passando inclusive pelo campo jurídico, graças à caminhada histórica de Luiz Gama que nos deu o exemplo de como podemos ocupar os espaços para traçar alguns caminhos que posteriormente se tornarão irreversíveis na conquista dos direitos para os(as) afro-brasileiros(as). Nesse caminhar, temos que lembrar do trabalho do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental que provocou as Ações Civis Públicas em todos os Estados e Municípios desta Nação pelo descuprimento da lei federal 10.639/03.
Na esteira destas lutas, capoeira que sou, gostaria de citar o caso da capoeira, que de crime no primeiro código penal da república, capítulo XIII, ano 1890, se transformou em Patrimônio Imaterial da Cultura Brasileira em 2008. Ou seja, uma manifestação cultural de matriz africana consegue se reinventar, resistir e se transformar, forçando o Estado ao reconhecimento de que a diáspora da capoeira afro-brasileira para o mundo é coisa feita por um povo que, para além da dor, consegue entender que tem direito a seu espaço. Hoje temos dois doutores honoris causa pela capoeira. São eles Mestre João Pequeno de Pastinha e Mestre Camisa, seguidor de Mestre Bimba. O primeiro pela capoeira angola, título recebido em 2003, e o segundo pela capoeira regional, título já aprovado e concessão prevista para o segundo semestre de 2010 pela Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Mas o primeiro doutor no mundo pela capoeira foi reconhecido primeiramente nos Estados Unidos, pela Universidade de Upsala em Nova Jérsei, sendo ele o Mestre João Grande, também discípulo de Pastinha. Aliás, Bimba e Pastinha também foram homenageados depois de mortos com a Medalha da Ordem do Mérito Cultural. Não sem tempo, já que na cultura afro-brasileira a morte é mais uma etapa do nosso caminhar e os capoeiras sempre lembram disto quando invocam os saberes de seus mestres a cada roda. Muito se discutiu sobre a importância de Bimba e Pastinha para a capoeira, uns achando que Bimba se afastou da tradição e outros entendendo que Pastinha não estava contribuindo de fato para a evolução da capoeira. Entretanto, Bimba dizia que havia criado a capoeira para o mundo e Pastinha entendia que a capoeira deveria ser tratada como patrimônio brasileiro. Dois visionários com certeza, mas que precisaram lutar e muito, e morrer na miséria, mas agradecendo a esta manifestação afro-brasileira por ter lhes dado dignidade para pelo menos fazer as suas passagens para as terras de Aruanda. E a luta desses dois nobres mestres de fato não foi em vão.
Hoje, o Estatuto da Igualdade Racial traz os seguintes artigos: “20. O poder público garantirá o registro e a proteção da capoeira, em todas as suas modalidades, como bem de natureza imaterial e de formação da identidade cultural brasileira, nos termos do art. 216 da Constituição Federal. Parágrafo único. O poder público buscará garantir, por meio dos atos normativos necessários, a preservação dos elementos formadores tradicionais da capoeira nas suas relações internacionais. Seção IV Do Esporte e Lazer Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso da população negra às práticas desportivas, consolidando o esporte e o lazer como direitos sociais. Art. 22. A capoeira é reconhecida como desporto de criação nacional, nos termos do art. 217 da Constituição Federal. § 1º A atividade de capoeirista será reconhecida em todas as modalidades em que a capoeira se manifesta, seja como esporte, luta, dança ou música, sendo livre o exercício em todo o território nacional. § 2º É facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos capoeiristas e mestres tradicionais, pública e formalmente reconhecidos.”
Está aí o estatuto abrindo caminhos para as matrizes culturais afro-brasileiras serem difundidas da melhor forma possível, ou seja, pelos ensinamentos dos mestres tradicionais. Assim, acho que o Estatuto é mais um ponto da nossa luta e temos que saudar a conquista do mesmo na adversidade que vivemos e pensamos o nosso país, para que possamos de fato cada vez mais, avançar em pontos cruciais da luta do movimento negro. Porque, apesar de darmos passos que duram cem anos, como é o caso da constituição de 1988 que criminaliza o racismo neste país, temos certeza de que os negros, negras, pretos, pretas, pardos e pardas que estão por vir estarão ainda melhor instrumentalizados(as) para a luta pela igualdade racial. E apesar de a raça não existir biologicamente, ela está socialmente referenciada por um povo que soube reinventar um conceito que era de inferioridade para um conceito de orgulho de ser negro(a) nesse país.
Axé!
Guimes Rodrigues Filho, prof. Dr.
Prof. do Instituto de Química da UFU
Coordenador Executivo do NEAB-UFU
Contra-Mestre de Capoeira Angola - Grupo Malta Nagoa
O Estatuto da Igualdade Racial é um instrumento jurídico de contornos gerais. A legislação sobre direitos humanos nem sempre carece definir com precisão o seu alcance. Mesmo porque, conforme a melhor doutrina, os direitos humanos não são um dado, os direitos humanos são um construído. Mais do que construídos, os direitos fundamentais são uma obra em permanente construção. Isso requer uma noção de legislação viva de direitos humanos. Por legislação viva entendemos a noção de que as normas de direitos humanos só existem efetivamente, quaisquer que sejam elas, quando os movimentos sociais as transformam em instrumento vivo e efetivo de conquistas para as liberdades substanciais e formais das populações oprimidas e marginalizadas, para a efetiva melhora das suas vidas.
Em outras palavras, o Estatuto da igualdade racial é um instrumento cujo alcance será proporcional à capacidade dos movimentos de direitos civis e contra o racismo de transformá-lo em efetivo instrumento de superação das desigualdades raciais no Brasil. Temos lei. Toda lei é reflexo da correlação de forças no momento em que ela é aprovada. Muito mais do que isso. Uma lei também reflete a capacidade de mobilização daqueles a quem diretamente interessa no momento em que ela é aplicada. Essa é a nossa tarefa, como prescrevi em meu último livro, A VERDADEIRA HISTÓRIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL NO BRASIL:vamos tomar em nossas mãos esse precioso Estatuto da Igualdade Racial, como se estivéssemos, e efetivamente estamos, DESCONSTRUINDO O DIREITO DO OPRESSOR E CONSTRUINDO UM DIREITO DO OPRIMIDO.
AXÉ!!
Wilson Prudente
Professor, Pesquisador, Escritor,
Procurador do Ministério Público do Trabalho
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