Dois dias depois de reclamar o sumiço da Maggie, eis que ela reaparece em vistosa entrevista nas páginas de O GLOBO, com direito a fotografia, na véspera do julgamento da reconsideração das cotas no órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Deve ser para influenciar o pensamento dos Desembargadores, a não se reposicionarem. O Globo para ser justo, e jornal de verdade, não panfleto, deveria dar uma oportunidade igual de entendimento contrário. Tem muita gente boa apostando nas cotas.
Maggie para variar não aponta nem uma solução, a não ser "o tem de melhorar para todo mundo" de sempre. Apesar de admitir o racismo. Ninguém discorda que tem de melhorar para todo mundo. Principalmente os negros. Maggie ainda bate na Fundação Ford, porque "com dinheiro americano, conseguiu advogados, ongs e debates". Quer dizer, quando não tinha advogados, ongs e debate sobre a questão racial, é que estava bom para os negros, caladinhos nos seus lugares de sempre, o fundo da pirâmide social, racial e econômica da sociedade brasileira? Deve ser isso que ela se refere quando diz que tem saudade de um tempo de um aperto de mão, de um abraço. Isso me faz lembrar aquela empregada que ajuda a criar os filhos da madame branca, e que é quase "da família".
Ora, cara Maggie, o dinheiro da Fundação Ford é da caridade internacional, e é tão bom quanto qualquer outro. Como dizia Betinho, ajuda se recebe de quem quer que seja. Devia pensar porque se precisa da ajuda externa, que é do mundo inteiro, ao invés de usar fundos brasileiros. Boa parte dos seus colegas de assinatura do Manifesto Contra Cotas, em número de 114, deve à caridade internacional e ajuda do Governo brasileiro as bolsas de Mestrado e Doutorado que fizeram no exterior. De graça. Porque para acabar com o racismo brasileiro, transformando uma categoria de cidadãos de 2a. classe em sujeitos de direitos, não pode? Chega a ser arrepiante sua arrogante posição de que essa parcela da população não pode ter direito a advogados. E seria bom que a imprensa procurasse aquela sentença de procedência da ação de improbidade cujo zumzum anda por aí. Vamos ver se o dinheiro brasileiro está tão cuidado assim. Vou pedir ao pessoal do Movimento Negro para localizar a tal peça.
HUMBERTO ADAMI
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ENTREVISTA
Yvonne Maggie
Fervorosa ativista contra o sistema de cotas raciais para o ingresso nas universidades, a antropóloga Yvonne Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comemorou a recente suspensão, pelo Tribunal de Justiça, da lei estadual que estipulava a reserva de vagas em universidades estaduais, como um primeiro passo para a revogação de leis raciais. A seu ver, elas servem apenas para dividir os brasileiros que, no geral, diz, rejeitam o racismo. Segundo ela, o sistema de cotas é fruto de pressão internacional alimentada por milhões de dólares da Fundação Ford: — Essa pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história.
José Meirelles Passos
O GLOBO: O sistema de cotas é apresentado como forma de criar oportunidades iguais para todos.
A senhora discorda. Por quê?
YVONNE MAGGIE: Porque ele faz parte de leis raciais que querem implantar no Brasil. E elas são inconstitucionais. A Constituição Federal proíbe criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. A do Estado do Rio também. Estou defendendo o estatuto jurídico da nação brasileira, com base no fato de que raça não pode ser critério de distribuição de justiça. Raça é uma invenção dos racistas para dominar mais e melhor.
Que critério usaram para criar tal sistema?
YVONNE: Surgiu no governo de Fernando Henrique Cardoso, propondo cotas para negros ou pardos, hoje chamados de afrodescendentes, sob o critério estatístico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas isso não significa que as pessoas se identifiquem com aquilo. Nós, brasileiros, construímos uma cultura que se envergonha do racismo.
Mas existe racismo no Brasil, não?
YVONNE: Eu nunca disse que não há racismo aqui. Mas não somos uma sociedade racista, pois não temos instituições baseadas em lei com critério racial. É interessante ver que o Brasil descrito nas estatísticas foi tomado como verdade absoluta. Há Uma coisa é dizer que o Brasil é um país desigual, com uma distância muito grande entre ricos e pobres. Outra coisa é atribuir isso à raça.
Quais os motivos para a criação de leis raciais no país?
YVONNE: Outra alucinação: a de que a forma de combater a desigualdade no Brasil deve ser via leis raciais.
Elas propõem dividir o povo brasileiro em brancos e negros. Há quem diga que o povo já está dividido assim. Digo que não. Afinal, 35% dos muito pobres no Brasil se definem como brancos.
Qual é o melhor critério?
YVONNE: Em vez de lutar contra o racismo com ações afirmativas, colocando mais dinheiro nas periferias, o governo optou pelas cotas raciais reservando certo número de vagas na escola e, com o estatuto racial, no mercado de trabalho. Então, o país que não se pensava dividido está sendo dividido.
Seja como for, a ideia das cotas está ganhando adeptos.
YVONNE: Nem tanto. Pesquisa recente feita no Rio pelo Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), mostrou que 63% das pessoas são contra as cotas raciais.
A maioria do povo brasileiro acha que todos somos iguais. Aprendemos isso na escola.
O objetivo era beneficiar negros e pardos. Agora no Rio já existem cotas para portadores de deficiência, para filhos de policiais, de bombeiros. A tendência é esse leque aumentar?
YVONNE: A lógica étnica ou racial não tem fim. Tudo surgiu porque houve pressão internacional com o sentido de combater o racismo. Mas quem domina os organismos internacionais são os países imperialistas, sobretudo Inglaterra e Estados Unidos, que têm uma visão imperialista de mundo dividido. Os EUA são um país dividido. Não pensam como nós. Lá a questão racial é a primeira identidade.
Você pergunta “quem é você?”, e dizem: “sou afroamericano”, etc.
Como não vivemos ódio racial no Brasil não sabemos o que é isso. O problema é que ao dividir e criar uma identidade racial, fica impossível voltar atrás.
O Brasil sucumbiu à pressão internacional?
YVONNE: A pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história. A Fundação Ford investiu milhões de dólares no Brasil, formando advogados, financiando debates, criando organizações não governamentais (ONGs). Não temos mais movimentos sociais. Quem luta em favor das cotas se transformou em ONG que recebe dinheiro do governo e da Fundação Ford. Juntou-se a fome com a vontade de comer. O governo inventa as ONGs, financia, e depois diz que as cotas são uma demanda do povo.
Como combater a desigualdade no acesso à universidade?
YVONNE: O Brasil tem que enfrentar a questão da educação básica de forma madura e consciente, investindo. Precisamos de recursos financeiros e humanos. Melhorar o salário dos professores e sua formação. E mudar a concepção de educação. Sem investimento não construiremos uma sociedade mais igual. Estamos criando uma sociedade mais desigual, escolhendo um punhadinho entre os pobres. Na verdade, a competição pelos recursos não é entre o filho da elite e o filho do pobre: ocorre entre os pobres.
Como a senhora vê a educação no Brasil?
YVONNE: A formação de professores e a concepção de educação são precárias. Não se obriga as escolas a ensinar. Obama acaba de fazer uma grande melhoria nos EUA: premia os bons professores. São os que ensinam melhor. E pune os maus. Quem não consegue fazer com que o seu aluno tire nota boa nas provas de avaliação externas, sai ou é reciclado.
Há luz no fim do túnel?
YVONNE: Sou otimista. Acho que as leis raciais não vingarão no Brasil. Creio que os congressistas têm mais juízo. E que em vez de lutar pelas cotas, o ministro da Educação deve fazer com que prefeitos e governadores cumpram as metas. Elas são excelentes. A idéia dele é fazer com que os municípios mais pobres recebam mais dinheiro. A opção é investir nas escolas e nos bairros mais pobres.
É possível conter o lobby das ONGs favoráveis às cotas?
YVONNE: É muito difícil ir contra grupos que se apresentam como o povo organizado. Temos que lutar pelo povo desorganizado, o povo que anda pela rua, que casa entre si, que joga futebol junto, que bebe cerveja, e não está o tempo todo pensando de que cor você é, de que cor eu sou. Povo é o que nos ensina que é melhor dar a mão do que negar um abraço.
YVONNE MAGGIE: “Raça não pode ser critério de distribuição de justiça, é invenção dos racistas”