domingo, 10 de agosto de 2014

Cotas no Judiciário e Legislativo: A posição da AJD e o MS no STF

A posição da AJD Associação dos Juízes Democráticos deve ser explicitada no Mandado de Segurança 33.072, no STF, impetrado pelo IARA Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, e 3 pessoas físicas,  para reserva das vagas para negros, nos concursos públicos do Legislativo e Judiciário, em face da lei 12.990.
O MS distribuído 'a Ministra Cármen Lucia, aguarda decisão sobre medida liminar, e recebeu informações das autoridades impetradas como Presidentes da República, do STF e TCU,  mesas das Câmara e Senado, Procurador Geral da República e Defensor Público Geral da União.
Os documentos são históricos e devem chamar atenção de estudiosos do Direito de todo o País. Num deles, o Ministro Ricardo Lewandowiski, ainda como Vice no exercício da Presidência, informa 'a Ministra Relatora que cota para negros no Judiciário depende de ato político do plenário do Supremo. 
Daí porque importante na manifestação da AJD. A AJUFE também se posiciona em breve. A decisão da Ministra Cármen Lúcia decidirá se 20% das vagas serão reservadas até que o plenário realize o ato politico. 
Qual a diferença entre a cota de um concurso de analista do Executivo para um analista do Judiciário ou Legislativo?
Mais importante, que a Reparação da Escravidão do Negro no Brasil, conectada com outros movimentos transnacionais como Reparation Now, passam a integrar a agenda do Estado brasileiro, como a proposta Comissão da Verdade sobre a Escravidão do Negro.
Aguardamos com confiança a decisão da Ministra Cármen.  Nos próximos dias, com parceiros, visitaremos a relatora.

Humberto Adami
Advogado e Mestre em Direito

AJD defende cotas raciais no Judiciário

POR FREDERICO VASCONCELOS
07/08/14  15:26http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2014/08/07/ajd-defende-cotas-raciais-no-judiciario/
A Associação Juízes para a Democracia (AJD) divulgou nota técnica em favor da política de cotas raciais no Judiciário.
A partir dos dados coletados pelo CNJ para o primeiro Censo do Poder Judiciário –revelando que 84,5% dos magistrados se declararam brancos–, a AJD entende que “está na hora de a sociedade brasileira discutir a promoção de políticas de cotas raciais para o Poder Judiciário”.
O presidente da AJD, André Augusto Salvador Bezerra, cita a Constituição Cidadã de 1988 para sustentar que “não se pode continuar a negar a cidadania à grande parcela da população, impedindo-a de ingressar na função estatal de aplicar o Direito ao caso concreto, essencial aos fins emancipatórios do Estado brasileiro consagrados em sede constitucional”.
Eis a íntegra da Nota Técnica:

O MOMENTO PARA DISCUTIR AS COTAS RACIAIS NO JUDICIÁRIO
 
A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA – AJD, entidade não governamental, sem fins lucrativos ou corporativistas, que congrega juízes trabalhistas, federais e estaduais de todo o território nacional e de todas as instâncias, e que tem por objetivos primaciais a luta pelo respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito e pela defesa da independência judicial, vem apresentar a presente NOTA a respeito das cotas raciais no Poder Judiciário.
No mês de junho do presente ano de 2014, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou os dados coletados para o primeiro Censo do Poder Judiciário realizado em todo o país. Em relação à distribuição racial da magistratura brasileira, o censo revelou que apenas 14% dos juízes de direito se declararam pardos, 1,4% se identificaram pretos e 0,1% se declararam indígenas; tais dados, em contraste com a esmagadora maioria de 84,5% que se declarou branco.
Trata-se de mais um, dentre tantos outros informes estatísticos divulgados diariamente por todo o país, que desmonta a tese da existência da democracia racial brasileira. Dois séculos de independência política frente a metrópole portuguesa não lograram eliminar relações eminentemente coloniais baseadas em critérios raciais, onde o branco ocupa as funções inseridas no ápice da pirâmide social-econômica, ao passo que o preto e o indígena, aquelas situadas na base da mesma pirâmide.
Tal quadro é socialmente naturalizado, vindo a legitimar o formato dos concursos de ingressos à carreira da magistratura baseados em uma adulterada meritocracia que desconsidera o pressuposto da existência de ponto de partida igual entre os candidatos. O que se tem em tempos atuais são concursos que nem sempre refletem o mérito de todos os extratos da sociedade brasileira, realizando, conforme explicitado pelo censo, “[...] discriminação, subalternização  e desumanização com base nos atributos de raça e cor, ou seja, trata-se de racismo.” (1)
A despeito de consistir em reflexo de problema que alcança todo o país, a prevalência de brancos nas atividades-fins do Poder Judiciário traz consigo efeitos políticos e jurídicos peculiares à atividade jurisdicional. Não se pode olvidar que a interpretação e a aplicação de documentos legais exigem a emissão de “[...] juízos morais sobre questões que dividem profundamente os cidadãos, como o aborto, o auxílio ao suicídio e a justiça racial” (2), a depender da visão de mundo de cada magistrado.
Ora, um Judiciário que, internamente, não contribui para a democratização racial apresenta, como consequência imediata, dificuldade em externar a visão de mundo das raças historicamente colonizadas. Os juízos morais que influenciam a atividade jurisdicional limitam-se, quase exclusivamente, aos adquiridos pelos brancos nunca escravizados e nem submetidos a qualquer processo de dizimação.
A promulgação de uma Constituição Federal (CF) que estipulou como um dos objetivos do Estado brasileiro a promoção do bem de todos sem qualquer forma de discriminação (art. 3o, IV) não foi, portanto, suficiente para inserir a visão de mundo das raças colonizadas nas decisões judiciais. Trata-se de circunstância que parece não deixar dúvida de que a positivação de direitos, embora de suma importância para o alcance de demandas dos excluídos, não basta para a correção de injustiças históricas e para a promoção de democracia pluralista.
A implementação de ações afirmativas por parte do Estado revela-se, assim, importante instrumento para a efetivação dos valores emancipatórios positivados. No caso do Judiciário, a possibilitar que a visão de mundo das raças de há muito colonizadas também seja externada na resolução dos conflitos de interesse, gerando maior sensibilização sobre velhos problemas relativos à discriminação e ao preconceito não sentidos na pele da maioria branca que atualmente ocupa a magistratura.
Há, é bem verdade, políticas de cotas nas universidades que podem ampliar o acesso de pretos e indígenas à formação jurídica, imprescindível ao ingresso na carreira da magistratura. Todavia, trata-se de ação, isoladamente, insuficiente, na medida em que os concursos para os cargos de juiz de direito apresentam etapas – especialmente a fase oral – sujeitas à subjetividade dos membros das bancas julgadoras, em sua maioria formada pelos mesmos brancos que ocupam a quase totalidade do Judiciário brasileiro, compartilhando uma visão de mundo que nem sempre conhece o histórico de colonizado da imensa maioria excluída da carreira.
A implementação das política de cotas não significa, outrossim, que haverá distribuição aleatória de vagas em concursos para a magistratura. Os candidatos que pleitearem o ingresso na carreira submeter-se-ão às mesmas provas que os demais concorrentes, com a diferença de que se identificarão como pretos ou indígenas no ato de inscrição. 
O fato de o atual formato dos referidos concursos dificultar a aplicação das cotas (por exemplo, aprovando número menor de candidatos ao de vagas abertas, ante a insuficiência das notas dos reprovados, conforme exigência de edital) não pode ser óbice às políticas afirmativas. O certame é uma construção humana – e não um fato da natureza -, podendo, por tal motivo, sofrer modificações para se adaptar às exigências de democracia racial.
Por fim, lembra-se que as ações afirmativas, além de se amoldarem à igualdade material projetada constitucionalmente (art. 5o, caput , da CF), encontram amparo jurídico na Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial. O artigo 1o, parágrafo 4o desse diploma normativo estabelece que não serão consideradas discriminatórias “as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais e étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção para poderem gozar e exercitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais em igualdades de condições.”
A Associação Juízes para a Democracia entende que está na hora de a sociedade brasileira discutir a promoção de políticas de cotas raciais para o Poder Judiciário. Sob uma ordem normativa que cerca de um quarto de século atrás prometera ser a Constituição-cidadã, não se pode continuar a negar a cidadania à grande parcela da população, impedindo-a de ingressar na função estatal de aplicar o Direito ao caso concreto, essencial aos fins emancipatórios do Estado brasileiro consagrados em sede constitucional.
São Paulo, 6 de agosto de 2014.
André Augusto Salvador Bezerra
Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia
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(1) SANTOS, Gislene Aparecida dos.  Questões sociojurídicas presentes na tipificação de queixas de conteúdos racistas no Brasil: desenhando os contornos de um discurso. XXIX Congresso ALAS – Chile. Santiago:  2013, p. 11.
(2) DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 188.

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