quarta-feira, 18 de março de 2009

BANCO DO BRASIL CONDENADO POR DISCRIMINAÇÃO RACIAL

BANCO DO BRASIL CONDENADO POR DISCRIMINAÇÃO RACIAL (Voltar para notícias)

Em decisão unipessoal publicada, a ministra Nancy Andrighi, do STJ, manteve a condenação do Banco do Brasil ao pagamento de R$ 20.000,00 a título de reparação por danos morais a cada um dos consumidores que foram indicados, à Polícia, por seguranças da empresa de transporte que servia à agência bancária, como suspeitos de assalto, apenas por serem os únicos negros dentro de estabelecimento. Os autores da ação judicial estavam no interior da agência bancária, no Estado de Mato Grosso, quando os seguranças de empresa terceirizada de transporte de valores iniciaram o procedimento de reabastecimento dos caixas eletrônicos ali existentes. Na ocasião, suspeitaram da presença de dois negros dentro do estabelecimento. A Polícia Militar foi chamada e seus agentes, de forma desrespeitosa e desnecessária, determinaram a ambos que deixassem as dependências da agência. O Banco do Brasil, em sua defesa, sustentou a tese de que não seria parte legítima para a ação, porque o ato alegadamente ofensivo teria sido praticado pela Polícia, e que a desconfiança nenhuma relação teria com a cor dos consumidores. Aduziu que "a agência havia sido assaltada dias antes com grande violência, e que os consumidores estariam fazendo gestos um para o outro enquanto os malotes de dinheiro eram trazidos ao interior do estabelecimento, fato esse determinante da desconfiança gerada nos seguranças da empresa de transporte". A sentença de primeiro grau acolheu o pedido dos consumidores, para condenar o banco ao pagamento de R$ 50.000,00 a cada um. O TJ-MT reduziu o valor da indenização para R$ 20.000,00 para cada um dos autores da ação. No julgamento monocrático, a ministra Andrighi assinalou que o reconhecimento, pelo tribunal de origem, da obrigação do banco de compensar o dano não se fundou particularmente na eventual brutalidade dos policiais, mas no fato de que "os consumidores foram apontados como suspeitos, pelos seguranças da empresa contratada pelo banco". E mais: "com base nas provas apresentadas no processo, ficou claro o preconceito racial, pois a desconfiança teve como fundamento exclusivo a cor da pele dos consumidores". O advogado João Batista Sulzbacher atua em nome dos autores da ação. No sistema de informações processuais do STJ consta apenas o nome de um autor da ação (Délcio Fernando Martins), com o acréscimo da expressão "e outro". (Resp nº 822943). (Espaço Vital)
Decisão do STJ Agir eivado de preconceito racial”.

RECURSO ESPECIAL nº 822943 - MT (2006/0040489-6) RELATORA : MIN. NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADOS : MAGDA MONTENEGRO : JORGE ELIAS NEHME E OUTRO(S) RECORRIDO : DÉLCIO FERNANDO MARTINS E OUTRO ADVOGADO : JOÃO BATISTA SULZBACHER E OUTRO(S) EMENTA Civil. Recurso especial. Ação de compensação por danos morais. Consumidores que são retirados de agência bancária pela polícia, após terem sido indicados como suspeitos por prepostos do banco. Discriminação racial reconhecida pelo acórdão recorrido. Procedência do pedido. Alegação de ilegitimidade passiva e exercício regular de direito. Questões dependentes da adoção de panorama probatório diverso daquele reconhecido pelas instâncias ordinárias. - Não se conhece de recurso especial que não ataca, especificadamente, os fundamentos da decisão recorrida. - Não se conhece de recurso especial na parte em que este se encontra deficientemente fundamentado. - È inviável o reexame probatório em recurso especial. Recurso especial ao qual se nega seguimento. DECISÃO Recurso especial interposto por BANCO DO BRASIL S/A, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/MT. Ação: de compensação por danos morais, proposta por DÉLCIO FERNANDO MARTINS E OUTRO em desfavor de BANCO DO BRASIL S/A. Segundo consta da inicial, os dois autores estavam no interior de uma agência do réu quando os seguranças de empresa terceirizada de transporte de valores iniciaram procedimento de reabastecimento dos caixas eletrônicos ali existentes. Ao entrarem na agência, tais seguranças teriam suspeitado da presença dos autores, apenas porque estes eram os únicos negros dentro do estabelecimento, e chamado a Polícia Militar, que, de forma desrespeitosa e desnecessária, determinou a ambos que deixassem as dependências da agência. Em contestação, sustenta o réu que o ato alegadamente ofensivo foi praticado pelos agentes estatais, sendo portanto o banco parte ilegítima para a ação. No mérito, alega que a agência em questão havia sido assaltada dias antes com grande violência, e que os réus, na verdade, estariam fazendo gestos um para o outro quando os malotes de dinheiro foram trazidos ao interior da agência, fato esse determinante da desconfiança gerada nos seguranças da empresa de transporte. O acontecimento, portanto, nenhuma relação teria com a cor dos autores. De qualquer forma, porém, o banco teria apenas agido em exercício regular de direito, qual seja, seu patrimônio, ao requisitar a presença de policiais em face de conduta suspeita. Sentença: em julgamento antecipado da lide, o pedido foi julgado procedente para condenar o banco ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada um dos autores. A preliminar levantada em contestação foi rejeitada, pois incontroverso que a polícia foi acionada por prepostos do banco; no mérito, entendeu patente a situação de humilhação sofrida, pois os autores foram rispidamente colocados para fora de agência lotada como se bandidos fossem. Acórdão: deu parcial provimento ao recurso do ora recorrente, reduzindo o valor da indenização para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada recorrido, em julgado assim ementado: "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PROCEDÊNCIA - INCONFORMISMO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - REJEITADA - VALOR DA INDENIZAÇÃO - ADEQUAÇÃO OPERADA - RECURSO PROVIDO EM PARTE. Havendo o causador do dano agido por determinação ou com o consentimento dos prepostos do estabelecimento bancário, inconcebível falar-se na ilegitimidade ad causam deste para compor o pólo passivo da ação. Mostrando-se um tanto elevado o valor da indenização referente aos danos morais impingidos aos autores, cabe à instância superior, em grau de apelação, revê-lo e adequá-lo na medida das conseqüências reais do fato danoso." (fls. 148) Embargos de declaração: rejeitados. Recurso especial: alega-se: a) violação ao art. 535, II, do CPC, em face de negativa de prestação jurisdicional; b) violação ao art. 3º do CPC, porque o recorrente é parte passiva ilegítima; c) violação ao art. 159, 160, I, do CC/16, 4º e 5º da LICC, ante a inexistência de ato ilícito e dano moral causado pelo ora recorrente e também em relação ao valor fixado a título de danos morais; e d) divergência jurisprudencial quanto aos temas. É o relatório. a) Da negativa de prestação jurisdicional. O sucesso dos embargos de declaração, mesmo quando interpostos para fins de prequestionamento, necessita da presença das hipóteses previstas no art. 535 do CPC, inexistentes na espécie. Saliente-se que a adoção de tese diversa da pretendida pela parte não possibilita, por si só, a interposição de embargos de declaração e, mesmo quando manejados com o fito de obter o prequestionamento da matéria, os embargos de declaração devem ater-se às hipóteses previstas no art. 535 do CPC, o que não ocorreu na espécie. Ademais, não há que se falar em omissão quando o Tribunal de origem discute a matéria, porquanto não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos da recorrente, quando fundamenta a decisão suficientemente para decidir de forma integral a controvérsia. Na presente hipótese, os embargos foram interpostos visando a rediscussão do valor fixado a título compensatório, questão essa já devidamente tratada pelo acórdão - que, inclusive, reduziu o valor inicialmente estipulado pelo juízo. b) Da alegação de violação ao art. 3º do CPC. No ponto, sustenta o recorrente que: "(...) o fundamento para condenação foi a abordagem policial, que solicitou aos Recorridos que se retirassem da sala de auto-atendimento, onde aguardavam na fila para efetuar saque, no respectivo terminal eletrônico" (fls. 181). Dessa forma, o dano - se realmente existisse, o que não se admitiu - teria sido causado pelos policiais apenas. Contudo, o acórdão recorrido, na esteira da sentença, entendeu que tal alegação "(...) carece totalmente de razão, simplesmente porque os referidos policiais agiram acionados pelos prepostos do banco, ora recorrente, e não por conta própria daqueles" (fls. 150). Verifica-se, portanto, que a suposta razão da ofensa ao art. 3º do CPC apenas tangencia o fundamento do acórdão. A obrigação de compensar o dano por parte do banco não se fundou particularmente na eventual brutalidade dos policiais, mas no fato de que os recorridos foram apontados como suspeitos, por motivo que adiante se verá, por prepostos do banco. Esse ponto é essencial para a correta compreensão da controvérsia e tem reflexos, também, na alegada violação aos arts. 159 e 160, I, do CC/16, a seguir analisada. Por ora, resta ver que não houve impugnação precisa dos fundamentos da decisão recorrida, porque a ilegitimidade decorreria, apenas, se ficasse demonstrado que não houve indicação dos autores aos policiais por parte de preposto - sendo de se salientar, inclusive, que a interpretação dessa expressão, no contexto do presente processo, é bastante ampla, abarcando não só os empregados diretos do banco mas os agentes de segurança da empresa contratada para transporte de valores, como é corolário do conceito de cadeia de fornecimento aplicável à hipótese, quanto aos danos causados aos consumidores. O recurso especial não só é omisso não só quanto a tal discussão - de natureza jurídica - mas também deixa de veicular violação ao art. 330 do CPC, em face do julgamento antecipado da lide, realizado sem que nenhuma prova tivesse sido coligida aos autos, como reconheceu o próprio i. Des. Vogal, ao afirmar, literalmente, que "houve um pecado capital nesse processo, no momento em que o juiz de primeiro grau julgou antecipadamente a lide. (...) A matéria de ilegitimidade passiva, nos moldes em que foi suscitada, obrigatoriamente teria que se fazer a instrução para avaliar a extensão do ato" (fls. 150). Como não houve irresignação em face do julgamento do processo no estado em que este se encontrava, deduz-se o conformismo do banco com a interpretação fornecida pelo TJ/MT a respeito dos fatos, e é com base nestes que se afasta a presente irresignação, por incidência das Súmulas nº 283 e 284/STF. c) Da violação ao art. 159, 160, I, do CC/16, 4º e 5º da LICC. O recorrente sustenta que "não poderia (...) impedir que a polícia (...) procedesse da forma como bem entendesse, diante da suspeita, sob pena de interferir na atividade administrativa" (fls. 186). Tal questão, na verdade, fica resolvida pelo quanto disposto supra acerca da alegação de ilegitimidade passiva. Os policiais, de acordo com o entendimento soberano das instâncias ordinárias, agiram em face de provocação de prepostos do banco, e não por iniciativa própria, e é este o fator indicativo da necessidade de compensar o dano. Sustenta-se, ainda, ocorrência de exercício regular de direito, pois ao banco cabe a prerrogativa legal de defender seu patrimônio. Tal questão, no contexto do presente processo, assumiria uma dimensão relevantíssima se pudesse ser analisada. Com efeito, caberia discutir, então, a relação entre direito de propriedade e direito à honra, para que fosse possível definir se a defesa do patrimônio teria ocorrido ou não com ofensa a direitos individuais de outrem. Contudo, da forma como trazido o Especial, a discussão não prospera. Da leitura atenta do acórdão, verifica-se que este reconheceu, na origem dos fatos discutidos, a ocorrência de intolerável discriminação racial. Assim está redigido o trecho de relevo: "Não resta a menor dúvida que os prepostos do Banco-APTE, ao determinar ou mesmo consentir que os policiais militares revistassem qualquer usuário daquela agência que lhes parecessem suspeito, não agiram com a cautela necessária a fim de evitar a prática de abusos dessa natureza, e o mais grave, eivado de preconceito racial, conforme se vê das provas carreadas aos autos" (fls. 157 - sem grifos no original). Assim, o acórdão recorrido, em resumo, admitiu que: i) os prepostos do banco solicitaram a presença dos policiais por desconfiarem dos autores; e ii) a desconfiança tinha fundamento exclusivo na cor da pele destes. O julgamento antecipado da lide impediu que fosse realizada prova de forma a demonstrar que o fundamento para a suspeita não seria aquele indicado pelo acórdão, mas a circunstância - alegada desde a contestação pelo banco - de que os autores se comunicavam por sinais enquanto ocorria o transporte dos malotes de dinheiro. A comprovação dessa circunstância seria capaz, em tese, de ilidir a conclusão do acórdão e trazer para o centro da controvérsia a questão colocada pelo recorrente em recurso especial - qual seja, o eventual confronto entre proteção ao patrimônio e proteção à honra. Contudo, mais uma vez, salienta-se que a opção do juízo pelo julgamento antecipado da lide não foi questionado pelo ora recorrente. Assim, não há outra possibilidade a não ser reconhecer a ocorrência de discriminação racial na conduta dos prepostos do banco; e, a partir dessa premissa, torna-se inviável a discussão a respeito de eventual direito de defesa do patrimônio, pois o fundamento da condenação é matéria totalmente estranha a tal argumento. O dissídio jurisprudencial alegado não existe, pelas mesmas razões. O acórdão recorrido está fundado na necessidade de reparar ato de discriminação racial, enquanto que o suposto paradigma faz menção expressa a dois fatos que não se verificam na presente hipótese: conduta dos policiais conduzida inteiramente por estes, sem ingerência de prepostos, e fundada suspeita, não decorrente da cor da pele do ofendido, quanto à sua conduta. Aplicam-se, novamente, as Súmulas nº 283 e 284/STF. c) Do valor compensatório aos danos morais. Nas hipóteses em que as razões do recurso especial dirigem-se à irresignação dos recorrentes com o valor arbitrado a título de indenização por dano moral, o STJ tem afastado o óbice da Súmula nº 7 apenas quando o valor fixado destoa daqueles adotados em outros julgados ou revela-se irrisório ou exagerado, de modo a não atender ao espírito que norteou o legislador na redação do referido dispositivo legal – assegurar ao lesado a justa reparação pelos danos sofridos, sem, no entanto, incorrer em seu enriquecimento sem causa. Verifica-se que certa elasticidade na determinação do valor é de ser autorizada, sob pena de se criar uma indevida tarifação do quantum , em total desacordo com a própria natureza do direito material envolvido. Afinal, como decidido no Resp nº 663.196/PR, de minha relatoria, a reparação da lesão moral não pode, pela sua própria essência, ficar adstrita a padrões apriorísticos de julgamento. Conforme afirmado pelo i. Min. Ruy Rosado de Aguiar em Voto-vogal no Resp nº 269.407/RJ, "(...) a intervenção do Superior Tribunal de Justiça há de se dar quando há o abuso, o absurdo: indenizações de um milhão, de dois milhões, de cinco milhões, como temos visto; não é o caso. Aqui, ficaríamos entre quinhentos, trezentos e cinqüenta, duzentos, duzentos e cinqüenta, cem reais a mais, cem salários a menos. Não é, portanto, um caso de abuso na fixação, é uma discrepância na avaliação. Temos que ponderar até que ponto o Superior Tribunal de Justiça deve interferir na fixação de um valor de dano moral, que é matéria de fato, para fazer uma composição mais ou menos adequada. Não sendo abusiva ou iníqua a opção do tribunal local, não se justificaria a intervenção deste Tribunal". Assim, se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico da agravada e, ainda, ao porte econômico do recorrente, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida (RESP 259.816/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 27/11/2000). Forte em tais razões, NEGO SEGUIMENTO ao recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 02 de outubro de 2007. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora

Um comentário:

sonia maria disse...

Parabéns pelo blog, e pelo trabalho.
Sou advogada em Belo Horizonte, ligada a questão racial e durante um tempo dei assistencia juridica uma ONG SOS RACISMO, que acompanhava judicialmente casos de natureza racial, e lamentavelmente o que a dizer sobre a justiça brasileira é que na maior parte dos casos levados até ela é mais preconceituosa do que a propria sociedade.