Haddad ouvirá teóricos sobre veto a Lobato
Conselho da Educação defende que obra tem conteúdo racista e não deve ser usada na escola
O ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou que vai ouvir opiniões de acadêmicos e educadores sobre o parecer do Conselho Nacional da Educação que caracteriza como racista o conteúdo da obra Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, considerado um dos maiores escritores de literatura infantil do País.
Em deliberação, o conselho afirmou que o livro está em desacordo com a legislação do País e que deveria deixar de ser dado aos estudantes ou que isso seja feito com explicações sobre seu conteúdo. Para entrar em vigor, o parecer precisa ser homologado pelo ministro. "Não vou decidir no calor do momento", afirmou ele, ressaltando que é preciso pensar melhor sobre o tema.
A polêmica começou após Antonio Gomes da Costa Neto, servidor da Secretaria do Estado de Educação do Distrito Federal, ter encaminhando uma denúncia contra o uso do livro à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A pasta encaminhou a crítica ao conselho, que deu parecer contra o uso da obra, numa votação unânime.
Em relatório seguido de voto, a conselheira Nilma Lino Gomes concordou com as alegações encaminhadas pela denúncia. O livro, distribuído a escolas da rede no Distrito Federal e parte do programa de bibliotecas do Ministério da Educação, conta a história da caçada de uma onça por Pedrinho e a turma do Sítio do Picapau Amarelo, personagens criados por Lobato.
Para o denunciante, a publicação tem expressões de prática de racismo cultural, principalmente quando menciona Tia Nastácia, a empregada doméstica negra da história. Animais como urubu e macaco são citados no enredo e, para Costa Neto, reforçariam ainda mais os estereótipos relacionados ao negro e ao universo africano. Costa Neto citou um cuidado numa das edições da obra, em que há uma ressalva em relação à preservação do meio ambiente. Na nota, afirma-se que o livro chegou às livrarias em 1933, época em que não havia proteção a animais.
No voto, a conselheira pontua: "A despeito do importante caráter literário da obra de Monteiro Lobato, o qual não se pode negar, é necessário considerar que somos sujeitos da nossa própria época (...) responsáveis pelos desdobramentos e efeitos das opções e orientações políticas, pedagógicas e literárias no contexto que vivemos."
O conselheiro Cesar Callegari, que não esteve presente na sessão, afirmou que o conselho, ao ser provocado, sempre vota "baseado na legislação" e não em opiniões pessoais. Mesmo assim, Callegari fez algumas ressalvas à decisão. "Na minha opinião, nunca cabe censura."
Representantes do movimento negro no Brasil defendem parecer do conselho. "Nós, da Educafro, consideramos Monteiro Lobato um dos grandes escritores brasileiros. Ele escreveu em seu tempo, no seu contexto histórico", diz frei David, da ONG Educafro.
Ele faz associação ao movimento Ku Klux Kan, grupo racista que teve atuação forte no sul dos EUA na primeira metade do século 20. "Eles (Ku Klux Kan) faziam coisas que, naquele tempo, eram compreensíveis pela sociedade americana e hoje são questionadas", afirmou. Para o frei, a obra do escritor deveria ter rodapés em todas as páginas em que existam menções racistas. Isso deve ocorrer, cita ele, "em livros que não estejam em sintonia com o pensar de hoje".
O presidente da Afrobras, José Vicente, acha que "a literatura, qualquer que seja ela, numa escola, tem de ter finalidade didática". Para José Vicente, se há menção a racismo, mesmo num clássico, seu conteúdo deve ser revisto. "Acho que, ainda que seja Monteiro Lobato, deve ser motivo de reparo. O livro pode ser utilizado como material de alerta sobre o quanto mesmo Monteiro Lobato poderia ter reproduzido preconceitos de época."
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Há de se tomar muito cuidado com esse tipo de censura. O livro em questão faz um relato das relações sociais vigentes na época em que foi escrito. Faz parte da história do povo brasileiro os diálogos e referências ali apresentados. Corremos o riso de que comecem a censurar obras clássicas que tratam de relações anti-semitas, anti-islâmicas, anti-africanas meramente por mencionar essas refefências. Daqui a pouco seremos ou, pior, serão os estudantes brasileiros privados de Shakespeare, por exemplo. Um Conselho de educação deveria ser, no mínimo, mais academico e menos oportunista.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101031/not_imp632431,0.php#noticia
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