domingo, 2 de maio de 2010

Brasileiros que dispensaram o patrão

A vida sem patrão Brasileiros que dispensaram o patrão "Meu pai tinha o primário, mamãe também. Cada filho tinha uma responsabilidade", diz a empresária Suzi Clementino Niv. "Eu tinha a tarefa de tirar o leite da vaca e, na vizinhança, nós vendíamos o leite dessas vacas", complementa. Essa é a história da Suzi, que começou trabalhando por conta própria. Agora, junto da família, ela desfruta o sabor de tanto esforço. Ajudou a mãe a fazer roupa pra fora, foi representante de uma confecção. "Virei tipo uma "caixeiro viajante"!", lembra. Acabou abrindo uma pronta-entrega em Ipanema, bairro nobre do Rio de Janeiro. "Meu tio me emprestou um dinheiro. Em família de pobre, sempre tem alguém que tem um dinheirinho a mais. Então, aí ele falou assim: 'tudo bem, eu te empresto. Mas quando você vai me pagar?'. Aí eu falei assim: vai dar certo!”, lembra. Suzi aprendeu a ser chefe do próprio destino. Foi por necessidade, mas ela acabou gostando. "Vendi bem a confecção, a pronta-entrega. Virei dona de restaurante. O negócio prosperou e paguei o meu tio", orgulha-se a empresária. O que fez a menina que ajudava a mãe a costurar virar dona de restaurante?, perguntamos. "Acho que determinação e conhecimento. Acho que para você entrar em uma área, é preciso ter algum conhecimento. Aproveitei para estudar à noite, fiz a faculdade de Direito, fiz Gastronomia", diz. Essa é a receita que ela ensina aos jovens aprendizes. É a primeira turma de um projeto muito especial. Idéia da Susi. Professores voluntários e aulas de graça. Na cozinha emprestada do batalhão da Polícia Militar eles aprendem um novo ofício. Em breve, serão auxiliares de cozinha. Foram quase dois meses de preparação nesta cozinha até a turma ficar no ponto para enfrentar o mercado de trabalho. Eles, agora, querem colocar a mão na massa. E o sonho de ter a carteira assinada já está bem perto. Mas, no futuro, a maioria aqui não quer só um emprego. Eles querem ser "chefes". "Meu nome é Nerian. Meu objetivo é me tornar um confeiteiro da minha própria empresa", conta. "Meu nome é Jonatan. Eu pretendo ser um chefe de cozinha e ter meu próprio negócio", sonha o auxiliar de cozinha Jonatan Fiúza dos Santos. "Meu sonho é dar o meu sonho para a minha mãe e ajudar a ela ter o seu próprio negócio. Um restaurante, ou até um bar. Uma coisinha simples. Mas o meu sonho é ajudá-la", completa o jovem. Jonatan tem 21 anos. É o filho caçula de dona Iolanda Fiúza dos Santos. Mulata de sorriso fácil, olhos verdes de esperança. A baiana sempre trabalhou por conta própria. Cozinheira de mão cheia, fez das panelas o sustento da família. "É uma louca quando as pessoas ficam esperando a comida aqui”, conta Iolanda. "Falta dinheiro. Eu estou nesse espaço aqui, derivado da cozinha que explodiu. A panela de pressão que explodiu e as telhas foram pelos ares!”, diz a cozinheira. A crise não tira o brilho dos olhos de dona Iolanda. Desânimo não faz parte da receita dessa mulher que, como milhões de brasileiros, sempre quis ter o próprio negócio. "Eu tinha vergonha de carregar o angu, porque era num carrinho, carrinho de mão. Aquela panela cheia de coisa. Mas agora, quando lembro, sinto muito orgulho da minha mãe, uma coisa boa. Com a visão de um sonhador, jonatan já vê o futuro da família bem aqui, no meio do quintal". "Eu quero fazer um restaurante aqui embaixo, nesse espaço todinho e em cima fazer até umas quitinetes para alugar e para dar lucro para gente mesmo, porque o restaurante já vai dar", confia Jonatan. É a noite da formatura! Uma verdadeira prova de fogo para Jonatan e seus companheiros de turma. Chegou a hora de mostrar o que aprenderam no curso de auxiliares de cozinha. A menina Suzi, que virou dona de restaurante, agora investe tudo nesses rapazes. Ela venceu na vida, mas ainda é pouco. Realização, mesmo, é ver todos eles trabalhando, felizes. Nhoque aprovado. E diploma na mão! Palmas pra eles. Palmas para Suzi: uma trabalhadora de mão cheia! O espírito empreendedor do brasileiro "Vou contar a minha vida, os trabalhos que passei, sempre andando sozinho, mas eu não desanimei", canta um artista de rua. Dizem que o brasileiro não foge à luta! Será esse o tal espírito empreendedor? Fomos à Porta Alegre. Os números do IBGE mostram que essa é a capital brasileira com o menor índice de pessoas desempregadas. Mas o mercado formal de trabalho não é suficiente. Até aqui, é preciso lançar mão da criatividade. Os dados são da pesquisa mensal do emprego. Equipes espalhadas pelas seis principais regiões metropolitanas do país saem a campo todos os dias. "Não é por opção. Na verdade, eles queriam trabalhar como trabalhadores formais, com a carteira assinada", constata a supervisora da pesquisa do IBGE Carla Costa. Em todo o Brasil, 19% da população trabalha por conta própria. A maioria, no Nordeste do país. "Ainda é uma parcela grande da população. Na verdade, o trabalhador por conta própria, ele é representado na sua maioria pela baixa qualidade do emprego. Ou seja: é o subemprego", explica o gerente da pesquisa, Cimar Azeredo Pereira.. "Todos esses trabalhos também não foram o fim. Digo isso com orgulho, foi uma honra pra mim", canta o artista. No mercado em Porto Alegre, onde se encontra de tudo, carteira de trabalho assinada é artigo raro. Folhas em branco, mas um currículo cheio de experiência nas ruas. É aqui que uma multidão de brasileiros ganha a vida. Sem registro, sem contrato, sem garantias e sem patrão. Mas, afinal, quem são e onde estão os trabalhadores que abrem mão desse documento? Para responder a essa pergunta, alunos e professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Puc de Porto Alegre e do Mackenzie, em São Paulo, elaboraram uma pesquisa exclusiva para o Globo Repórter. Quase mil pessoas foram entrevistadas durante duas semanas. De ambulantes a empresários, de trabalhadores de rua a donos de estabelecimentos comerciais. O empreendedor não é apenas aquele que tem uma empresa formal. O empreendedor é aquele que decide ser senhor ou senhora do seu próprio destino. E resolve fazer isso através de um negócio no qual ele vai gerenciar e vai pensar o seu próprio negócio. Então, essa definição é muito mais ampla. Ela vai além da própria renda. Verificando aqueles que ganham menos dois salários mínimos e aqueles que ganham mais de 10 salários mínimos, nós encontramos o comportamento empreendedor em todas as categorias e todas as faixas de renda", diz o professor de economia da UFRGS Flávio Comin. Necessidade ou opção? O que motiva o brasileiro a bancar o próprio negócio? Os dados dessa pesquisa revelam: para 22% dos entrevistados em Porto Alegre é o desemprego. Mas, em segundo lugar, quase empatada com 18%, vem a liberdade. “Eu sou feliz e gosto do que eu faço",conta o violeiro Carlinhos Azambuja. Em São Paulo, o desemprego fala mais alto: para 33%, é a motivação principal. Nem por isso, os paulistanos deixam de lado o desejo de liberdade. Quase 13% preferem ser autônomos. "Quer tomar sopa? Olha a sopa!!!!! Há dez anos, dona Edna Rocha da Silva puxa o carrinho pelas ruas de São Paulo. "Todo dia fico com esse sorriso no rosto", conta a vendedora. A sopinha dela é ótima! No inverno, tem sopa quentinha. No verão, suco gelado. "Eu falo assim: não gosto de ser mandada por ninguém", diz a vendedora. Na história dessa mulher trabalhadora, liberdade rima com lucro. De copo em copo, o caldinho caseiro sustenta dois filhos e já deu até para comprar casa e carro! Mas a independência tem preço. Mãos calejadas, a vida no fio da navalha, longas jornadas de trabalho. É puxado. Tem que ter raça e ser teimoso", conta o vendedor Adílson Antônio Padilha. "Estou levando a minha vida, que aqui é mais uma parte. Trabalhei em lancheria e também fui engraxate", canta o artista. "Não tem patrão, não tem nada. Eu sou meu patrão. Eu faço meu movimento, eu mesmo administro a minha firma. Eu sou o administrador de empresa. Sinto-me assim administrador, pois sei comprar e vender meu produto", pondera o engraxate João Guilherme dos Santos. De domingo a domingo, a sapataria funciona na Praça da Sé: endereço comercial de João Guilherme, o Madureira. O engraxate cursou três anos de matemática na faculdade. Foi bancário, escriturário. "Em 1989, eu pedi demissão. Trabalhava bonitinho, engravatadinho e duro. Importante é você estar sujo aqui, mas se precisar de 10 contos eu tenho no bolso", argumenta João. Deixou a carteira de trabalho de lado e preferiu a batalha nas ruas. "Não me considero um guerreiro. Sou um cara normal. Um trabalhador, como qualquer outro trabalhador", completa. http://grep.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGC0-2703-11094-4-179624,00.html

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