segunda-feira, 24 de maio de 2010

Boaventura, os estagiários de direito e a contra-revolução jurídica - por Humberto Adami

Há algum tempo venho chamando atenção para a falta de cuidado e empenho de setores chamados de "esquerda e progressistas" em tratar o campo da prática do Direito, como um dos mais importantes para a próximas lutas. Cheguei a chamar de "próximo tatame"( ver aqui) , numa alusão clara aos locais onde são praticadas as artes marciais, em especial o judô, arte com o qual tive certa intimidade, muitos e muitos anos atrás. O alerta do Prof. Boaventura Souza Santos, no artigo "A contra-revolução jurídica", na revista Carta Capital, desta semana, aponta nesta direção, sem que tal conclusão - investimento em estagiários de direito - passe pelo acurado exame do conceituado pensador. Aproveito boa parte de seu artigo, abaixo, que constata a situação, avançando, contudo, na proposta de imperiosa necessidade de aumentar a oferta de cursos de direito e estágios voltados para o exercício da advocacia, nestas áreas onde é precária a existência de advogados defendendo os interesses das populações vulneráveis, notadamente as vítimas de racismo e discriminação racial, individual ou coletivo. Invariávelmente sou acusado, pela frente ou pelas costas de "puxar brasa" para a minha sardinha, ou seja, a dos advogados. Ainda que involuntária, pode ser que tal acusação não seja de todo infundada, posto que tal sempre foi minha atividade profissional, mas não é isso que move a minha sensação que a importância de investimentos em tais futuros profissionais, estagiários no momento, posse levar a melhorar a posição dos vulneráveis na defesa judicial. A constatação pura e simples, como faz o prof. Boaventura Santos é ótima para que alguns setores se conscientizem da necessidade de alanvacamento dos chamados operadores do direito nessas questões. E superem a idéia anacronica de tudo se resolve pela opção política. Não se resolve, como vemos, e o artigo de Boaventura é excepcional em perceber isso, afastando ainda, a teoria da conspiração. É um fato. Nas delegacias de polícia, quase nunca se consegue lavrar o flagrante de racismo ou injúria racial, mesmo com advogados. Nas ações de discriminação racial no mercado de trabalho é incipiente a quantidade de tais profissionais, facilitando o trabalho de juízes conservadores, como aponta Boaventura. Não basta contudo constatar ou reclamar. Podemos apontar que as elites ou partidos como o Democratas tem se colocado contra tais avanços, usando as ferramentas disponíveis no Judiciário. Só não podemos esquecer que tais ações, e sua utilização são constitucionalmente previstas, de forma legal e democrática. O ministro Dias Toffoli, quando ainda Advogado Geral da União alertava sobre tal situação, asseverando que não adianta só reclamar da ação dos contrários aos avanços. Estão praticando o jogo democrático, e utilizando os meios disponíveis. Cabe aos outros - os favoráveis aos avanços - entre os quais me incluo, procurar a parcela de luta que lhe cabe, no sentido de usar as mesmas ferramentas, inclusive as disponíveis no campo judicial. Em recente Encontro dos Negros do PT, realizado de 14 a 17 de maio, em Brasília, convidado que fui a participar de mesa de movimentos sociais e avanços, pretendia realçar a necessidade dos partidos políticos, em especial os da base de sustentação política do Governo Federal, ingressando como amicus curiae - amigos da corte, uma forma de intervenção nos processos de discussão da constitucionalidade de dispositivos legais, em especial no STF. Por razões alheias a minha vontade de participar da mesa, não sendo filiado ao partido, tais propostas não puderam por mim ser apresentadas. Quero crer que caso os demais partidos políticos ingressassem nas lides, longe de partidarizar a discussão, no STF, a mobilização da s máquinas partidárias, e seus advogados, muito contribuiria para essa revolução e contra-revolução mencionada por Boaventura. A falta de atenção com tais demandas, e o protagonismo às avessas praticado pelos contrários aos avanços, é patente quando se observa que só agora, cinco anos depois do ajuizamento de muitas dessas demandas, os favoráveis pelos avanços, e mesmo os atingidos pelas demandas, começam a se movimentar em sua própria defesa, alguns casos em processos à porta do inicio dos julgamentos. È vital ter um acompanhamento permanente sobre tais ameaças, desde o inicio. Ainda na semana passada, na Reunião do JAPER - Joint Action Plan -Plano de Ação Conjunta Brasil/Estados Unidos para Eliminar a Discriminação Étnica e Racial, entre Brasil e Estados, que prevê ações em mão dupla sobre ações afirmativas, pude defender a vital necessidade de estagiários de direito e jovens advogados estarem encontrando oportunidade de se dedicar ao patrocínio de interesse de populações vulneráveis, que correm grandes riscos como aponta o artigo do Prof. Boaventura de Souza Santos em perderem direitos, por não terem conseguido ter o direito de defesa em tempo oportuno. Humberto Adami http://humbertoadami.blogspot.com/2010/05/boaventura-os-estagiarios-de-direito-e.html
Colunistas| 21/12/2009 | Copyleft

DEBATE ABERTO

A contra-revolução jurídica

Está em curso uma contra-revolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles. Trata-se de uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas.

Está em curso uma contra-revolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles. Entendo por contra-revolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições. Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência. A contra-revolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas. Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva. Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional. Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais, nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns. Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos. Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo. Terras indígenas e quilombolas A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista), uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais. Quanto a estas últimas, podem ser citadas as "cautelas" para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos "aldeamentos extintos", ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo. Criminalização do MST Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de dissolvê-lo, com o argumento de ser uma organização terrorista. E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento do movimento. A anistia dos torturadores na ditadura Está pendente no STF uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar. Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais. Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contra-revolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4493

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