* por HUMBERTO ADAMI
A Ministra da Cultura Marta Suplicy afirmou ontem que não usou critério étnico ao mandar 70 autores brasileiros, com apenas 1 negro, e um índio, para a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. Usou, segundo disse, um critério técnico. Eu diria que usou um critério inconstitucional e ilegal.
A Ministra da Cultura Marta Suplicy afirmou ontem que não usou critério étnico ao mandar 70 autores brasileiros, com apenas 1 negro, e um índio, para a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. Usou, segundo disse, um critério técnico. Eu diria que usou um critério inconstitucional e ilegal.
Primeiro, porque não usou a ação afirmativa para negros e índios, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF 186 - Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, ajuizada pelo DEM - Partido Democrata Brasileiro, que questionava as cotas para negros e índios na Unb - Universidade de Brasilia, entendeu ser constitucional e benéfica para o estado brasileiro. Em julgamento histórico do qual pude participar como advogado do IARA - Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (ver aqui), foi proclamado pelo tribunal constitucional do Brasil, pela unanimidade de seus integrantes, que, no Brasil, ação afirmativa para negros e índios é uma medida salutar e constitucional. Isso significa que além das cotas da Unb, o crítério que levar em conta a inclusão de negros e índios, não será sofrerá questionamentos de ilegalidade.
Por outro lado, o Estatuto de Igualdade Racial, Lei 12.288, também prevê que o Estado brasileiro adotará medidas para cumprir tais desideratos.
Diz seu Art. 4o :
A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de:
I - inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;
II - adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa;
III - modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica;
IV - promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais;
V - eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada;
VI - estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos;
VII - implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.
Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País.
O relatório final de grupo de trabalho da SEPPIR - Secretaria de Politicas de Promoção da Igualdade, chefiado pela Ministra Luiza Bairros, que analisou a necessidade de regulamentar o Estatuto, revela que mais de 80% do estatuto dispensa regulamentação, a cargo da Presidente Dilma. Por que não praticam, então?
Ora, se o estado, incluindo sua ministra da Cultura, deve, prioritariamente, promover, por meio de adoção de medidas de ação afirmativa, a participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida cultural do país, como se justifica a remessa de 68 autores, não negros, para a feira do livro de Frankfurt?
A lei 12.711 prêve ação afirmativa através de cotas no ingresso de todas as universidades federais. O critério não é técnico, constitucional e legal? Teremos de fazer um lei para a comitiva da Feira de Frankfurt e cada ato dos ministros de Dilma?
Uma rápida pesquisa na internet nos informa que em 2011, foi lançada, pela Fundação Biblioteca Nacional a coletânea Literatura e Afrodescendência no Brasil: Antologia Crítica, que reúne, em quatro volumes, textos de 100 escritores negros, do século 18 aos dias atuais (ver aqui). A Fundação Biblioteca Nacional também está sob comando da ministra Marta. Entre os autores há nomes como Machado de Assis, Cruz e Souza e Lima Barreto, e, entre os contemporâneos, Nei Lopes, Joel Rufino dos Santos e Muniz Sodré. Abdias Nascimento, Cidinha Sillva, Ana Maria Gonçalves, podem ser lembrados. Achei ainda o nome de Conceição Evaristo, doutora em Literatura comparada, pela UFRJ, com obras publicadas no Estados Unidos, Angola, Alemanha, África do Sul e Inglaterra. A ministra Marta pode ver aqui. Anos atrás, andando em Washington, trombei, estupefato, com uma exposição em homenagem à Carolina de Jesus. A ministra Marta Suplicy pode se informar sobre quem foi, e quantos livros publicou. Ou contratar uma assessoria mais eficiente.
A Fundação Palmares, também sob comando da ministra Marta, também esteve envolvida em suspensão de editais para produtores e artistas negros, ocorrida em liminar em ação civil pública, no Maranhão, depois parcialmente revogada (ver aqui), mantida suspensa, ainda, a entrega do dinheiro. Ou seja, os produtores negros que fizeram várias reuniões de protesto pelo país afora, ganharam, mas não levaram, ainda. Ou talvez, nunca.
O vexame internacional causado por uma delegação só de brancos, ou 68, com um negro e um índio, deve causar vergonha no stablishment brasileiro. É a face mais notada do racismo nacional, que se esconde nas frestas do estado, e evoca os tempos da escravidão do negro no Brasil.
A escritora Ana Maria Gonçalves (vou colocar o link para facilitar a ministra Marta), autora de "Um defeito de cor", sempre lembra a lei no Império que obrigava negros a pedirem dispensa do "defeito de cor". Sempre que pretendiam ocupar cargos administrativos na Coroa, militares ou eclesiásticos. A desinformação da ministra da Cultura e a desfaçatez do estado brasileiro deve sim ecoar no mundo inteiro.
O critério técnico também é utilizado nas verbas publicitárias do Governo Federal, como mencionei recentemente (ver aqui), e serve apenas, para excluir parcela da população afrodescendente ao acesso de oportunidades e aos negócios da administração pública federal, como por exemplo ao astrônomico orçamento da propaganda do governo. A mídia étnica, de pretos e pardos, ficou de fora, por "critério técnico".
A meu ver, a utilização do critério técnico, apenas, é inconstitucional e ilegal. E dá margem a vexames internacionais, como dito. A utilização do conceito de ação afirmativa deve ser espraiado para todo staff da administração pública brasileira, através de parecer do Advogado Geral da União, o qual é vinculante e obrigatório, para que se evite que ministros da Presidente Dilma Roussef propiciem experiencias como a presente, que nos submetem ao encontro com a face mais evidente do racismo no Brasil, que tem sido motivo de denúncia do Movimento Negro brasileiro, e afronta aos Direitos Humanos.
* Humberto Adami é advogado é Mestre em Direito.
Diretor do IARA Instituto de Advocacia Racial e Ambiental
humbertoadami@gmail.com
Fonte: Blog do Humberto Adami
Um comentário:
Isso ai... critério de exclusão étnico.
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