quinta-feira, 15 de julho de 2010

Estatuto da Igualdade Racial. Ação Afirmativa como Princípio no Estado Democrático - Marthius Sávio Cavalcante Lobato *

Abaixo artigo “Estatuto da Igualdade Racial. Ação Afirmativa como Princípio no Estado Democrático”, de autoria do advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato, publicado hoje no site Adital, que reproduzo em meu blog.

No artigo, o ilustre jurista entendendo “ser de fundamental importância para o Brasil e toda a sociedade mundial a sanção do Estatuto da Igualdade Racial”, sustenta a constitucionalidade das ações afirmativas, gênero do qual as cotas são espécie; e a extinção, em face da próxima sanção presidencial do Projeto de lei n. 213 do Senado Federal, da ADPF 186, relativa as cotas para negros e indígenas na Unb, bem como, da ADI 3229, relativa a constitucionalidade da demarcação de terras de remanescentes de quilombos, em face do decreto 4.887, ambas em andamento no STF.

Alerta, ainda, que “a não sanção, certamente atenderá as vozes dos que não querem ou temem a responsabilidade de participar ativamente do processo de negociação e elaboração da norma, responsabilizando-se pelos seus efeitos como é inerente em um Estado Democrático de Direito”.

Humberto Adami

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=49325

http://humbertoadami.blogspot.com/2010/07/estatuto-da-igualdade-racial-acao.html

Estatuto da Igualdade Racial. Ação Afirmativa como Princípio no Estado Democrático

Marthius Sávio Cavalcante Lobato *

Adital -

Introdução

Ao estabelecer como princípio constitucional a inclusão social dos diferentes (1), o Estado brasileiro apontou a direção a que sua política pública deverá caminhar, qual seja estabelecer a garantia da igualdade pela diferença promovendo políticas públicas de ações afirmativas. Se a Constituição brasileira estabelece a inclusão social a partir da diferença, qualquer mecanismo que venha a proibir a adoção de ações afirmativas leva, necessariamente, ao vazio normativo, logo, a anomia do direito.

Qual a relação entre a constituição e o Estatuto da Igualdade Racial aprovado pela Câmara e pelo Senador Federal? Qual o motivo que levou a aprovação de uma Lei do Estatuto de Igualdade Racial?

A aprovação do Projeto de Lei do Estatuto da Igualdade Racial traz um marco histórico para a sociedade brasileira. O reconhecimento do outro enquanto cidadão passível de obter a igualdade pela sua diferença. Este Estatuto, aprovado com muita luta, suor e lágrimas, concretiza o princípio constitucional da igualdade. Traz em seu conteúdo o princípio da ação afirmativa como direitos de todos os cidadãos discriminado por sua cor, negro. Este, aliás, é o papel a ser desenvolvido pelo direito constitucional em nossos dias.

Como é cediço, toda Constituição traz em seu processo de elaboração e vigência, uma determinada interpretação da história precedente (2) . (Paixão, Carvalho Netto, 2009) Por esta razão, o texto constitucional traz em seu bojo os princípios que nortearão os direitos fundamentais que serão exercidos pela sociedade civil. Isto quer dizer que, no direito constitucional brasileiro, os direitos à igualdade e à liberdade figuram como uma espécie de metaprincípios, que traduzem as lutas do constitucionalismo democrático e hospedam um elemento de projeção para o futuro, de realização e aquisição de direitos, num processo dinâmico e ininterrupto. (Paixão, Carvalho Netto, 2009)

Não foi por acaso que quando a constituição de 1988 foi regida, toda a experiência do passado (diga-se, de discriminação) foi pensada no momento da elaboração do seu texto, para projetar um futuro constitucional de igualdade. Políticas públicas de ação afirmativa, como gênero cuja espécie se concretiza através de cotas para negros é o exemplo evidente da abertura e possibilidade de inclusão, estabelecido por nossa constituição. É uma prova da capacidade que o direito assume, em nossos dias, de possibilitar soluções novas, criativas e abrangentes para problemas antigos e intocados. (Paixão, Carvalho Netto, 2009)

Para afirmar que um país tem uma legislação desenvolvida, é preciso que este adquira uma identidade constitucional, como nos ensina Michel Rosenfeld (3) , capaz de garantir os princípios básicos em um Estado Democrático de direito que é a igualdade e liberdade, aplicando-o integralmente. Estes dois grandes princípios constitucionais - igualdade e liberdade - que se opõe (se sou igual não sou livre se sou livre não sou igual) e se constituem reciprocamente, traduzindo-se concretamente nas diversas práticas sociais constitutivas de sua vida cotidiana.

As reivindicações nas ruas por liberdade e por igualdade levantam publicamente a pretensão constitucional de que as diferenças específicas do grupo - negro - que as conduz sejam reconhecidas, daquele momento em diante, como igualdade, e exigem o respeito público à sua liberdade de serem diferentes. Os debates sobre diferenças de gênero, de cor, de orientação sexual, de arcabouços culturais, de práticas religiosas ou mesmo antirreligiosas revelam a todos a inconstitucionalidade concreta de toda forma de discriminação. De outra parte, para a efetiva igualdade no respeito às diferenças, é necessário assegurar-se a esfera de liberdade para o exercício dessas diferenças. Tal esfera não requer (nem pode exigir) que tenhamos simpatia ou afeto por valores diversos dos nossos. Mas, a constituição impõe, sim, o respeito à liberdade, o respeito às diferenças reconhecidas como igualdade.

Na tensão desses campos é que se encontra o sucesso mais retumbante da Constituição de 1988. A sua exigência principiológica de igualdade e liberdade, em um ambiente institucional democrático, permite a compreensão de que a igualdade é o direito à diferença, e de que a liberdade é a exigência pública (oponível a todos) do respeito ao direito privado de ser diferente. Trata-se de um processo contínuo, inesgotável precisamente por que a cada ato de inclusão, a cada momento de respeito constitucional pela liberdade e pela igualdade, torna-se visível que outros ainda não foram incluídos, e que suas vozes não podem ser silenciadas em uma democracia.

É por esse motivo que o rol de nossas garantias fundamentais expressamente não se apresenta como uma relação fechada de direitos. O texto constitucional admite no § 2º de seu artigo 5º que os direitos e garantias expressos lá "... não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". A Constituição, portanto, é um documento que, no embate pelo sentido presente de seu conteúdo, permanece aberta para o futuro. Parafraseando o Prof. Menelick de Carvalho Netto, a abertura da constituição é o pulsar de um documento vivo. O sujeito constitucional há que permanecer como um processo vivo e aberto, que não pode ser corporificado, fechado, em nenhum ente, sob pena de se tornar o contrário dele próprio, privatizando o público e eliminando a liberdade enquanto direito à diferença. Portanto, é o princípio da igualdade que garante que todas as políticas públicas que venham a estabelecer ações afirmativas são constitucionais.

1. O Estatuto da Igualdade Racial como Princípio de Políticas Públicas de Ação Afirmativa.

O artigo 1º do Estatuto da Igualdade Racial estabelece como princípio as ações afirmativas:

TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada; II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; III - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais; IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga; V - políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. (o realce é meu)

Como sabemos, não há neutralidade nos textos. Cada palavra, vírgula, tem um significado que não pode ser suprimido pela interpretação de quem o lê. As definições trazidas no artigo 1º e seus incisos conforme grifados acima apontam para o estabelecimento e fortalecimento do princípio de ação afirmativa. O contexto em que foi redigido texto tem a evidente intenção de proteger os desiguais, no caso específico, da população negra.

Não há necessidade, neste momento, de se desenvolver conceitos próprios de discriminação racial, desigualdade racial, desigualdade de Gênero e raça, população negra, políticas públicas e ações afirmativas (4) posto que, o texto do artigo 1º e seus incisos são autoexplicativos.

1.1. Ação Afirmativa como gênero: políticas públicas de cotas como espécie a ser regulada pela igualdade aos diferentes.

Toda a ação afirmativa visa, em seu conceito clássico a incluir, socialmente, as minorias, que geralmente sofrem discriminação a um patamar mais alto alcançando benefícios (saúde, educação, esporte, lazer, moradia) que jamais poderia atingir em seu status normal. Portanto, trata-se de políticas públicas de apoio às minorias. Tratando-se, pois de políticas públicas promovido pelo Estado que tem como finalidade o resgate e a concretização da cidadania.

Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim B. Barbosa Gomes, as ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade.

Para o Ministro, as ações afirmativas derivam de políticas que envolvam os Três Poderes, cada um com seu papel específico - Executivo elabora as políticas públicas de inclusão social, o legislativo confere sustentação e o Poder Judiciário garante a legitimidade da norma.

No mesmo sentido, encontramos a definição do Ministro Do Tribunal Superior do Trabalho e Professor da Universidade de Brasília - UnB, Dr. Carlos Alberto Reis de Paula quando afirma

A Ação Afirmativa visa promover o direito fundamental à igualdade de todos e significa a igualdade na diferença. Pode-se dizer que é uma discriminação reversa, em típica política compensatória, porquanto atua sobre a desigualdade material resultante da discriminação anterior mediante uma nova discriminação em sentido contrário. Não se trata de uma política governamental antidiscriminatória, baseada em leis de conteúdo meramente proibitivo, em que se busca oferecer às vítimas, após fatos consumados, instrumentos jurídicos de caráter meramente reparatório. A ação afirmativa objetiva a inclusão, em mecanismos concebidos por entidades públicas, privadas ou por outros órgãos, buscando a efetiva igualdade de oportunidades. Em última palavra, é uma forma jurídica para se superar a diferença social a que se acham sujei- tas as minorias. Podemos dizer, pois, que o objetivo da Ação Afirmativa é o combate não só às flagrantes manifestações de discriminação, mas também á discriminação velada, enraizadas na sociedade e que comumente se manifestam em atos pessoais rotineiros e in- conscientes. De outra sorte, visa uma transformação cultural e social, para criar no convívio da sociedade o hábito da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade em todas as esferas. O fato é que o comporta- mento e a mentalidade coletiva carregam anos de história sedimentada (5) .

Um grande equívoco que encontramos nos debates quando da busca pela efetividade de ações afirmativas, é confundir cotas com ações afirmativas. Isto porque, as ações afirmativas (6) não se limitam a estabelecer políticas de inclusão social de cotas, haja vista existirem outras maneiras de estabelecer as ações afirmativas, como por exemplo, os Quilombolas. Portanto, o fato de ter sido concentrado as ações afirmativas a políticas de cotas, não podem ser vistas, analisadas e interpretadas como sinônimos de ações afirmativas.

Menezes (7) ministra que outro engano é conceber as ações afirmativas como oriundas tão-somente de iniciativas oficias ou programas previstos em lei, visto a possibilidade e efetiva realização de programas de ação afirmativa voluntários, elaborados espontaneamente por empresas privadas. Outra freqüente incorreção, também salientada por Menezes14, deve-se ao fato de que, em razão das questões relacionadas à ação afirmativa buscarem soluções judiciais, promovendo um grande número de processos, há mais uma imperfeição, bastante comum, que é a de identificar a ação afirmativa como sendo um ‘remédio’ ou uma ‘solução judicial’, como se esta fosse apenas reflexo direto de decisões judiciais.

Mas, a pergunta que fica é: o que vem a ser as cotas?

Silva leciona que:

De início, uma coisa é certa: as cotas, como são denominadas certas políticas públicas mais radicais objetivando a concretização da igualdade material, nasceram no bojo das ações afirmativas, mas com essas não se confundem. É nesse sentido, que o prof. Jorge da Silva, da UERJ, é enfático ao dizer que a ação afirmativa não ‘é simplesmente o estabelecimento de ‘quotas’ percentuais para negros’. [...]

As cotas são uma segunda etapa das ações afirmativas. Constatada nos EUA a ineficácia dos procedimentos clássicos de combate à discriminação, deu-se início a um processo de alteração conceitual das ações afirmativas, que passou a ser associado à idéia, mais ousada, de realização da igualdade de oportunidades através da imposição de cotas rígidas de acesso de representantes de minorias a determinados setores do mercado de trabalho e a instituições educacionais. Data também desse período a vinculação entre ação afirmativa e o alcance de certas metas estatísticas concernentes à presença de negros e mulheres num determinado setor do mercado de trabalho ou numa determinada instituição de ensino.

Patente, pois, que o estabelecimento de quotas representa sequência e não fundamento da ação afirmativa. Essas consistem em um polêmico instrumento que passa a ser empregado pelo Brasil para garantir o acesso das minorias, mormente àquelas oriundas da discriminação racial, às condições mais igualitárias de acesso ao emprego público ou banco universitário. No entanto, vez mais se diga, as ações afirmativas possibilitam outros programas diversos das quotas para a sua eficácia, tais como, segundo Silva:

O método do estabelecimento de preferências, o sistema de bônus e os incentivos fiscais (como instrumento de motivação do setor privado). De crucial importância é o uso do poder fiscal, não como mecanismo de aprofundamento da exclusão, como é da tradição brasileira, mas como instrumento de dissuasão da discriminação e de emulação de comportamentos (públicos e privados) voltados à erradicação dos efeitos da discriminação de cunho histórico.

Feitas estas considerações que deixam claros os objetivos e o próprio conceito do que venha a ser a ação afirmativa, assim como a correta distinção de seu conceito com algumas assimilações errôneas, oportuno apresentar de forma sucinta a origem da affirmative action que se propaga em todo o globo (8) . (o realce é meu)

Logo, podemos afirmar, sem medo de errar, que cotas é a política pública adotada para a inclusão social. No texto em debate, Estatuto da Igualdade Racial, as cotas têm como finalidade a inclusão social no negro em todas as esferas da sociedade. Para duvidas não pairar, vamos ao texto:

Art. 2º É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.

Art. 3º Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.

Art. 4º A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de: I - inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social; II - adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa; III - modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica; IV - promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais; V - eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada; VI - estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos; VII - implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante a educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso a terra, à Justiça, e outros. Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do país.

O título I, do Estatuto seria suficiente para garantir a existência não somente de ações afirmativas, mas a possibilidade, mediante atos normativos secundários, de efeito concreto, a realização de políticas de inclusão social - cotas em todas as esferas, quer pública, quer privada.

Mas, sigamos a diante. No capítulo II - Direito à Educação, à Cultura ao Esporte e Lazer - o artigo 15 é de uma evidencia da existência e manutenção de políticas públicas de inclusão social de cotas quando diz expressamente: Art. 15. O poder público adotará programas de ação afirmativa.

Ora, como definido acima, à medida que políticas públicas de inclusão social de cotas é espécie cujo Gênero é a ação afirmativa, e, ao prever uma obrigação de fazer do poder público - Ensino médio, superior, pós-graduação, trabalho - de adotar ação afirmativa, incluso está a possibilidade de se adotar políticas públicas de inclusão social por ato normativo secundário concreto mediante a modalidade de cotas.

Portanto, as políticas públicas de cotas, ou seja, de inclusão social, estão previstas no referido projeto de Lei, mesmo não tendo sido consignada a expressão "cotas". Desnecessário, face aos preceitos constitucionais citados e os dispositivos estabelecidos no Estatuto a utilização da expressão "cotas" para afirmar que tal procedimento de inclusão social está devidamente previsto na lei em comento.

O que diferencia, na realidade, é o procedimento de regulação que será dado a partir da vigência da lei, o que será discutido no item seguinte.

1.2. A implantação de políticas públicas de inclusão social (cotas) a partir do marco regulatório do Estatuto da Igualdade Racial.

Até a aprovação do presente projeto de Lei, toda a política pública de inclusão social (cotas) tinha necessidade de regulamentação afirmativa, ou mesmo a sua ausência de regulamentação se dava pela inexistência de um marco regulatório que determinasse tal conduta. Por esta razão, inclusive, é que havia fundamentos da impossibilidade de implantação de políticas pública de inclusão social (cotas).

O Estatuto trouxe, ao fim e ao cabo, a possibilidade, diante da afirmação de uma política pública de ação afirmativa, de que ocorressem os regulamentos de efeito concreto, ou seja, toda a política pública de inclusão social (cotas) na saúde, educação esporte, trabalho, etc., enfim, em toda a esfera pública que houver déficit da igualdade das minorias, ocorrerá mediante procedimento normativo de efeito concreto. Os tos normativos ocorrerão para efetivar os efeitos concretos destas políticas. Vamos a um exemplo: Se determinada Universidade Pública (federal, estadual ou particular) tiver a intenção de promover políticas públicas de inclusão (cotas) para negros, poderá regulamentar o seu procedimento concretamente, ou seja, para a sua instituição, de acordo com os critérios a serem estabelecidos para o seu caso concreto. Portanto, cada instituição de ensino, saúde pública, trabalho, etc. regulamentará de acordo com a sua especificidade concreta e necessidade da sociedade em que está inserida e envolvida. Tal fato irá permitir que o procedimento de elaboração da norma se dê mediante a participação direta dos atores sociais envolvidos. A legitimidade da norma se dará não pelo seu processo de elaboração mas sim pelo seu processo de participação e aplicação.

Citamos como exemplo concreto, os atos normativos estabelecidos pela Universidade de Brasília - UnB (9) , teve a participação direta de toda a comunidade acadêmica (docentes, discentes, representação dos trabalhadores) além da representação da sociedade civil. Portanto, a legitimidade desta norma está exatamente por ter sido elaborada de forma específica para a Universidade de Brasília - UnB, com a participação de todos os atores sociais.

3. Conseqüências da sanção da lei pelo Presidente da República e sua vigência.

As conseqüências jurídicas da sanção do referido Projeto de Lei pelo Presidente da República no mundo jurídico são enormes e vem de encontro com a posição que o movimento social adota e defende, qual seja: a participação efetiva na elaboração da norma para a garantia da constituição; o afastamento da judicialização pelo controle concentrado de constitucionalidade e lei efetivando o princípio da igualdade pela diferença e liberdade de promoção de políticas públicas de inclusão social (cotas).

3.1 Ato normativo de efeito concreto

Todo o procedimento de promoção ação afirmativas através de políticas públicas de inclusão social do negro (cotas) tem ocorrido a partir de atos normativos infralegais - Decretos, Instruções - enfim, atos normativos de efeitos secundários. Isto porque, a inexistência de um marco legal que estabeleça os princípios gerais de aplicação e procedimento dos direitos fundamentais, no presente caso, ações afirmativas, leva que a comunidade em geral, utilize destes procedimentos normativos para a busca da efetivação de mecanismo de promoção de políticas públicas de inclusão social (cotas para negros).

Por esta razão, inclusive, que o Partido Democrata - DEM (ex-PFL) ingressou com a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF junto ao Supremo Tribunal Federal - tombada sob o nº 186. O fundamento para o cabimento da presente ação foi exatamente a inexistência de marco regulatório de efeito abstrato, sendo impossível a utilização de mecanismo jurisdicional para o controle de constitucionalidade, nos termos da Lei 9882/99.

Com a sanção do Projeto de Lei do Estatuto da Igualdade Racial, este "vazio" normativo deixa de existir, ou seja, entra em vigor um marco regulatório que estabelece a aplicação dos princípios constitucionais de ação afirmativa, regulando não somente os conceitos (artigo 1º) como também estabelecendo a obrigação de fazer dos poderes públicos e privados da implantação das políticas públicas de inclusão social (cotas) (10).

O efeito concreto, portanto, é a extinção da ADPF nº 186 em trâmite no STF por impossibilidade jurídica do pedido. Isto porque, o parágrafo 1º, do artigo 4º da Lei 9882/99 dispõe, quanto ao cabimento da presente ação, que Não caberá a arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio de sanar a lesividade.

Para o Ministro Gilmar Mendes,

[...] tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da argüição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional. Nesse caso, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em sentido contrario, não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata, há de se entender possível a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental (11).

Com a sanção do Projeto de Lei do Estatuto da igualdade racial, como mencionado acima, as ações afirmativas para inclusão social dos negros (cotas) quer na esfera pública quer na esfera privada passa ter um marco regulatório e, portanto, haverá a possibilidade do controle concentrado de inconstitucionalidade ou constitucionalidade frente a referida lei. Mas, friso, somente frente a referida lei. Ressaltar este ponto é de fundamental importância. Como também mencionado acima, o Projeto de Lei do Estatuto da Igualdade Racial estabelece e prevê princípios fundamentais que concretizam os direitos fundamentais. Contudo, sua aplicação somente ocorrerá no caso concreto. Isto quer dizer que, para a ampla e perfeita efetividade do Estatuto da Igualdade Racial, haverá a necessidade de se estabelecer atos normativos secundários de efeito concreto. Por exemplo: A Universidade de Brasília - UnB, tendo em vista que os procedimentos adotados o foram com ampla participação da sociedade, poderá, através de seu Reitor, editar um ato normativo estabelecendo os critérios (podendo ser os mesmo ora existentes) para a aplicação de políticas pública de inclusão social do negro (cotas). Esta norma de efeito secundário e concreto, por ter conteúdo de mera aplicação de regulamentação da lei. Logo, o controle jurisdicional limitar-se-á a sua legalidade ou ilegalidade. Jamais ocorrerá o controle de constitucionalidade. Neste caso, ou a própria lei (Estatuto da Igualdade Racial) será inconstitucional, cabendo ação de inconstitucionalidade/constitucionalidade contra esta e jamais contra o ato normativo secundário de efeito concreto.

O Supremo Tribunal Federal tem posição firme no sentido de ser impossível o manejo do controle abstrato de normas contra atos de efeito concreto como na presente situação. Na ADin nº 647, Relator Ministro Moreira Alves (12) , este foi enfático ao dizer ser incabível o Controle da Constitucionalidade, in abstrato quando o ato administrativo em seu "conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato", ou seja, o ato administrativo tem efeito jurídico concreto.

Nesta mesma ação, o voto do Ministro Celso de Mello, que acompanhou o voto do Eminente Ministro Relator foi mais incisivo quando afirmou que as leis formais, cujo conteúdo veicule atos materialmente administrativos, não se expõem, porque destituídas de qualquer coeficiente de normatividade, à jurisdição constitucional concentrada do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta

Para o Ministro Celso de Mello, atos estatais de efeitos concretos, ainda que veiculados em texto de lei formal, não se expõem, em sede de ação direta, à jurisdição constitucional abstrata do Supremo Tribunal Federal [...]

Uma vez que a ausência de densidade normativa no conteúdo do preceito legal impugnado desqualifica-o - enquanto objeto juridicamente idôneo - para o controle abstrato. (14)

Portanto, com a sanção do Projeto de Lei do Estatuto da Igualdade Racial a judicialização da adoção de políticas públicas de inclusão social (cotas) ocorrerá somente pela via do controle difuso de constitucionalidade, através de ações que impugnem os atos normativos secundários de efeito concreto. Está afastado, portanto, o controle abstrato de constitucionalidade contra os referidos atos.

Outro aspecto a ser salientado, é no tocante a ADIN nº 3239 proposta, também, pelo Partido Democrata - DEM (ex-PFL), requereu a inconstitucionalidade do Decreto 4887/2003 que estabeleceu critério para a identificação de uma comunidade quilombola, delimitando a área do território a ser titulado e a necessidade de desapropriação de terras particulares, de titularidade de não-quilombolas, que estiverem dentro dos territórios a serem titulados.

O Estatuto da Igualdade Racial, em seu Capítulo IV - Acesso à terra e à moradia adequada - Seção I do acesso a terra, estabelece a obrigação do poder público em promover políticas públicas de inclusão social à terra dos negros, quando em seus artigo 27 a 34 estabelece expressamente: Art. 27. O poder público elaborará e implementará políticas públicas capazes de promover o acesso da população negra a terra e às atividades produtivas no campo. Art. 28. Para incentivar o desenvolvimento das atividades produtivas da população negra no campo, o poder público promoverá ações para viabilizar e ampliar o seu acesso ao financiamento agrícola. Art. 29. Serão assegurados à população negra a assistência técnica rural a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção. Art. 30. O poder público promoverá a educação e a orientação profissional agrícola para os trabalhadores negros e as comunidades negras rurais. Art. 31. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Art. 32. O Poder Executivo federal elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos, respeitando as tradições de proteção ambiental das comunidades. Art. 33. Para fins de política agrícola, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura. Art. 34. Os remanescentes das comunidades dos quilombos se beneficiarão de todas as iniciativas previstas nesta e em outras leis para a promoção da igualdade étnica.

Ao sancionar o Projeto de Lei do Estatuto da Igualdade Racial, o Decreto 4887/2003 deixa de caráter geral abstrato e passa a ter efeitos concretos. Isto porque, frente a hierarquia das leis, será recebido, pelo novo ordenamento jurídico, como Decreto Regulamentador, portanto, ato normativo secundário de efeito concreto. E mais. A interpretação diferente a esta somente poderá ocorrer entendendo que o referido Decreto estaria revogado frente a Lei do Estatuto da Igualdade Racial, já que, inferior hierarquicamente. Portanto, sob qualquer ângulo jurídico que se possa analisar ou interpretar a aplicação do Decreto 4887/2003 frente a lei, terá, como conseqüência jurídica, a extinção da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239, promovida pelo Partido Democrata - DEM (ex-PFL), tendo em vista a edição de lei.

4. Dos Tratados Internacionais e os efeitos supralegais: O Bloco de Constitucionalidade com princípio constitucional

A expressão de Bloco de Constitucionalidade, de origem francesa (15) surgiu para designar um conjunto de normas que compõem o bloco legal ou constitucional, não se limitando às leis positivas, que deveria ser devidamente considerados para efeitos de parâmetros de controle legais ante o princípio da legalidade (16) .

Alçado a âmbito constitucional, o Bloco de Constitucionalidade refere-se "a um conjunto de princípios e regras de valor constitucional para designar o conjunto de normas situadas ao nível constitucional, cujo respeito se impõe à lei" (17)

Para Louis Favoreu, as definições conferidas ao Bloco de Constitucionalidade variam de acordo com o tempo, não sendo, portanto, imutáveis. Em um primeiro momento, tinha um conceito vago e indefinido, sendo que hoje compreende noções precisas na media em que o Conselho Constitucional impõe ao legislador ordinário um conjunto de normas de referência (18).

O valor a ser conferido ao texto constitucional é que se torna fundamental para o alicerce do Bloco de Constitucionalidade. Se entender que por ‘Constituição’ está-se a tratar do texto propriamente dito, ou seja, dos valores expressamente consignados no seu texto, ou, se o valor a ser conferido ao texto constitucional vai além do texto propriamente dito. Neste caso, estariam compreendidos por ‘Constituição’ não somente o texto, mas também todos os outros valores normativos para os quais são remetidos.

Neste sentido o Estado brasileiro é signatário dos principais instrumentos normativos internacional de proteção dos direitos humanos. A especial é a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (19). O Supremo Tribunal Federal conferiu aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos o fundamento de validade de normas supralegal (20) , ou seja, estão acima das leis ordinárias devendo, estas, respeitar os princípios ali estabelecidos. É este Bloco de Constitucionalidade que garantirá a validade normativa do Estatuto da Igualdade Racial após sancionada pelo Presidente da República, concretizando toda e qualquer política de ação afirmativa (estabelecimento de cotas, isenção tributária, incentivo ao trabalho com financiamentos reduzidos, etc.) através da participação efetiva da sociedade com elaboração de atos normativos secundários de efeito concreto.

Conclusão

O Estado democrático de Direito tem como finalidade a máxima efetividade dos direitos. Enquanto o Constitucionalismo Social constitucionalizou os direitos sociais, o Estado Democrático de Direito tem a obrigação de efetivá-los. E a sua efetivação não partirá da inserção de novas normas legais, normas gerais e abstratas, ou seja, com a regulação. Ela se dará a partir da emancipação social interpretando a constituição para a sua efetiva concretização.

Como sabemos, a constituição é uma comunidade de princípios que regem uma sociedade. Assim, a sua abertura exige que a interpretação a ser conferida a ela parta, ou melhor, inicie com a abertura para, no caso concreto, poder fechá-la efetivando-a. Portanto, a partir dos princípios da igualdade e liberdade é que poderemos buscar a efetividade dos direitos. Mas somente a partir da hermenêutica -no dizer de Gadamer- a partir do olhar do outro, é que podemos concretizar a efetividade dos direitos.

No momento em que percebo o outro, tenho a possibilidade de aplicar normas e princípios constitucionais de maneira a garantir a exclusão de injustiças. Mas isso, somente pode ocorrer quando da análise do caso concreto. É nele, e somente nele, que terei uma única decisão correta, a partir do conceito de integridade do Direito, como nos ensina Dworkin.

Este é o déficit da aplicação dos princípios constitucionais. Os princípios têm força irradiante mesmo que implícitos. Podem-se encontrar normas constitucionais não expressamente consignadas a partir do momento em que possam gerar a densificação das normas e princípios referentes aos direitos sociais; em outras palavras, que venham a proteger e definir esta relação.

Podemos encontrar, a título de exemplo, déficit de aplicabilidade dos princípios constitucionais quando nos deparamos com os casos concretos de aplicação do princípio da igualdade apenas formal. Estas normas ao mesmo tempo em que reduzem a complexidade social, geram novas complexidades, pois possibilita sua aplicação em casos que, por pretensões abusivas é forçada a sua aplicação a outros casos concretos. Os benefícios, na realidade, passam a ficar evidentes na medida em que a aplicação do conceito de integridade do Direito de Dworkin, além de levar a sério os direitos fundamentais dos cidadãos passam a garantir a inclusão social das minorias e, ao mesmo tempo, a exclusão da discriminação conferindo a igualdade de oportunidades. Enfim, o que a experiência nos ensina é que temos que ir além do discurso jurídico tradicional. Não somos meros leitores de textos. Toda a norma jurídica necessita de interpretação para que o próprio direito seja aplicado.

Enfim, é a interpretação constitucional que possibilitará, em uma sociedade complexa, a tomada de decisões por meio de análise de fatos concretos, conferindo ao texto, a adequada interpretação, a partir do contexto em que é analisado.

É neste sentido que a legitimidade de uma norma ocorrerá quando houve a efetiva participação de todos no seu processo de formação. Isso é o que permite o Estatuto da Igualdade Racial, ou seja, ao estabelecer os princípios de promoção de inclusão social (cotas)

Boaventura de Sousa Santos ao concluir sua palestra, em 2007, junto ao Ministério da Justiça chamou de revolução democrática da justiça sugerindo que sem direitos de cidadania efetivos a democracia é uma ditadura mal disfarçada (21) . Portanto, no Estado Democrático de Direito a legitimidade da norma não se dá pelo simples processo legislativo regular. A legitimidade da norma ocorre com a participação ampla dos cidadãos interessados. É por este motivo que a participação no processo de elaboração da norma garante não somente a sua legitimidade como também e principalmente a sua aplicação. Este espaço, contudo, somente se dará se e somente se, possibilitar que os efeitos das normas não venham prontos e acabados. É exatamente o caso do Estatuto da Igualdade Racial. Todo o debate no processo legislativo levou a possibilidade de que a sociedade, principalmente as minorias, tivesse condições de atuar definitivamente no processo de elaboração das normas. Não por outra razão que o Estatuto em comento estabeleceu apenas os princípios e a efetividade de ações afirmativas como Gênero que é, remetendo para o caso concreto, ou seja, para a efetiva possibilidade de participação da minoria no processo de elaboração da norma, qual seja, ato normativo secundário de efeito concreto.

É esta a esfera pública, politicamente ativa, construída e reconstruída em situações concretas com a participação em todas as esferas (encontros na rua, o público que freqüenta o teatro, o cinema ou concertos de Rock, reuniões de partidos, encontros nas associações de bairro ou congressos de igrejas, etc.), mediada por uma "esfera pública abstrata" - Universidades, empresas, etc. (22).

Um local que não exclua os que sofrerem ou sofrerão os efeitos concretos da norma. Portanto, a relação entre a norma e a esfera pública é de interdependência e não mais de mera Subsunção. Os atores deste processo de elaboração de normas não são mais meros enfeites, mas, e principalmente agentes de concretização das normas. Ou seja, o povo é produtor e, ao mesmo tempo, produto da comunicação sobre as leis que nos regem - não é um dado da realidade, mas uma identidade em permanente construção (23). Pressupomos um povo no momento em que esse mesmo povo se dá leis, mas o povo será, também, forjado pelas leis que dá a si próprio (24).

Portanto, é neste sentido que podemos afirmar e reafirmar que a sanção do Estatuto da Igualdade Racial será um marco histórico para a sociedade brasileira estabelecendo um novo paradigma do processo legislativo, qual seja, de que o agente concretizador dos princípios constitucionais não é exclusivo o Poder legislativo, pelo contrario, é exclusivo da sociedade que garantirá a legitimidade a partir de sua participação efetiva na elaboração e concretização da norma. Portanto, ao remeter a atos normativos secundários de efeito concreto a realização das políticas públicas de inclusão social de cotas garante a efetiva participação das minorias no seu processo de elaboração.

A não sanção, certamente atenderá as vozes dos que não querem ou temem a responsabilidade de participar ativamente do processo de negociação e elaboração da norma, responsabilizando-se pelos seus efeitos como é inerente em um Estado Democrático de Direito.

SMJ, entendo ser de fundamental importância para o Brasil e toda a sociedade mundial a sanção do Estatuto da Igualdade Racial.

CRB/88 - Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: […] III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; PAIXÃO, Cristiano e CARVALHO NETTO, Menelick. A Política de Ações Afirmativas na UnB e a Constituição. Constituição & Democracia, nº 33, 2009. A identidade do sujeito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2003. Recomendo, contudo, a leitura do exemplar nº 18, de dezembro de 2007, do Constituição & Democracia, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Sociedade, Tempo e Direito, da UnB. Este exemplar foi desenvolvido com o tema "Ações Afirmativas e a inclusão social". REIS DE PAULA, Carlos Alberto. Constituição & Democracia, nº 18, Dezembro de 2007, Brasília - DF, p. 16. Muito importante, inclusive, é a definição de ação afirmativa desenvolvida pela Luiza Cristina Fonseca Frischeisen Procuradora Regional da República, Bacharel em Direito pela UERJ, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Doutora em Direito pela USP: que são um conjunto de ações que pode ser diretamente implementado pela legislação ou incentivado a partir de um programa estabelecido e que tem como objetivo superar desigualdades de grupos específicos no acesso a bens, direitos e serviços considera- dos essenciais em uma determinada sociedade. Em vários países europeus, ações afirmativas foram implementadas para a defesa dos direitos das mulheres quanto ao acesso ao mercado de trabalho. Neste caso, a adoção de política de ação afirmativa consiste em eliminar as desigualdades que afetam as mulheres na sua vida, no trabalho e destina-se a promoção de um melhor equilíbrio entre os sexos no emprego. Procura também incentivar a presença da mulher nos altos níveis de responsabilidade, a fim de obter o melhor uso de todos os recursos humanos. As ações afirmativas pressupõem uma renúncia do Estado e das instituições a uma neutralidade baseada no princípio da igualdade jurídico- formal, pois para promover a igualdade material é necessária uma atuação voltada para os grupos mais excluídos e vulneráveis da sociedade. As ações afirmativas não ferem o direito à igualdade, pois este significa aplicar a mesma norma a pessoas que se encontram em uma mesma situação básica, havendo diferenças na situação-base, normas diferentes poderão ser aplicadas. In, Democracia & Constituição, nº 18, Dezembro, 2007 - Brasília-DF, p. 22. Apud, Alexandre Sturion de Paula, in http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_61/Artigos/Art_alexandre.htm, acesso em 01/07/2010. Apud, Alexandre Sturion de Paula, in http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_61/Artigos/Art_alexandre.htm, acesso em 01/07/2010. Lembramos que esta norma está sendo questionada mediante ADPF nº 186 em trâmite no Supremo Tribunal Federal, interposta pelo Partido Democrata - DEM (ex-PFL). O fundamento da ADPF com pedido liminar, é o autor requereu liminar para suspender o registro dos alunos aprovados no último vestibular, tanto pelo sistema universal quanto pelo sistema de cotas, para assim obter nova listagem de aprovados; e também para impor que os juízes e tribunais de todo o país determinassem a suspensão imediata de todos os processos que envolvam a aplicação de sistemas de cotas em universidades. No item seguinte iremos apontar detalhadamente os artigos que estabelecem as políticas públicas de inclusão social (cotas). MENDES, Gilmar Ferreira. A Argüição de Desumprimento de Preceito Fundamental. In FERES, Marcelo Andrade; CARVALHO, Paulo Gustavo Medeiros. Processo nos tribunais superiores. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 512. ADin nº 647-9-DF, Publicado no Dj de 27-03-92, Ementário nº 1655-2. ADin nº 647-9-DF, pág. 254. ADin nº 842, Relator Ministro Celso de Mello, publicado no Dj de 14-5-1993. Sobre a origem do Bloco de Constitucionalidade ver LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. "O valor Constitucional para a efetividade dos direitos nas relações de trabalho", São Paulo: LTr, 2006, p. 216. LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. "O valor Constitucional para a efetividade dos direitos nas relações de trabalho", São Paulo: LTr, 2006, p. 220. LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. Ob.Cit. p. 221. FAVOREU, Louis; LLORENTE, Franciso Rubio. "El Bloque de Constitucionalidad". Madrid: Editorial Civitas, 1991. p. 19/22. Em seu artigo 1º nº4 afirma: "Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sidos alcançados os seus objetivos". STF - HC - 94523-SP. Relator Ministro Carlos Ayres Britto. AC. 1ª Turma. DJE 13.3.2009. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007. p. 90. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. V. II. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 107. ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Tradução: Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. Para Derrida analisando a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América: "Não havia, por direito, o subscritor antes do texto da Declaração, o qual permanece, ele próprio, o produtor e garantidor de sua própria assinatura". Em outras palavras, ao mesmo tempo em que a Declaração pressupunha a existência do povo americano, ela também o constituía enquanto tal. DERRIDA, Jacques. Declarations of independence. Tradução: Tom Keenan e Tom Pepper. In: DERRIDA, Jacques. Negotiations: interventions and interviews - 1971-2001. Princeton: Princeton University Press, 2002. p. 50.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS:

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(*) Marthius Sávio Cavalcante Lobato é Advogado com atuação profissional junto aos Tribunais Superiores em Brasília, TST,STF, TSE e STJ; professor substituto da UnB, mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela UnB. Especialista em Direitos Sociais pela Universidade de Castilla de La Mancha, Toledo-Espanha; Especialista em Relações Internacionais pela UnB; Especialista em Interpretação de Normas pela OIT-Turim; Pesquisador integrante do grupo de pesquisa "Sociedade, Tempo e Direito"e "O Direito Achado na Rua"(Plataforma Lattes - CNPQ. Membro do Observatório da Constituição e da Democracia (FD-UnB). Presidente da JUTRA - Associação de Juristas trabalhistas Luso-Brasileiro; Diretor financeiro da ABRAT. Consultor Jurídico da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT - CNM-CUT e da FENADADOS; Autor do livro: O Valor Constitucional para a Efetividade dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho. Editora LTr.

* Diretor Tesoureiro da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT). Professor na Universidade de Brasília (UNB)

Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=49325

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