sábado, 8 de setembro de 2012

Monteiro Lobato no banco dos réus - O GLOBO




Monteiro Lobato no banco dos réus




Audiência no STF que decidirá futuro do livro ‘Caçadas de Pedrinho’ reacende discussão sobre o politicamente correto na literatura infantil


O advogado Humberto Adami representará o IARA na audiência de conciliação no STF




Após dois pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE) enviados ao Ministério da Educação (MEC), um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) e dois anos de indefinição, será especificada a distribuição para escolas públicas do livro “Caçadas de Pedrinho” (1933), de Monteiro Lobato. A polêmica sobre o conteúdo racista atribuído à obra, em discussão desde 2010, será debatida em uma audiência de conciliação convocada pelo ministro Luiz Fux, terça-feira, dia 11, no STF.

A partir da decisão da Justiça, notas explicativas poderão ser incluídas nas novas edições do livro, e o MEC deverá promover a capacitação de professores a fim de sistematizar a abordagem da questão racial na educação básica. A denúncia de trechos depreciativos contra os negros, principalmente em relação à personagem Tia Nastácia (como “Lá é isso é — resmungou a preta, pendurando o beiço”), foi feita pelo técnico em gestão educacional Antonio Gomes da Costa Neto à ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) em 2010. De acordo com a avaliação de Costa, o livro incita o preconceito racial e não poderia ser financiado e distribuído pelo Programa Nacional Biblioteca Escola (PNBE), como foi feito nos editais de 1998 e 2003.
 

— É como se o governo financiasse a ideologia da obra. O uso do livro da maneira como se dá nas escolas é inconstitucional — diz Costa Neto ao referir-se ao preconceito racial, criminalizado pela Constituição de 1988.
 

A discussão sobre a discriminação contra os negros na obra do autor considerado o pai da literatura infantojuvenil brasileira traz à tona questionamentos sobre os limites do politicamente correto nas narrativas, além de provocar reflexões sobre como a obra de Lobato pode ser interpretada nos dias de hoje. A abordagem nas escolas de conceitos, tais como o racismo, que aparecem não somente na obra dele, mas na de outros autores colmo Lima Barreto e Aluísio Azevedo, também voltam ao debate com a audiência do STF.
 


Debate suscita releituras da obra do autor
 

Curadora da obra de Lobato e responsável pela edição dos livros do autor, publicados pela Globo Livros, Márcia Camargos defende que a interpretação racista do texto se contrapõe às intenções do escritor.
 

— Lobato sempre prezou pela educação infantil e por isso construiu uma obra tão vasta. Antes de as crianças se confrontarem com o preconceito, já censuramos o pensamento delas. Acho que aqui a questão é mais profunda do que colocar o Lobato contra a parede. A pergunta é: que tipo de adultos queremos criar? — indaga Márcia.
 

O questionamento proposto por Márcia encontra eco na reflexão de Ilan Brenman, autor de “A condenação de Emília: o politicamente correto na literatura infantil” (Aletria), entre outros títulos. De acordo com Brenman, a tentativa de fazer com que as histórias se transformem em um reflexo do mundo politicamente correto idealizado pelas experiências sociais dos adultos apenas reprime o pensamento crítico infantil.
 

— Nós problematizamos a questão antes que a criança, por ela mesma, consiga enxergar como uma temática social. Os adultos são incorretos, temos medos, paixões e preconceitos, assim como os pequenos. Acredito que a literatura seja um reflexo da complexidade desses sentimentos, e Lobato foi honesto a isso e ao seu tempo. Devemos provocar a criança, fazer com que ela reflita, e não dar a resposta pronta, pasteurizada — afirma ele, ao alertar que a mudança de “Caçadas”, abriria um precedente para que a obra de escritores como Aluísio Azevedo e Castro Alves sejam avaliadas.
 

A questão da formação dos professores, um dos pontos do processo, é o que mais preocupa a especialista em formação do leitor e literatura infantil Regina Zilberman.
 

— Os professores deveriam ser capacitados para debater não só a temática racista, mas a deficiência física, visual e outras questões da sociedade — alerta Regina.
 

Apesar do estigma racista que poderá marcar os livros e o próprio Lobato, Márcia afirma que o debate tem o seu lado bom. Para ela, este é um momento oportuno para que a crítica literária reflita sobre os múltiplos aspectos sociais da obra lobatiana.
 

— No fundo, este debate é pertinente porque nos dá a oportunidade de enxergarmos um pouco além do racismo e de outros preconceitos e compreendermos a dimensão do universo criado por ele — reflete Márcia.
 


Fonte: Blog do Humberto Adami

   http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2012/09/08/monteiro-lobato-no-banco-dos-reus-464280.asp


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