terça-feira, 2 de junho de 2009

"DESEMBARGADOR" ALI KAMEL - O vigésimo sétimo voto

O órgão especial votou ontem com 19 desembargadores para dizer que a liminar contras as cotas da UERJ, só valem para o ano de 2010, enquanto 5 desembargadores entendiam que a liminar deferida semana passada passava a valer imediatamente. Dois ex-presidentes do Tribunal de Justiça, Sergio Cavalieri, relator do processo, e Murta Ribeiro, relator do acórdão que deferiu a liminar, lideram as duas posições contrárias. O 26o. (vigésimo sexto) desembargador, Luiz Zveiter, seu presidente, tem voto de minerva. Faltou dizer que o 27o. (vigésimo sétimo) "magistrado" componente da Corte, o "DESEMBARGADOR ALI KAMEL" votava também. Ele vota hoje, nas páginas de O Globo, no artigo "O TJ E AS COTAS RACIAIS", já publicando seu voto, sem precisar ir para o Diário da Justiça. De seu posto, um dos mais influentes no conglomerado Globo, ele comanda a edição de manchetes e matérias, que notadamente dão razão um dos lados da polêmica, o contra as cotas, sem chance de defesa para o outro ponto de vista. Este desequilíbrio na edição já foi objeto de análise de tese de Mestrado. Esse tipo de atitude, pouco profissional e democrático, deve ser entendido como integrante do RACISMO INSTITUCIONAL, o que contraria o título do compêndio do "Desembargador Kamel', "Não Somos Racistas", que um militar de nossas relações denunciou na lista de "Direito e Discriminação Racial", estar sendo distribuído gratuitamente aos comandos militares nos quartéis. Perigoso esse flerte da classe média com comandos militares. Já resultou em anos de chumbo. "Desembargador Ali Kamel", o 27o. voto, ganhou até um assessor, muito menos sofisticado que ele, mais para tropa de choque mesmo, de nome Magnolli, que ganhou, também, um emprego no jornal. "Desembargador Ali Kamel" e seus assessores publicaram no sábado a entrevista de sua musa, Dona Ivone, que não é a Lara, mas a Maggie. Publicaram no sábado, para dar tempo dos "colegas" do "Desembargador Kamel" pudessem ler no domingo, e votar na segunda. Clara manipulação da opinião pública, não qual o Tribunal de Justiça não se deixou enredar. No jornal O Globo de hoje, sua excelência "Desembargador Kamel", auto-nomeado na jurisdição, dá sua nota ao julgamento, reclama um pouquinho da restrição da liminar para valer nesse vestibular de 2009, mas esquece-ce de um princípio basilar do processo. A liminar pode, e com certeza sofrerá, recurso ao Supremo Tribunal Federal. De cara, pode-se questionar a necessidade da liminar, em face do "fumus boni iure e periculum in mora" e ainda "verossimilhança do bom direito", pois o adiamento da incidência da liminar, para o vestibular do ano que vem, prova também que o processo deveria sem melhor instruído, com a audiência pública requerida pela Procuradoria Geral do Estado, que municiaria melhor os componentes do Órgão Especial do TJ. O precedente dentre muitos outros, é o do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em ação civil pública para julgar cota racial em emprego público municipal. O Tribunal se abriu e recebeu todos os pontos de vista em dois dias, onde todos pontos de vista puderam ser esclarecidos e explanados, democráticamente. Democracia não é o forte do "Deserbargador Ali Kamel", pois os argumentos expendidos pelos contrários as suas idéias, não tem voz e voto nas páginas de seu jornal. Ali Kamel não é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro , ainda que tente influenciar o julgamento, manipulando a edição, não dando voz aos contrários., negando a principal tarefa de informar. E tais fatos, com certeza não são enaltecedores de um bom jornalismo. HUMBERTO ADAMI Advogado www.adami.adv.br www.iara.org.br -->

O TJ e as cotas raciais

ALI KAMEL

Finalmente alguma instância do Judiciário brasileiro manifestouse sobre a constitucionalidade da racialização da nossa sociedade, cuja principal manifestação é a política de cotas raciais nas universidades. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou liminarmente inconstitucional a lei 5.346, que reserva 45% das vagas para alunos “carentes” que sejam ou negros ou indígenas ou estudantes de escolas públicas ou deficientes físicos ou filhos de policiais civis, militares, bombeiros e agentes penitenciários mortos ou incapacitados em serviço. À primeira vista, parece uma lei razoável, porque beneficia apenas os pobres.

Mas é pura ilusão. A lei deixou para as universidades decidirem quem é pobre, e elas decidiram: pobre é aquele com renda familiar per capita igual ou inferior a R$ 960 brutos. Consultei o IBGE: nesta condição, estão 75% da população do Rio de Janeiro, quase todo mundo, portanto. Os especialistas que adotam linhas de pobreza monetárias costumam estabelecer o corte de meio salário mínimo, R$ 232,50, para definir quem é pobre.

Ou seja, o valor escolhido pelas universidades supera esse valor em mais de quatro vezes. Pense numa família de quatro pessoas, pai, mãe e um casal de filhos: se a renda da família for de R$ 3.840, eles terão direito a cotas, mesmo esse rendimento sendo típico de classe média. Quem se beneficiará das cotas, então? Aqueles que não precisam delas. Os pobres de qualquer cor, estes continuarão no último lugar da fila, porque, sendo menos preparados, disputarão as vagas com alunos de famílias com mais dinheiro e, portanto, com mais acesso à educação.

Mesmo que a lei beneficiasse de fato os pobres, do jeito que foi elaborada, continuaria a ser uma confissão do fracasso do Estado brasileiro. Ao beneficiar alunos da escola pública, o Estado admite, com todas as letras, que é incompetente na obrigação de dar ensino de qualidade e, por isso, adota uma medida compensatória: “Eu sei que ensino mal a vocês, mas não se preocupem, porque eu vou ajudá-los a entrar mais facilmente na universidade.” Ao beneficiar os filhos de agentes de segurança mortos ou incapacitados em serviço, “desde que carentes”, está também confessando: “Eu pago muito mal a vocês, que mereciam salários dignos, mas não se preocupem, seus filhos, caso vocês morram, terão uma ajudinha para entrar numa boa faculdade.” Isso é falta de pudor.

Fez muito bem o Tribunal de Justiça ao declarar a inconstitucionalidade da lei (mesmo que, após um recurso ontem, tenha esclarecido que a medida não vale para o vestibular em andamento).

Eu sei, os desembargadores se ativeram à Constituição Estadual, mas esta ecoa a Constituição Federal, e ela é claríssima em dois momentos. No artigo 3º, inciso IV, diz que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

O inciso III do artigo 19odiz que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios “criar distinção entre brasileiros ou preferências entre si”. A Constituição do Estado do Rio de Janeiro no seu artigo 9º, parágrafo primeiro, determina que “ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição”.

Precisa ser mais claro? Precisa. Porque os arautos da racialização dizem que o artigo 145 em seu parágrafo 1odiz que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.

Para eles, a Constituição estaria, aqui, admitindo tratar os cidadãos de forma desigual, para beneficiar os mais pobres. Na busca pela igualdade, dizem, o Estado brasileiro estaria obrigado a tratar desigualmente os desiguais. E as cotas seriam expressão dessa necessidade. Da mesma forma, os racialistas sempre dizem que há várias leis protegendo os deficientes físicos, sem que ninguém diga que isso contraria o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei.

Fumaça para embaralhar os argumentos.

Não sou jurista, mas vejo nos dois casos exemplos de previsões legais que favorecem, indistintamente, todos os cidadãos, ricos e pobres, deficientes ou não. Por quê? Porque ninguém está livre do futuro. Se um pobre ganhar dinheiro, pagará mais imposto. A lei não diz que a sua condição de pobre hoje o poupará para sempre de pagar impostos mais altos. O mesmo se dá, em sentido contrário, se o rico ficar pobre. Da mesma forma, nenhum cidadão está livre de se tornar deficiente, e, se isso vier a acontecer, estará protegido pela lei: sua condição, hoje, de homem sem problemas físicos, não o impedirá de se beneficiar da lei, caso venha a sofrer um acidente no futuro.

Com a cor da pele, isso não se dá.

Brancos, pardos, morenos, amarelos jamais se beneficiarão de cotas para negros, porque não podem mudar de cor. A cor da pele, algo imutável, dá aos negros um privilégio que a Constituição proíbe. Com o efeito colateral de fomentar o ódio racial naqueles que ficam de fora.

Qual a solução? Uma lei bem simples, que beneficie os realmente pobres, de qualquer cor, filhos de quem quer que sejam, deficientes ou não. Fazendo isso, os negros serão os mais beneficiados, porque em sua maior parte são pobres, mas os brancos pobres, os amarelos pobres, os morenos pobres não ficarão a ver navios.

ALI KAMEL é jornalista.

E-mail: ali.kamel@oglobo.com.br

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