O senador de Goiás diz que a aprovação de cotas para negros e índios nas universidades federais pode criar um cisma na sociedade brasileira
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) ganhou fama no Congresso como um parlamentar afeito às investigações das CPIs. Agora, o senador tem empunhado outra bandeira. Demóstenes tornou-se o principal opositor do projeto de lei que cria cotas para negros e índios nas universidades federais. A proposta, já aprovada na Câmara, está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e deve ser levada a votação nas próximas semanas. No fim do ano passado, durante audiência pública para discutir o projeto, Demóstenes disse que é filho de mulata. De pronto, alguém que estava assistindo à sessão gritou: “Por acaso sua mãe era filha de mula?”. Nesta entrevista, ele diz que há patrulhamento por parte dos defensores das cotas e muitos senadores temem votar contra o projeto por medo de ser tachados de racistas.
| ENTREVISTA – DEMÓSTENES TORRES |
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| QUEM É
Demóstenes Lázaro Xavier Torres, de 48 anos, é senador desde 2003 pelo DEM (antigo PFL) de Goiás. Natural de Anicuns, município do interior de Goiás, tem dez irmãos.
Diz ser descendente de negros
O QUE FEZ
Graduou-se em Direito, foi advogado por um curto período e depois ingressou no Ministério Público de Goiás. Chefiou a instituição por duas vezes. Também foi secretário de Segurança Pública em Goiás. É especialista em Direito Penal |
ÉPOCA – Por que o senhor é contra a cota racial?
Demóstenes Torres – Porque esse é um projeto com grande potencial de dividir a sociedade brasileira. A partir do momento em que nós jogarmos uns contra os outros e passarmos a rotular aqueles que terão mais direito a frequentar uma universidade pública por causa de raça, nós vamos deixar de ser brasileiros. Seremos negros, pardos, brancos, mamelucos, bugres, mas não seremos mais brasileiros. E, sinceramente, acho até que é esse mesmo o objetivo do movimento negro. Outro dia alguém me abordou e disse que era do “povo negro”, como se isso significasse alguma superioridade. Eu disse para essa pessoa que eu sou do povo brasileiro.
ÉPOCA – Mas o senhor não acha justa uma reparação a negros e índios por causa das injustiças cometidas contra eles no passado?
Demóstenes – É preciso compreender que realmente os negros e índios sofreram, e sofreram muito. Houve escravidão, houve sofrimento, mas é preciso lembrar também que depois houve integração. A grande característica do povo brasileiro é a miscigenação. Acho, sim, que ainda há problemas a serem resolvidos, mas não podemos deixar que os problemas do passado contaminem o presente e criem divisão racial no país. Não devemos carimbar a testa de uma pessoa com essa ou aquela raça. O governo está querendo fazer demagogia com essa história de cota racial. Quer dar privilégio a uma parte da sociedade. Hoje, um negro pobre namora uma branca pobre sem qualquer problema. Amanhã, corremos o risco de o pai da branca pobre discriminar esse negro porque ele, apesar de ser tão pobre quanto a filha dele, tomou a vaga dela na universidade só por ser negro. Isso pode virar ódio.
ÉPOCA – Por que o senhor diz que é demagogia?
Demóstenes – Porque esse projeto não resolve nada, só cria problema. No próprio Ministério da Educação, já tem gente arrependida. O governo, infelizmente, está loteado em segmentos. Reúne ecologistas e, ao mesmo tempo, fazendeiros e movimento de sem-terra. E tem também o movimento negro. De vez em quando, o governo tem de tomar alguma medida para contemplar esses segmentos. Esse projeto de cotas é isso. Está em curso um processo de doutrinação complicado, e esse governo apoia isso. Palavras consagradas no dicionário do brasileiro passaram a ser excomungadas. Querem agora criar um índex para o costume do brasileiro em relação ao negro. A pessoa fica até com medo de conversar com um negro e usar uma palavra que, na visão desses grupos, pode ser ofensiva.
ÉPOCA – A adoção das cotas por algumas universidades ampliou bastante o acesso dos negros ao ensino superior público. Não serve como bom exemplo?
Demóstenes – A cota social resolve esse problema, sem precisar usar critérios de raça. Como pretos e pardos estão na base da pirâmide social do país, vai ter um aumento brutal do número de negros nas universidades, sem criar um problema racial no país. Algumas universidades, como a de Brasília, têm usado um sistema em que basta a pessoa dizer se é negra ou mestiça que ela tem direito a entrar na cota. E aí pode até ser um negro rico. Pode ser um filho de ministro, um filho do Orlando Silva (ministro dos Esportes), por exemplo, que tem direito só por causa da cor.
Um comentário:
Sobre a origem do tráfico negreiro eis o que disse o historiador Manolo Florentino (que estudou sistematicamente o assunto) no caderno idéias, do Jornal do Brasil , em 21/07/2001:
”Somente 1% dos 10 milhões de escravos enviados à América foram capturados diretamente por europeus. O grosso veio de guerras internas, que tiveram como subproduto a venda dos subjugados para a América”, explica Manolo. ”Para o movimento negro é muito difícil aceitar isso”, reconhece.
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