O Globo
05/01/2011 - 14h40
Reedição de clássicos de Mark Twain substitui palavras 'ofensivas'
MONTGOMERY - Mark Twain escreveu que "a diferença entre a palavra quase certa e a palavra certa é realmente de grande importância". Uma reedição de ''As aventuras de Huckleberry Finn'' e ''Tom Sawyer'' tentará descobrir se isso é verdade ao substituir a palavra "nigger" (negro), considerada um insulto racista, pela palavra ''slave'' (escravo), em um esforço para não ofender os leitores.
O estudioso da obra de Twain Alan Gribben - que está trabalhando com a editora NewSouth Books no Alabama para a publicação de uma edição com os dois livros em um só volume - disse que a tal palavra ofensiva aparece 219 vezes em ''Huck Finn'' e quatro vezes em ''Tom Sawyer''. Ele afirmou que, com o termo, os livros correriam o risco de entrar na lista de clássicos literários que Twain uma vez definiu como ''aqueles que as pessoas elogiam, mas não leem".
''É uma vergonha que uma palavra possa ser uma barreira entre os leitores e uma experiência de leitura maravilhosa'', disse Gribben.
O livro não deve chegar às prateleiras americanas antes de fevereiro e sairá com meras 7.500 cópias, mas Gribben já recebeu uma enxurrada de e-mails irados acusando-o de ter profanado os romances. Ele afirmou que os e-mails são a prova de que a palavra deixa as pessoas desconfortáveis.
''Nenhuma das mensagens menciona a palavra", disse.
Outro estudioso da obra de Twain, o professor Stephen Railton da Universidade de Virgínia, afirmou que Gribben é respeitado, mas chamou a nova versão de "uma ideia terrível".
A linguagem do livro retrata o passado da América, explica Railton, e os textos revisados não estariam sendo fiéis ao período em que Twain escrevia. Railton vai publicar uma versão integral de ''Huck Finn'' este ano, que incluirá notas contextualizadas para que as escolas explorem as temáticas da escravidão e do racismo contidas no livro.
''Se não pudermos fazer isso em sala de aula, não faremos em lugar algum", disse.
Ele contou que Gribben não foi o primeiro a alterar ''Huck Finn". John Wallace, um professor da Escola Secundária Mark Twain, na Virgínia, publicou uma versão de ''Huck Finn'' cerca de 20 anos atrás que usava a palavra ''slave'' para substituir o termo ofensivo. ''O livro dele não fluía", disse Railton.
Gribben, um professor de literatura inglesa de 69 anos da Auburn University Montgomery, contou que por muito tempo foi contra a mudança, mas começou a usar a palavra "slave" durante leituras públicas e percebeu que o público havia ficado mais receptivo.
Ele decidiu publicar a edição revisada depois que professores de escolas primárias e secundárias lamentaram não poder mais passar os livros aos alunos.
Alguns pais e estudantes pediram a remoção de ''Huck Finn'' das listas de leitura há mais de meio século. Em 1957, a Comissão de Educação da Cidade de Nova York retirou o livro da lista de textos aprovados para escolas do equivalente ao ensino fundamental, mas poderia ser usado com alunos do que seria o ensino médio e comprado para as bibliotecas das escolas.
Em 1998, um grupo de pais de alunos de Tempe, no Arizona, processou uma escola local por conta da inclusão do livro na lista de textos requisitados. O caso chegou à corte federal e os pais perderam a causa.
Publicado nos Estados Unidos em 1885, ''Huck Finn'' é o quarto livro mais banidos das escolas, de acordo com a publicação ''Banned in the U.S.A.'', de Herbert N. Foerstal, um bibliotecário aposentado que escreveu vários livros sobre liberdade de expressão.
Gribben admite que o texto editado perde um pouco de sua pegada cáustica, mas afirmou: ''Quero dar uma opção para professores e outras pessoas que não se sintam confortáveis com as 219 aparições dessa palavra''.
Gribben sabe que não vai mudar a opinião de seus críticos, mas está ansioso para ver como o livro será recebido nas escolas. ''Vamos deixar os leitores decidirem", completou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário