sábado, 29 de maio de 2010

Beleza Negra no Fashion Rio

Beleza Negra no Fashion Rio

desfilewalterrodriguessite7A 17ª edição do Fashion Rio começou na última quinta feira (27/05) com um símbolo do respeito a diversidade brasileira. O estilista Walter Rodrigues causou furor ao utilizar apenas modelos negras em seu desfile.

Inspirado na Zona da Mata pernambucana e na África, 25 modelos entravam e saíam de portas feitas com tapumes coloridos, que contrastavam as cores sóbrias, das roupas usadas pelas modelos.

Para fortalecer a conexão Brasil-África, Walter Rodrigues, viajou até a cidade pernambucana de Quipapá, de onde trouxe fuxicos e motivos simples para as peças. Quipapá, fica a 50 km de Palmares e que apresenta forte presença da cultura negra e aonde está sediado o projeto Pernambuco Com Design, do qual o jornalista faz parte.

Para finalizar o look, o estilista se inspirou no trabalho de uma fotógrafa que retrata tribos de Botswana e incrementou o visual com diferentes tipos de chapéus.desfilewalterrodriguessite4

Apesar de declarar que não pensou em realizar nenhum tipo de protesto ao escolher as modelos, Walter Rodrigues afirmou ao portal Uol, ter realizado um sonho, ao realizar o desfile e afirmou ser ridículo pensar no Brasil ter ao menos um desfile se não com 100%, mas com a maioria dos alunos negros.

O estilista, afirmou ainda ter dúvidas sobre se iria encontrar o número necessário de modelos já que, segundo ele, as agências estão mais voltadas para o sul e menos para a Bahia. Walter, teve que levar modelos de São Paulo para o desfile.

desfilewalterrodriguessite6“O que fizemos no Fashion Rio foi algo histórico”, afirmou o estilista em entrevista ao portal R7.

Mesmo sem a intenção de realizar algum tipo de protesto, Walter Rodrigues fez uma constatação que é fácil de ser comprovada ao se observar as semanas de moda do país.

Em janeiro de 2008 um grupo de modelos negros realizou um protesto durante a abertura da São Paulo Fashion Week, devido a ausência de modelos negros durante os desfiles. Na ocasião, a mídia revelou que de mais de 300 modelos escolhidos, apenas oito eram negros.

A partir da denúncia, o Grupo de Atuação Especial de Inclusão Social (Gaeis) do Ministério Público, de São Paulo, instaurou um inquérito civil para verificar a presença de modelos negros no evento.

Após ser constatado que o maior evento de moda no país tinha um número muito reduzido de modelos negros ou indígenas foi adotado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), que determinava que ao menos 10% de modelos negros fizessem parte da próxima edição do evento.desfilewalterrodriguessite3

Em janeiro deste ano, a semana de moda de São Paulo, apresentou novamente um baixo índice de modelos negros e, ao serem procurados pela Afrobras, o Ministério Público ainda não tinha recebido o relatório que comprovava ou não o cumprimento do acordo.

Ainda em 2009, diversas personalidades negras se manifestaram contra a ausência de modelos negros na 14ª edição do Fashion Rio. Na ocasião, nomes como o cantor Tony Garrido e a jornalista Glória Maria, se indignaram com a falta de negros nas passarelas.

Apesar de ser espantoso o fato de as passarelas brasileiras não refletirem 50% da população do país, a falta de negros nas semanas de moda, não é uma prerrogativa brasileira.

Em 2008, a agência Reuters, realizou uma matéria sobre a New York Fashion Week, em que constatava que apesar do avanço em relação a presença de modelos negros, em uma das maiores semanas de moda do mundo, a maioria dos desfiles ou não tinha modelos negros ou utilizava apenas dois ou três, cada.

Na ocasião, a presidente do Conselho de Designers de moda da América (Council of Fashion Designers of America), pediu aos estilistas que mostrassem diversidade em seus desfiles.

http://news.afrobras.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=358:beleza-negra-no-fashion-rio&catid=34:noticias&Itemid=55

O preço do racismo em juízo

Abaixo sentença prolatada no Rio de Janeiro em face de danos morais por racismo. O valor da indenização é justo? Diz a Juíza VANESSA DE SOUZA BRISIS em sua sentença :"A Ré disse se referindo a Autora: essa crioula fica pra lá e pra cá e não resolve o que tem que resolver (...) falo sim e falo de novo: crioula, macaca´ Neste sentido, o que se vislmbra é que houve agressão verbal por parte da Ré". Mais adiante, prossegue, "Portanto, entendo que o montante indenizatório deve ser fixado com observância de critérios que confiram razoabilidade à condenação. À luz de tais critérios, e considerando a dimensão dos fatos aqui relatados, fixo a quantia de R$600,00 (seiscentos reais) a título de reparação, por entendê-la justa e adequada para o caso". A PERGUNTA QUE FICA É: ESTA BARATO O CRIME DE RACISMO EM JUÍZO? HUMBERTO ADAMI _____________________________________________________________________________________________ Processo nº: 2009.208.020606-7 Parte Autora: Regina Célia Nascimento de Araujo Adv.: Barbara Hermes da Silva Parte Ré: nome da ré retirado a pedido da advogada da mesma Adv.: nome da advogada retirado a pedido da mesma Projeto de Sentença Trata-se de ação em que a parte Autora pleiteia indenização a título de danos morais. Ao abono de suas pretensões aduz que a Autora é operadora de caixa da empresa Leroy Merlim. Afirma que, a Ré sem qualquer motivo começou a falar para a Autora palavras de baixo calão, de cunho discriminatório, com ofensas a sua raça. Afirma que a Ré lhe chamou de ´negra, macaca e crioula´. Esclarece que registrou a ocorrência na Delegacia. Afirma que não praticou nenhum ato que pudesse ensejar tais agressões. A parte Ré, em sua peça de bloqueio, argüi, preliminarmente, a necessidade de prova pericial. No mérito impugna o pedido autoral, asseverando que se dirigiu a loja Leroy Merlin, a fim de comprar uma prateleira de vidro. Afirma que, solicitou que a caixa com o referido produto fosse aberta, mas houve muita demora por parte dos funcionários. Esclarece que, as pessoas que estavam na fila ficaram impacientes, culpando a Ré pelo transtorno. Afirma que a Autora resolveu se vingar da Ré. Esclarece que foi criada por homem negro. Por fim, sustenta ser incabível a compensação a título de danos morais. É o breve relatório, conforme possibilita o artigo 38 da Lei n. 9099/95. Decido. Inicialmente, rejeito a questão preliminar de incompetência do Juízo em razão da necessidade de perícia, uma vez que a aludida perícia se revela medida desnecessária e, assim, meramente protelatória para o deslinde da causa, que não é de maior complexidade fática. Inexiste outra preliminar a dirimir, razão pela qual, reconhecendo a existência dos pressupostos processuais e das condições de regular desenvolvimento acionário, passo ao exame do mérito. Ressalto que a reparação por danos morais somente pode decorrer de um ato ilícito. Por sua vez, o reconhecimento de um ato ilícito depende de uma conduta determinada que lhe tenha dado tcausa. No caso vertente, entendo procedentes as razões invocadas pela Autora ao embasamento de sua pretensão reparatória, estando a questão subsumida ao regramento positivado nos arts. 186 e 927 do Código Civil. Isso porque, conforme se depreende dos autos, a lesão moral por ela relatada na inicial restou comprovada, diante do acervo probatório apresentado. Com efeito, a parte Autora alega ter sido agredida verbalmente pela Ré, no seu local de trabalho. Destaco o depoimento da testemunha arrolada pela parte Autora, ouvida em AIJ: ´(...) a Ré disse se referindo a Autora: essa crioula fica pra lá e pra cá e não resolve o que tem que resolver (...) falo sim e falo de novo: crioula, macaca´ Neste sentido, o que se vislumbra é que houve agressão verbal por parte da Ré. Ressalto que, a testemunha arrolada pela parte Ré, ouvida como informante, em AIJ, tão-somente, afirmou que a Ré não ofendeu a Autora verbalmente. Verifico que, as provas trazidas aos autos pela Autora - Registro de Ocorrência (fls. 12/14) e prova testemunhal, corroboram os fatos descritos na inicial, não tendo a Ré trazido prova capaz de elidir a veracidade daqueles. Em sendo assim, considero que a forma agressiva como a Ré se reportou à Autora tem o condão de gerar abalo psicológico caracterizador do dano moral. Nesse caso, em especial, entendo que o montante indenizatório deve ter o caráter punitivo e pedagógico; pelo que há sempre que se considerar, no caso concreto, o potencial econômico do ofensor e a efetiva repercussão gerada pelo fato. Portanto, entendo que o montante indenizatório deve ser fixado com observância de critérios que confiram razoabilidade à condenação. À luz de tais critérios, e considerando a dimensão dos fatos aqui relatados, fixo a quantia de R$600,00 (seiscentos reais) a título de reparação, por entendê-la justa e adequada para o caso. A conta do acima exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido autoral, para condenar a Ré a pagar a parte Autora a quantia de R$600,00 (seiscentos reais), a título de indenização por danos morais, corrigida monetariamente com base nos índices oficiais da CGJ e acrescida de juros na taxa de 1% (um por cento) ao mês, a partir da leitura da presente. Sem custas e honorários vez que em sede de Juizado Especial Cível, conforme disposto no artigo 55 da lei 9.099/95. Cientes as partes do disposto no artigo 52, IV, da Lei n° 9.099/95, quanto à necessidade de cumprimento voluntário da sentença, sob pena de penhora, dispensada nova citação. Ficam, ainda, as partes intimadas de que em se tratando de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa, o prazo previsto no art. 475-J do CPC, para incidência da multa ali prevista (10%), contar-se-á da data do trânsito em julgado. Certificado o trânsito em julgado e não havendo novas manifestações no prazo de 15 (quinze) dias, dê-se baixa e arquivem-se. Cientes as partes de que decorridos 180 dias da data do arquivamento definitivo os autos processuais serão eliminados, nos termos do artigo 1º do Ato Normativo Conjunto 01/2005, publicado no DORJ de 07/01/05. Projeto de sentença sujeito à homologação, assim, remeto os autos a MM. Juíza Togada, nos termos do artigo 40 da Lei nº 9.099/95. Rio de Janeiro, 11 de Janeiro de 2010. ________________________________________ VANESSA DE SOUZA BRISIS Juíza Leiga SENTENÇA Vistos, etc. HOMOLOGO o projeto de sentença proferido acima, na forma do artigo 40 da Lei 9099/95. Publique-se, registre-se e intime-se. Rio de Janeiro, 26 de Maio de 2010

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Cadê os Partidos?

O Ouvidor da Seppir e militante do Movimento Negro, Humberto Adami, em entrevista à Afropress.

diversidades

Cadê os Partidos? Por: - 27/5/2010

Brasília - Ouvidor da SEPPIR desde o ano passado, o advogado Humberto Adami cobra dos Partidos – inclusive do PT - uma postura pró-ativa na defesa das cotas para negros, em reação ao Partido Democratas (DEM), que patrocina no STF movimento contra as ações afirmativas. Leia mais...

Na entrevista, concedida ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira, Adami queixou-se da passividade dos Partidos. “Os partidos não podem e não devem, em minha opinião, ficar em papel contemplativo, simplesmente assistindo a tudo ou oferecendo solidariedade, na base do “estamos juntos!” que se ouve nas ruas. Devem partir para o enfrentamento nas mesmas bases e condições, utilizando suas máquinas partidárias e seus advogados, para contrabalançar o jogo”, afirma. Ele cita o caso da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida no STF pelo DEM contra o sistema de cotas na Universidade de Brasília. ”Ainda que estejamos num ano eleitoral, no caso das cotas da UNB em julgamento no STF, por exemplo, como se pode admitir que os outros partidos políticos não tenham, até o momento, ingressado com ações em favor das cotas raciais, como amigos da corte – amicus curiae – fazendo frente ao DEM?”, pergunta. O Ouvidor da Seppir, que é apontado por militantes – inclusive do PT – como um dos responsáveis pelo desgaste político sofrido pela ex-ministra Matilde Ribeiro, que acabaram com a sua exoneração no caso dos cartões corporativos, nega que tenha sido hostil a ex-ministra. “ A ex-ministra Matilde se afastou do governo em função do desgaste de denúncias de uso do cartão corporativo, não de desgaste de imagem pública, em especial o causado por mim. Nunca desrespeitei a figura da ministra, quer como mulher, quer como política, quer como gestora, ou de qualquer outro modo. Não poderia agir de forma diferente. Só não concordava com certas medidas e efetuava críticas de frente, e com objetivo construtivo. Já me disseram que, se tivesse sido ouvido, os fatos teriam sido outros. Não sei se isso é verdade. Mas a relação pessoal com a ex-ministra nunca foi de conflito, e sim de divergência, num ambiente cordial”, acrescenta. Veja, na íntegra, a entrevista do Ouvidor da Seppir, em que também faz uma prestação de contas do período em que passou a ocupar o cargo, em julho de 2.009. Afropress - Qual o balanço que o senhor faz da sua atuação como Ouvidor da SEPPIR? Humberto Adami - Cheguei à Ouvidoria em julho de 2009, a convite do Ministro Edson Santos, com tarefas delineadas. Penso que cumpri e estou cumprindo o que me foi solicitado. A Ouvidoria conseguiu, por exemplo, ampliar o quadro funcional dos ouvidores, que conta com mais três estagiários, dois de nível superior e um de nível médio. Por conta disso, de julho de 2009 até o mês de abril de 2010, tivemos um total de 200 memorandos e 1200 ofícios, o que significa uma avassaladora incrementação de correspondência da Ouvidoria, por meio da qual ela comunica denúncias que chegam diariamente por e-mail, carta ou telefone. Há ainda a estimativa de centenas de ligações efetuadas e recebidas, com grande aumento na demanda da Ouvidoria em todo o País, amplificando-se, assim, a voz do cidadão que reclama algum serviço no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal. Somos uma verdadeira boca no trombone do cidadão, que se encontra, no mais das vezes, em completo silêncio. Afropress - Como avalia a gestão do ministro Edson Santos e qual a expectativa em relação ao seu substituto Elói Araújo? Adami - Acho que o ex-ministro Edson Santos cumpriu fielmente a tarefa que o Presidente da República lhe conferiu. Restabeleceu o princípio da autoridade e da hierarquia e navegou em águas turvas, com tranqüilidade, chegando até um porto seguro. Ao concluir sua gestão, conseguiu triplicar o orçamento da SEPPIR, que vai para mais de R$ 68 milhões. Agora, aguarda uma recondução ao Congresso Nacional, com votação tão consagradora quanto à anterior, que o elegeu deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro. Já o Ministro Elói tem a tarefa de, em curto espaço de tempo, consolidar as políticas que foram lançadas, em período pequeno e intenso, e criar ações que considerar importantes. O Presidente tem orientado todos os ministros de estado no sentido de que a hora é de consolidar, concretizar. Afropress - Quais as dificuldades que tem encontrado na implementação das tarefas de Ouvidor? Qual é o papel de Ouvidor da SEPPIR? Quais os resultados práticos obtidos? Adami - A Ouvidoria da SEPPIR, secretaria que tem status de Ministério, se reveste de importância fundamental. Muitas vezes, o assunto se resolve pela interferência direta do Ouvidor, ou por conta de inserção dentro dos assuntos que são demandados, que são os mais variados no que se refere às relações raciais. Há demandas da ouvidoria que são internas, outras externas. No caso da SEPPIR, ambas as formas são acolhidas: as reclamações, sugestões e elogios são encaminhados tanto internamente, quanto para todo e qualquer órgão que trate da questão racial. É um mundo. Neste sentido, também é uma ouvidoria temática. Temos procurado repassar as solicitações que chegam, com interface com os próprios órgãos administrativos, através de suas ouvidorias, com os Ministérios Públicos, Federal e dos estados, com as defensorias públicas e os órgãos de investigação e repressão ao crime de racismo, como a Polícia Federal, as Secretarias de Segurança Pública dos estados, e mesmo os Comandos Militares, através do Ministério da Defesa, e sua ouvidoria. Amplificar a voz do cidadão, repito, que demanda combate ao racismo, com o aval da Presidência da República, tem sido o eixo de nossa atuação. Os resultados práticos têm sido intensos, mas muitas vezes ainda são pouco ou simplesmente não são divulgados. Este problema – o volume insuficiente da divulgação dos resultados alcançados – causou estranheza em muita gente, em virtude de minha atuação anterior como presidente do IARA - Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, no qual, além da atuação jurídica, tivemos a preocupação em desenvolver um marketing agressivo em relação às necessidades de combate ao racismo. Mas são tarefas diferentes que não se confundem. Temos norteado nossa atuação pelo caráter nacional das demandas da Ouvidoria, nos 27 estados, de forma ampla, disseminada e incidente em todos os pontos do território nacional. Como advogado do Banco do Brasil, há 28 anos, e funcionário de carreira daquela instituição desde menor aprendiz, e também como advogado ligado à área ambiental, aprendi que devemos funcionar com escala e capilaridade, ou no jargão ambiental, “pensar globalmente e agir localmente”. Tem sido uma inovação saudada entusiasticamente, principalmente em estados que jamais tinham tido qualquer relação com a Ouvidoria, que não pode atuar só no eixo Rio-São Paulo-Salvador-Belo Horizonte. É preciso sair do eixo das grandes capitais e fazer com que o poder da Presidência da República se faça ouvir, também, nos pequenos centros, onde muitas vezes a atuação do Ouvidor, ainda que não presencial, pode produzir resultados efetivos e modelares. Penso que estamos conseguindo isso. Aumentou muito a solicitação de cidadãos brasileiros do interior que clamam intervenção da Ouvidoria e é impressionante como podemos fazer tais demandas serem atendidas. Outro dia, por exemplo, um jardineiro de uma pequena cidade do interior de São Paulo, Atibaia, se não me engano, mandou um e-mail reclamando que todos os dias, “há 23 anos, era parado ‘para averiguações’ pela polícia local”. Foram tantos os ofícios expedidos pela Ouvidoria, para o Ministério Público, a Defensoria e outras autoridades, que o assunto acabou resolvido pela pressão de solicitar providências. Outro caso foi o de duas faxineiras negras de uma prefeitura de cidade do interior do Paraná, que foram convidadas a “beber água sanitária para ficarem mais brancas”. Isto foi dito pelo superior imediato das funcionárias. Após a intervenção da Ouvidoria, no estilo “manda oficio para todo mundo”, as faxineiras, que tinham sido demitidas quando reclamaram do chefe, foram readmitidas, e este foi exonerado, graças à intervenção do Ministério do Trabalho e sua Comissão de Combate à Discriminação, que foi acionado pela Ouvidoria da SEPPIR. Podemos lembrar do caso do rapaz da GOL ofendido no aeroporto de Aracaju pela médica branca em face da perda do vôo da lua-de-mel em Buenos Aires; do caso das vendedoras da rede de lojas Riachuelo que foram presas pela delegada de polícia que queria trocar a bermuda da filha e dormiram na penitenciária de Vila Velha. Fato importante foi a reunião com as Centrais Sindicais que subscreveram documento em apoio à ação afirmativa. O último caso ilustrativo, o da mulher negra cuspida na cara e ofendida racialmente, com o agressor ficando preso, obteve grande repercussão. Vários têm sido os casos de atuação da Ouvidoria em relação a comunidades de terreiro, intolerância religiosa e quilombolas, sem divulgação pela mídia. O que tem causado certa dificuldade é que muitos integrantes do Movimento Negro preferem acionar a Ouvidoria da SEPPIR, antes mesmo de procurar a defensoria pública local ou mesmo a delegacia do bairro. Aí não dá. Outro dia, um companheiro quilombola do Rio de Janeiro ligou para o meu celular para saber do adiantamento que ele deveria receber de uma diária, para uma reunião. Já pensou se todo mundo faz o mesmo? Obviamente que isso congestiona o sistema e coisas mais importantes acabam prejudicadas. Afropress - O senhor está sendo atacado por setores do Movimento Negro, que o acusam de ter aderido a um relacionamento inter-racial? Como vê isso? Ou seja: negros não podem casar com não negras, pois isso representaria alguma infração à ortodoxia militante? Não considera que essa seja uma forma de racismo com sinal trocado? Adami - Primeiramente, não diria ter sido “atacado”. É uma coisa bem menor. Houve um questionamento individual, feito de forma isolada, grosseira e inadequada, realizado na lista de Direito e Discriminação Racial. Uma participante queria saber se eu era casado com uma mulher branca, e que, se assim fosse, não teria eu a “legitimidade” (sic) para ocupar o que ela considerava “cargo de representação do Movimento Negro”. Isso não existe, conquanto um cargo no Governo Federal seja de nomeação do Ministro da área, a pessoa de sua confiança e enquanto esta durar. A partir daí, essa pessoa começou a fazer listas de homens negros casados com mulheres brancas e expedir cartas, todas divulgadas na internet, de indagação para vários companheiros do tipo “O Senhor é casado com uma mulher branca?”, uma coisa deprimente, irresponsável e racista. Recusei-me a responder porque isso não tem mesmo de ser respondido. Além de inegável invasão de privacidade, a forma indelicada, visando a exposição do outro, em nível pessoal, não dá margem a não ser à rejeição e ao repúdio. Não foram poucas as manifestações que me chegaram asseverando tratar-se de uma manobra de provocação, com fins políticos, tudo com objetivos de “missa encomendada”, com a utilização de alguns “teleguiados” - pessoas quase inocentes que estariam sendo utilizadas por grupos que visavam, na verdade, atingir o governo. Como na época ocorria a transição do Ministro Edson Santos para o Ministro Elói Araújo, essa operação, se de fato houve, acabou por fracassada, já que ambos de pronto rejeitaram-na. Tem é que ser repudiada mesmo. Posiciono-me pela liberdade democrática e constitucional de quem quiser casar com quem quiser, sem ser cobrado ou indagado por quem quer seja, ainda mais em lista pública. Primeiro, porque nem casado estou, há mais de dois anos. Estou casado com a luta contra a discriminação racial no Brasil. Segundo, porque tal assunto não é para ser tratado como se fosse um inquérito de um fundamentalismo conjugal inaceitável. Há companheiras e companheiros valorosos casados com homens e mulheres negras e negros, brancos e brancas, que na minha opinião não têm de ser molestados com tal tipo de indagação. Isso não lhes retira ou acresce nenhuma “legitimidade”. Importa o trabalho que fazem. Ademais, a indagação da pessoa, que acabou repudiada por grande parte do grupo, veio acompanhada do mais puro ódio racial, na base do “Odeio os brancos. Os brancos não valem nada. Ensino minhas filhas a não falar quando tem brancos por perto. Os brancos são todos racistas. Mulheres brancas são todas prostitutas polacas”. Temos mesmo de afastar essas pessoas de nosso convívio, pois isso é tudo o que não queremos e não precisamos. Não ajuda em nada e ainda municia aqueles que são contra as medidas de ação afirmativa. Foi um custo impedir que uma militante histórica das mulheres negras processasse a tal “indagadora da cor do casamento alheio” uma vez que expediu manifestações de explicito ódio racial. É importante dizer que, fruto do ódio, não há o que incluir, e só ao ódio beneficia. Tais posições fundamentalistas e radicais foram explicitamente afastadas no cenário internacional, vide o que aconteceu com Farrakhan e com aqueles sujeitos que andavam pelas ruas dos EUA, pregando o retorno dos sete sábios de Sião e a separação da população afrodescendente. Da mesma forma, aquele pastor do Obama, James Wright, que propôs medidas absurdas de segregação, foi sumariamente afastado e nunca mais se ouvir falar dele. Enquanto isso, Obama é um líder da inclusão racial em todo o mundo, com um verdadeiro parque da diversidade familiar na própria casa, com parentes em vários continentes. Radical tem de ser o combate à discriminação racial, como sempre fiz. Terceiro, porque estou há muito tempo envolvido em várias frentes de combate ao racismo que demandam cuidados com a segurança própria e de familiares. Estive, como advogado, em casos de defesa de cotas para negros na universidade, quilombolas, casos pontuais de racismo, clandestinos africanos, enfrentamento de racismo institucional e defesa de interesse das mulheres negras, como por exemplo, o famoso caso do palhaço Tiririca e a Sony Music, em que estavam envolvidas 15 entidades de mulheres negras. Ninguém me perguntou com quem era ou deixei de ser casado, quando assinaram a procuração, como advogado. Na Ouvidoria, diariamente instauramos procedimentos administrativos que repercutem em infratores raciais em todos os cantos do país. Há pouco tempo, identificamos um desses grupos, membro do White Power, grupo racista internacional com operação em vários países, já tendo sido alvos de seus integrantes a Afropress, o Geledés, entre outros. Divulgar dados pessoais expõe a um risco desnecessário pessoas queridas, inocentes e indefesas. Repito, estou casado com a luta contra a discriminação racial no Brasil. Afropress - Como o senhor, que que não é oriundo de partidos políticos, mas sim do movimento social, se equilibra entre as forças que detêm o comando da SEPPIR? Adami - Com trabalho técnico. Sou um técnico, por excelência, e advogado por profissão. Transito com facilidade em vários partidos, em face de amigos e admiradores desse trabalho. Mesmo minha aproximação com o movimento social, em especial os movimentos negro e ambiental, sempre se deu a partir da visão de advogado. Há, pois, um espaço em que esta advocacia é colocada a serviço da causa do combate à discriminação racial. Neste sentido, não há necessidade de se “manter o equilíbrio”, pois como deve ser em qualquer lugar, o comando político é feito pelo titular da pasta, o Ministro de Estado. É ele quem dá o tom da realização do trabalho, e a todas as áreas, o que cabe é o cumprimento. Na Ouvidoria não haveria por que ser diferente. Minha relação com os partidos políticos também é muito boa, desde tempos anteriores. Como não estou filiado a esse ou aquele partido, tenho transitado com facilidade por vários deles – e não poderia ser de outra forma, estando no governo federal. O exemplo maior vem do Presidente da República. Estou sugerindo abertamente que os partidos políticos, em especial os da base de sustentação do Governo Federal, tenham uma atitude mais proativa em relação às questões político-judiciais que têm sido desencadeadas pelo Partido dos Democratas, em vários episódios. Veja que o DEM tem iniciado ações contra as cotas para negros na UNB; contra quilombolas de Alcântara, no Maranhão e na Marambaia, no Rio; contra o PROUNI; e até contra as cotas para negros na UERJ, através da CONFECON - Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino Privado. Se você investigar, vai ver que são sempre as mesmas pessoas envolvidas. Quando não é o partido em si, como no caso das cotas da UERJ, são ramificações de uma mesma árvore, como no caso do Deputado Flávio Bolsonaro, do Rio de Janeiro. Bem, os outros partidos não podem e não devem, em minha opinião, ficar em papel contemplativo, simplesmente assistindo a tudo ou oferecendo solidariedade, na base dos “estamos juntos!” que se ouve nas ruas. Devem partir para o enfrentamento nas mesmas bases e condições, utilizando suas máquinas partidárias e seus advogados, para contrabalançar o jogo. Ainda que estejamos num ano eleitoral, no caso das cotas da UNB em julgamento no STF, por exemplo, como se pode admitir que os outros partidos políticos não tenham, até o momento, ingressado com ações em favor das cotas raciais, como amigos da corte – amicus curiae – fazendo frente ao DEM? Essa falta de combate entre partidos, no campo judicial, deixa à vontade o DEM e facilita o trabalho deles. É preciso, pois, em minha opinião, que outros partidos também ingressem neste campo e estejam nos tribunais, em especial os superiores, asseverando aos magistrados o que, na sua visão, deve ser ressaltado no campo político e jurídico e que está em julgamento. Pode-se pensar, ainda, que os mandatos de parlamentares estaduais e municipais, ligados ao combate ao racismo e à implementação de ação afirmativa para negros, deveriam estar conectados a uma agenda nacional, que fosse instigada no campo municipal ou estadual, de forma ampla e linear, em todos os 5.470 municípios brasileiros. O fato é que em todos esses municípios o Feriado de Zumbi poderia estar sendo pautado por um mandato municipal ou estadual, assim como as cotas para negros nas universidades, bem como nos concursos públicos municipais e estaduais, a exigência da implementação da lei 10.639, e outros itens da chamada “agenda nacional”. Penso que isso mobilizaria os movimentos locais, bem como os direcionaria para tais agendas de forma multiplicadora. Creio que isso dificultaria a ação dos contrários à ação afirmativa. Afropress - O senhor é acusado por setores próximos à ex-ministra Matilde Ribeiro de ser um dos principais responsáveis pelo desgaste de sua imagem pública. Como foi passar de estilingue a vidraça, ou seja, ocupar um cargo na gestão do órgão antes criticado? Adami - Desconheço tais setores. A ex-ministra Matilde se afastou do governo em função do desgaste de denúncias de uso do cartão corporativo, não de desgaste de imagem pública, em especial o causado por mim. Pessoalmente, sempre tive com ela uma relação cordial e respeitosa, mesmo discordando de uma série de medidas na forma de programar as políticas da SEPPIR. Isto não é segredo nenhum, e todos sabem disso. Sempre me incomodou o critério que, a meu juízo, se centrava em determinado estado e determinado partido político, embora tal situação também sempre fosse negada. Nunca desrespeitei a figura da ministra, quer como mulher, quer como política, quer como gestora, ou de qualquer outro modo. Não poderia agir de forma diferente. Só não concordava com certas medidas e efetuava críticas de frente, e com objetivo construtivo. Já me disseram que, se tivesse sido ouvido, os fatos teriam sido outros. Não sei se isso é verdade. Mas a relação pessoal com a ex-ministra nunca foi de conflito, e sim de divergência, num ambiente cordial. Tanto é verdade que, quando ela quase foi indiciada pelo Ministério Público Federal, acusada de racismo por evocar os “tempos da chibata” e por dizer que entenderia se negros não gostassem de brancos, prontamente me ofereci para montar, como advogado, uma petição de assistente processual da acusada de pelo menos 50 instituições ligadas ao Movimento Negro. A conversa foi iniciada com a participação do hoje Subsecretário de Ações Afirmativas da SEPPIR, Martvs Chagas, de Ivanir dos Santos, e de meu amigo Wilson Prudente, Procurador do Trabalho. Eu achava injusto processarem Matilde por racismo, e prontamente me dispus a ficar ao seu lado, judicialmente, liderando esse grande arco de entidades do movimento social. Inspirei-me no exemplo de Sobral Pinto que, mesmo adversário de Luís Carlos Prestes, foi defendê-lo quando este foi preso e acusado pelo regime ditatorial. Achei que era o certo, mas a iniciativa não chegou a ser efetivada pelos fatos que se seguiram. Quanto a fazer parte da SEPPIR, atendi à solicitação de um companheiro, um amigo e uma liderança do movimento social nacional, o Deputado Edson Santos, com quem já havia desenvolvido vários trabalhos na área racial, inclusive a cobrança nacional, em 2005, pela implementação da lei 10.639, através de inquéritos civis públicos em 5.470 municípios. O ministro Elói Araújo também fazia parte desse esforço. Convidado, não seria justo não colaborar. Você não pode ficar só criticando, como vejo alguns hoje, e não dar sua colaboração, quando solicitado a fazer. Não seria decente. Obviamente que tive de me preparar para a nova tarefa, visto que os papéis são muito diferentes. Como Ouvidor Geral, não posso usar do mesmo ritmo, volume e intensidade dos trabalhos que realizava como Presidente do IARA. Isso parece que não foi entendido por alguns. Então vejo comentários do tipo: “O Adami foi para a SEPPIR e não fala mais nada. Calou-se. Foi cooptado. Só queria um cargo!”. Nada mais errado. Primeiro, porque sou funcionário do BB e apenas fui requisitado ao Ministro da Fazenda para trabalhar junto à Secretaria da Igualdade Racial. Segundo, porque estamos trabalhando freneticamente, em ritmo intenso, alcançando grandes resultados e apenas não os podemos divulgar, como se fazia a todo instante, pois esse não é o ritmo da administração publica federal, onde tudo funciona com hierarquia e vinculado à letra da lei. Hoje, tudo o que falo é imediatamente transferido ao Governo Federal. É preciso muito cuidado para não causar embaraços e repercussões não previstas. E você tem de mudar seu foco para entender que seu trabalho hoje, é governo, é gestão federal. Afropress - Qual a sua expectativa em relação à posição a ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação do DEM contra as cotas? Adami - Estive com o Ministro Ricardo Lewandovski duas vezes após a Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal. Em ambas ele disse que pretende levar o processo a julgamento ainda esse ano. Minha avaliação é que a ADPF será julgada improcedente, com grande prejuízo para aqueles contrários à ação afirmativa no Brasil. Isto já ficou evidente. A grande organização das formas pró-ações afirmativas foi motivo de festa, de arrumação da casa. Quem pôde ir, gostou muito. Quem não pôde, viu pela TV Justiça e pode ver até hoje no YouTube. Descobrimos muitas coisas boas. Pude contribuir em vários momentos e fiquei muito feliz com isso. A inclusão da Universidade de Juiz de Fora na Audiência Pública, que por pura sorte avisei ao Pró-Reitor Eduardo Magrone, um dia antes do prazo, quando fui receber uma medalha em Juiz de Fora, foi uma das coisas que me deixou satisfeito. A medida tomada em relação ao posicionamento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados foi outra coisa que me deixou muito satisfeito. A OAB compareceu apenas para dizer que não tinha posição sobre o assunto: cotas raciais. No mesmo dia consegui uma audiência com o presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. Ophir Cavalcante Jr., e acompanhado dos advogados Marcelo Dias, André Matos e Julio Romário, conseguimos a designação de uma audiência pública da própria OAB, de forma a poder extrair sua própria posição. O fato foi saudado pelo Ministro Lewandoviski como resultado da audiência do STF. Afropress - Como membro do Governo, como está dando continuidade a denúncia que fez como militante em relação à ausência de negros nas Forças Armadas e nas empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil? Adami - Fui intimado recentemente, já como Ouvidor, em inquérito civil (nº. 1.00.000.007597/2006-61, MPF/DF, Procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira) que tramita na Procuradoria da República no Distrito Federal, em que é investigada a ausência de negros nos altos cargos das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha), no Itamaraty e na Igreja Católica. A procuradora doutora Luciana Loureiro tem procedido a investigações com o fito de esclarecer este fenômeno de não haver negros nas principais posições militares do País, nos altos postos do Itamaraty, bem como na Igreja Católica. O Comando do Exército informou que dentre os 35.637 militares do Exército, há 337 identificados como “pretos” e 2054 identificados como “pardos escuros”, nenhum deles General, General de Divisão ou General de Brigada. Um seminário realizado na Câmara dos Deputados, anos atrás, apontou como cinco os generais afrodescendentes da História do Brasil. O Comando da Aeronáutica informou que “a Academia de Força Aérea conta com 766 cadetes, dos quais 256 afrodescendentes; e a Escola de Especialistas da Aeronáutica apresenta 2.828 alunos, dos quais 1.084 afrodescendentes”. E, mais recentemente, acrescenta que está em curso uma pesquisa no âmbito da Força para fornecer ao MPF os dados estatísticos sobre a presença dos militares afrodescendentes em cargos de altas patentes. Registra que, “embora com respostas incompletas, os Comandos da Aeronáutica e do Exército mostraram-se cooperativos e compreenderam a necessidade de informar ao Ministério Público os dados solicitados, em virtude da necessidade de instruir a representação formulada, tendo em vista inclusive o disposto no art. 2º. do Decreto 4.228....”. Estas coisas são importantes e devem ser saudadas como um tremendo avanço do governo brasileiro. Afropress - Como funcionário afastado do Banco do Brasil, como acompanhou e o que acha do Mapa da Diversidade apresentado pela FEBRABAN como repostas às denúncias feitas por você próprio e depois assumidas pelo Ministério Público Federal do Trabalho? Adami - Foi uma etapa na minha vida em que aprendi muito. Como já tinha lidado anteriormente com a FEBRABAN nas denúncias de dano ambiental causado por financiamentos de bancos (minha tese de dissertação de mestrado), e por ser da área bancária, tenho experiência com a turma de lá. Não direi que enrolam, mas vão demorar. O trabalho feito por alguns bancos é notável. A aglutinação feita em torno da Unipalmares facilitou, com o resultado prático de pelo menos 600 estagiários terem conseguido trabalhar nos 10 maiores bancos privados do país, com cursos de extensão, concomitantes à graduação na Universidade Zumbi dos Palmares, de MBA de Gerente Executivo Júnior, com selo Unicamp e FGV. Isto foi fantástico. Diga-se que, embora a denúncia tenha sido minha, o trabalho foi alavancado por muitas instituições ligadas ao Movimento Negro. Houve um ganho efetivo, mas a divisão de sempre acabou por atrapalhar a pressão em cima do Ministério Publico do Trabalho, que digamos, se desmotivou, bem como em cima dos próprios bancos. O Mapa da Diversidade elaborado pelo CEERT deve ser saudado como sendo resultado prático, pois uma entidade originada no Movimento Negro não foi substituída pelas ONGs de sempre. O Mapa comprova a exatidão da denúncia feita ao MPT. E, portanto, o que é de se estranhar é que, comprovada a denúncia, outra deveria ser a postura do MPT, não o de dirigir afagos e carinhos ao denunciado, e sim o de partir para uma medida mais efetiva, de ministério público mesmo, e em caráter nacional, pois as tão saudadas ações civis públicas contra os cinco maiores bancos privados brasileiros só foram ajuizadas contras os bancos no Distrito Federal, e com os números do DF. Aí a coisa complicou um pouco, pois o Tribunal Regional do Trabalho do DF julgou as ações improcedentes, afirmando que a “prova estatística não era suficiente para comprovar a desigualdade racial no âmbito do trabalho dos bancos”. Disse isso depois de afirmar na decisão que conhecia a doutrina do direito comparado afirmando que a estatística é prova suficiente (EUA); que conhecia a doutrina brasileira baseado no livro do Ministro Joaquim Barbosa, mas que ele, o TRT, não achava prova suficiente. Como sempre digo, a placa na porta do banco escrito “Crioulo não entra” não vai ser nunca produzida no Brasil. Enquanto isto, o Estado brasileiro é vítima de denuncias e recomendações da OEA, e tais autoridades não são chamadas para um acerto de contas com o erário por causa de sua conduta, como no caso da empregada doméstica Simone Diniz (Relatório 066/2006), em que nunca se chamou delegado de polícia, promotor e juiz de direito para acerto de contas com o estado, em ação regressiva. Penso que todos os casos de arquivamentos e improcedências em tema racial devem ser conectados ao caso Simone Diniz, para que se identifique logo a autoridade em omissão. Recebi na Ouvidoria uma reclamação contra essa situação, e após falar com o Procurador Geral do Trabalho, Otávio Brito, e com o Ministro Corregedor da Justiça do Trabalho, Carlos Alberto Reis de Paula, penso que a Ouvidoria encaminhará uma reclamação ao CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em breve. Isto porque um eventual prejuízo de condenação, que deveria ser paga pelos supostos praticantes dos atos de racismo, passa, com as recomendações da OEA, muitos anos depois, para o erário público, sendo suportado por nós, contribuintes, ao invés daquele que praticou desigualdade racial. Isto não esta correto, e é uma oportunidade para que o tema racial frequente aquele conselho com repercussão em outros casos. Mas isso não deveria impedir que novas denúncias e novas ações fossem ajuizadas nas 27 capitais, de novo, por novos autores, especialmente sindicatos, de todas as categorias profissionais, uma vez que as centrais sindicais, em ação da Ouvidoria, acabaram de subscrever documento em poder do ministro Elói Araújo, de dar total apoio à ação afirmativa. Isso, com certeza, mobilizaria não só a FEBRABAN, que está conversando com o Subsecretário de Ações Afirmativas da SEPPIR, Martvs Chagas, bem como o próprio Ministério Público do Trabalho, em suas 27 representações nos estados. O que não é possível é que o denunciado produza a prova que o incrimina na denúncia - e nada, ou pouca coisa, aconteça. Afropress - Faça as considerações que julgar pertinentes. Adami - Acho pertinente mencionar três operações da Ouvidoria que realmente me empolgam. DECRETO 4228/2002 – metas de inclusão de afrodescendentes em cargos DAS, na licitação e na terceirização da Administração Pública Federal - A Ouvidoria encaminhou a todos os órgãos da Administração Pública Federal oficio indagando o que havia sido realizado a partir do referido decreto 4228, nos últimos cinco anos, tendo em vista a existência do PLANAPIR, como instrumento de monitoramento e fiscalização da igualdade racial, e as múltiplas declarações do Presidente da República, de determinação de consolidação dos resultados de seu governo. Acho isso da maior importância porque, ao mesmo tempo em que bancos, universidades, forças armadas, empresas privadas, etc., estão se esforçando para a inclusão racial, a administração pública federal deve participar e elaborar um esforço conjunto, transversal e total, para incluir mais de seus cidadãos afro-brasileiros. O decreto 4228 determina que sejam observadas metas percentuais de inclusão de afrodescendentes no preenchimento de cargos DAS; metas de inclusão de bonificação de empresas que incluam afrodescendentes na licitação e terceirização da administração pública federal. Há muita resistência por parte de executivos estatais que silenciam sobre o assunto, constituindo isso o tal “racismo institucional” que tanto se fala, e que foi recentemente enfrentado em seminário nacional conduzido pelo Ministro Elói Araújo. O relatório da Ouvidoria, em mais de 250 respostas aos ofícios, constituirá o mais atualizado retrato da Administração Pública Federal no tema, e com certeza auxiliará os gestores na condução de políticas públicas. Art. 8º. da Resolução 04/2004 – do CNE – Conselho Nacional de Educação – Comunicação detalhada ao MEC e SEPPIR de relatório periódico de medidas implementação da Lei 10.639 na rede de ensino pública e privada - A Ouvidoria da SEPPIR encaminhou aos 27 Conselhos Estaduais de Educação, ao Conselho Nacional de Educação, aos 27 Prefeitos das Capitais, aos 27 Secretários Estaduais de Educação, ofícios solicitando cópia da comunicação detalhada que a rede de ensino privada e pública tem de fazer, em relatórios periódicos, desde 2004, sobre as medidas de implementação. O material que tem chegado à Ouvidoria é rico em ótimos exemplos, e com certeza, é o que há de mais atual sobre o assunto. Além de ser disponibilizado ao Presidente da República, pretende-se que possa servir de ferramenta ao PLANAPIR, na efetiva fiscalização do cumprimento da lei de História da África e Cultura Afro-brasileira. Há também espaço para apresentação das muitas iniciativas municipais que estão sendo produzidas nos 5.470 municípios brasileiros, sem que grande parte da população tome conhecimento. A resposta dos gestores públicos em todo o país tem sido de extrema boa vontade para com tal iniciativa, que propicia sejam demandados dentro de seus organismos. Vamos precisar de ajuda nos relatórios. Art. 1º. da Resolução 04/2004 – do CNE – Conselho Nacional de Educação – Conteúdo das relações étnico-raciais em todas as matérias de todos os departamentos das instituições universitárias – A ouvidoria da SEPPIR encaminhou a todos os reitores de universidades brasileiras, sejam elas públicas, federais, estaduais, confessionais ou particulares, num total de aproximadamente 1200 ofícios, solicitação de cumprimento do art. 1º. da resolução 04/2004, do CNE, que prevê que o conteúdo de relações étnico-raciais deve estar presente em todas as matérias de todos os departamentos das instituições universitárias, condicionando, ainda, a avaliação de cumprimento dessas diretrizes ao funcionamento das instituições. A inspiração tem sido a palavra do Presidente da República, que quer consolidar os avanços obtidos em seu governo para os próximos, assim como a instrumentalização do PLANAPIR como ferramenta de gestão e monitoramento da igualdade racial. Trata-se da maior operação administrativa de cobrança e incentivo de implementação da lei, que não pode ser obrigação apenas da escola pública e do professor municipal. A universidade brasileira, pública e privada, tem de entrar firme na produção desse conhecimento, com a utilização de todo o aparato federal para isso, como CAPES, FNE, CNPq, descobrindo linhas de incentivo de financiamento para tanto. De pronto, alguns resultados que podemos citar. Uma universidade do sul do país remeteu conteúdo programático em que constava a “História da Escravidão do Negro no Brasil – módulos de 1 a 4”. Este é o verdadeiro cumprimento da lei de História da África e Cultura Afro-brasileira, o permanente retorno a Historia da Escravidão do Negro? Penso que não. Outro caso: uma das maiores universidades do país remeteu seu conteúdo, em que só constam quatro matérias, todas de graduação, somente ligadas a História, Artes e Música. Não é o suficiente. Apontar tais lacunas, em escala nacional, penso poder ser uma das mais gratificantes e producentes contribuições da Ouvidoria da SEPPIR.

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quinta-feira, 27 de maio de 2010

COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO Luiza Andrade Corrêa

Luiza Andrade Corrêa COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO: Análise Comparativa da Jurisprudência Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP, sob a orientação do Professor Henrique Motta Pinto. SÃO PAULO 2009 8. Conclusão Primeiramente, a pesquisa demonstrou que o Poder Judiciário brasileiro aplica o artigo 68 do ADCT, confirmando assim a primeira hipótese. Na maioria dos casos que envolveram o direito à terra das comunidades quilombolas, o judiciário aplicou diretamente o artigo 68 do ADCT, sem fazer alusão à qualquer regulamentação (29 de 61). Além disso, na ampla maioria dos casos em que há menção, direta ou indireta, ao Decreto 4.887/03, houve sua aplicação e, portanto, a expressão tácita dos magistrados acerca de sua constitucionalidade (28 de 31). Importante notar também que, na significativa maioria dos casos em que houve controle difuso de constitucionalidade, o judiciário considerou o Decreto 4.887/03 constitucional (9 de 12). Ficou claro, a partir da análise da jurisprudência no judiciário brasileiro, que o Decreto 4.887/03 apenas foi declarado inconstitucional nos casos em que não se pretende conceder o direito garantido pelo artigo 68 do ADCT aos quilombolas. Portanto, constatei que o Decreto 4.887/03 estabelece uma política pública de titulação do domínio das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos eficaz, a qual vem sendo questionada pelas entidades de sociedade civil e do Estado que não têm interesse na aplicação do direito. Tanto nos documentos apresentados na Adin 3239/04 perante o Supremo Tribunal Federal, quanto nas lides fora da jurisdição do Supremo Tribunal Federal, houve clara demonstração da convergência entre os parâmetros adotados internacionalmente para a proteção da terra das comunidades tribais, com os critérios formulados pelo Decreto. O principal aspecto de alinhamento entre estes critérios é a valorização do ponto de vista da própria comunidade acerca de sua identidade. Neste sentido, o Brasil poderá sofrer retaliações internacionais em função do retrocesso da política pública, caso o Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03. 106 Ademais, a alegação da inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03 foi pautada, essencialmente, por argumentos formais. Por outro lado, os atores que defendem a constitucionalidade do Decreto rebateram as premissas formais e acrescentaram ao debate um apelo jurídico, político e social, reportando aos princípios do ordenamento jurídico, à defesa e preservação da cultura e ao contexto de grande estudo que originou a norma impugnada. Deste modo, constatei que os proprietários de terras e pessoas interessadas na não aplicação do artigo 68 do ADCT utilizam a classificação trazida, principalmente, por José Afonso da Silva, para considerá-lo uma norma de eficácia limitada ou contida, que, portanto, dependeria de lei em sentido estrito para sua aplicação. Logo, isto indicaria um formalismo exacerbado que prefere, após 21 anos da promulgação da CF/88, a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03 à efetiva aplicação do artigo 68 do ADCT. Deste modo, viabiliza-se que o legislador ordinário opte por não regulamentar o artigo 68 do ADCT, como uma forma de não atender à vontade do Poder Constituinte Originário e, conseqüentemente, não conceder o direito à terra das comunidades remanescentes de quilombos. A interpretação do artigo 68 do ADCT depende da definição do conceito atual de quilombo. Sobre este aspecto, constatei uma tendência do judiciário brasileiro em optar pelo conceito mais abrangente. Portanto, são considerados, principalmente, os aspectos sócio-culturais envolvidos. O estudo dos casos demonstrou claramente que o conceito é manipulado para reduzir ou ampliar a eficácia do artigo 68 do ADCT. O conceito mais abrangente é utilizado nos casos em que se pretende a concessão do direito à terra das comunidades quilombolas, já o conceito restritivo, que aduz ao conceito histórico cunhado pelo Conselho Ultramarino, apenas é utilizado nos casos em que se pretende negar a aplicação do artigo 68 do ADCT para aquele caso concreto. Todavia, é importante destacar que, na maioria dos casos, o judiciário optou pela utilização do conceito mais abrangente e, deste modo, considerou inadequado o conceito sugerido na petição inicial da Adin 3239/04. Isso porque dos 7 casos que trataram do conceito de ―quilombo‖ apenas 1 107 utilizou o conceito histórico calcado pelo Conselho Ultramarino e 1 utilizou conceito um pouco mais abrangente que o histórico, contudo ainda restritivo. Nos demais casos (5), a opção foi pelo conceito mais abrangente. A Associação Brasileira de Antropologia, devido a um longo período de estudo e pesquisa sobre o tema, desenvolveu um conceito de quilombo abrangente, que foi utilizado inúmeras vezes pelo poder judiciário brasileiro e que é adequado para a situação atual das comunidades quilombolas no Brasil. Na Adin 3239/04 poderá ser apresentada a interpretação do conceito de quilombola. Neste ponto, conforme demonstrado, é aconselhável que seja adotado o conceito mais abrangente para que o artigo 68 do ADCT tenha incidência adequada. Existe na doutrina brasileira grande divergência acerca da utilização do decreto autônomo, cuja Emenda Constitucional nº 32 implantou no nosso ordenamento jurídico. Deste modo, a Adin 3239/04 será um momento oportuno para que o Supremo Tribunal Federal indique como o artigo 84, VI, ―a‖ da Constituição Federal deve ser interpretado. Importante constatação trata do devido processo legal administrativo, trazido pelo Decreto 4.887/03. Em todos os casos estudados, houve a afirmação de que as normas vigentes acerca da demarcação e titulação das terras pertencentes aos remanescentes de quilombos, conforme demanda o artigo 68 do ADCT, obedecem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Isto mostra que o poder judiciário não se convenceu, nem uma só vez, de que o Decreto 4.887/03 seria inconstitucional por desobedecer aos mencionados princípios, o que fragiliza muito a alegação assim feita nos autos da Adin 3239/04. Logo, ficou demonstrado que o Decreto 4.887/03 cumpre o devido processo legal ao prever previamente um encadeamento processual, a publicidade dos atos e a participação de quaisquer interessados no processo administrativo. Poderá ocorrer violação a estes princípios apenas pontualmente, em casos concretos em que não se obedeça as especificações da Lei de Processo Administrativo Federal, bem como do Decreto 4.887/03 e das instruções normativas do INCRA. 108 Constatei que os argumentos utilizados para a não aplicação do artigo 68 do ADCT nos casos concretos são os mesmos alegados pelos atores que defendem a inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03 na Adin 3239/04. Isso comprova seu interesse de não aplicação do próprio artigo 68 do ADCT. Tal conclusão fica ainda mais latente quando se analisa sua argumentação pautada em seu direito de propriedade e ao direito de produzir naquelas terras. Por fim, importante ressaltar a constatação de que na maioria dos casos em que houve controle difuso de constitucionalidade do Decreto 4.887/03, o judiciário o considerou constitucional (9 de 12). Nos três únicos casos em que o Decreto 4.887/03 foi declarado inconstitucional, as decisões não concediam o direito à terra garantido pelo artigo 68 do ADCT aos quilombolas. Logo, a responsabilidade de confirmação da política pública em defesa do direito à terra das comunidades remanescentes de quilombos está nas mãos do Supremo Tribunal Federal ao decidir a Adin 3239/03. Isso porque a decisão em controle concentrado de constitucionalidade tem conseqüências em todo o ordenamento jurídico, com efeito vinculante, ―erga omnes‖ (contra todos), e, a princípio, ―ex tunc‖ (retroage à promulgação da norma). Portanto, caso seja declarada a inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03 será gerada grande dificuldade para a aplicação do direito trazido pelo artigo 68 do ADCT, o que representaria um imenso retrocesso da política pública de defesa da cultura quilombola. http://www.sbdp.org.br/monografia_ver.php?idConteudo=153 http://www.google.com.br/search?q=+COMUNIDADES+QUILOMBOLAS+NO+JUDICI%C3%81RIO+BRASILEIRO+Luiza+Andrade+Corr%C3%AAa+&ie=utf-8&oe=utf-8&aq=t&rls=org.mozilla:pt-BR:official&client=firefox-a

Contrarrevolução jurídica e quilombos

Contrarrevolução jurídica e quilombos 20 mai 2010 Nelson Serathiuk Publié sur Non classé | Contrarrevolução jurídica e quilombos Publicado 07/05/2010 Em dezembro do ano passado, Boaventura de Sousa Santos salientava que estava em curso, em vários países latino-americanos, um processo que denominou “contrarrevolução jurídica”, ou seja, uma forma de ativismo judiciário conservador “que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política”. Não como um movimento concertado, nem como conspiração, mas como entendimento tácito entre elites, criado a partir de decisões judiciais concretas. Dava como sinais de tal situação alguns temas tratados pelo judiciário brasileiro: a) ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios; b) terras indígenas e quilombolas; c) criminalização do MST; anistia para torturadores na ditadura. O leque de temas tinha em comum o fato de “referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional”. Recentemente, por 7 a 2, o STF entendeu que “crimes conexos” aos “crimes políticos” e, pois, abrangidos também pela anistia, eram todos os tipos de crime, em ação ajuizada pela OAB e que foi sempre denominada, pelos meios de comunicação, de “revisão” da lei de anistia e não de “interpretação conforme a Constituição” de uma lei que, tal como a de imprensa, também fora fruto da ditadura e com evidente intento de “auto anistia”. Na ocasião anterior, o “ranço ditatorial” era suficiente para macular, “in totum”, a lei; aqui, a sociedade- ainda em plena ditadura- tinha optado pela “concórdia” e pelo não-uso das “mesmas armas” dos inimigos. Em ocasião anterior, o mesmo STF já estabelecera 19 “condicionantes”- e a expressão não foi sequer atenuada, mas sempre destacada- para o exercício dos direitos indígenas em conformidade com a Constituição. Em ação “inter partes” e sem qualquer caráter vinculante, fixaram-se condições a serem seguidas para todas as demarcações indígenas em curso. Em dezembro do ano passado, o Min. Gilmar Mendes suspendeu inúmeras demarcações, inclusive envolvendo territórios guarani-kaiowá, com os argumentos naquela ação utilizados. Tomando como parâmetro para julgamento a realidade amazônica que entendia ser nacional, ignorou as condições específicas de índios do Nordeste ( os índios “misturados” ou falsos índios, da revista Veja), os próprios guarani ( que sempre foram tidos como nômades, sendo desnecessárias as demarcações) e mesmo os índios das cidades, que ficariam num “limbo jurídico”. Agora, encontra-se em andamento um terceiro “round”: o julgamento da ADIN 3239, envolvendo a constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, de relatoria do Ministro Cezar Peluso que, apesar de ser Presidente, permaneceu no processo porque lançou relatório no último dia 16 de abril, antes de sua posse. Neste caso, inúmeras questões estão postas em discussão. 1. Como, tradicionalmente, as outras minorias étnico-culturais utilizam, em parte, o estatuto indígena como parâmetro para viabilizar suas lutas, estaria o STF também para este caso, as mesmas condicionantes que já o fez em Raposa Serra do Sol? Desconheceria, mais uma vez, a própria diversidade de situações, tanto históricas, quanto regionais, de que são exemplos as terras herdadas por testamento, as “terras de índios”, “terras de santa”, “terras de preto”? 2. A regulamentação, pelo referido decreto, tem sido defendida, pelo INCRA, com suporte na Convenção nº 169-OIT. O Decreto nº 4.887, contudo, não a menciona, embora seja explícito que os conceitos de auto-definição, de territorialidade, de reconhecimento dos direitos advenham tanto do tratado internacional, como do art. 68 do ADCT. Reconhecer-se-ia, neste caso, como já o fez o STF para a prisão do depositário fiel, o caráter supra-legal da referida convenção, de forma que a regulamentação adviria diretamente dela, paralisando qualquer efeito legislativo em sentido contrário? Em realidade, a discussão do caráter supra-legal ou constitucional dos tratados internacionais, até o presente momento, somente envolveu direitos individuais, nunca direitos econômicos, sociais e culturais. Continuaria o Judiciário a defender a indivisibilidade dos direitos fundamentais e a máxima eficácia dos direitos fundamentais? 3. Tanto em Raposa Serra do Sol, quanto em outros julgamentos, o STF tem sido acusado de “ativismo judicial”, muitas vezes disciplinando relações jurídicas, à falta de normatização do legislador. Uma eventual inconstitucionalidade implicaria o não-reconhecimento das situações já consolidadas pelo tempo? Implicaria uma revisão, em caso de parcial procedência, de toda a política pública realizada pelos governos federal e estaduais, ainda que em passos visivelmente lentos, para todo o tempo que existem as regulamentações? O STF se arvoraria, novamente, a estabelecer parâmetros que entenda pertinentes para o caso, fixando políticas públicas ou mesmo impedindo sua realização? 4. Parte dos meios de comunicação tem fixado pautas em que se acusam os antropólogos de “oportunistas” e as comunidades de “falsas” – ou seja, não seriam verdadeiros quilombolas: tratar-se-ia de um grupo de “pretensos”- supostos quilombolas descendentes de supostos escravos. Supõe, em realidade, que terras “fora do comércio”, ou seja, quilombolas, indígenas, reservas extrativistas, de populações tradicionais seriam “improdutivas”, ou seja, típica terra “não é nem nunca será explorada”. O julgamento reconhecerá a diversidade de formas de propriedade, conforme a própria Corte Interamericana já o fez, em especial no caso Saramaka vs. Surinam, com apoio na Convenção Americana de Direitos Humanos, aliás, o mesmo “Pacto de San Jose”, que o STF utilizou para a questão do depositário infiel? O STF passaria a utilizar os julgamentos das cortes internacionais, que, inclusive, já salientaria que a responsabilidade internacional dos países pode advir da ação ou omissão de qualquer de seus Poderes?2 Reconheceria que o Poder Judiciário deve ter em conta não somente o tratado, mas também a interpretação que dele tem feito a Corte Interamericana? 3 5. No julgamento Raposa Serra do Sol, o etnocentrismo ficou evidente: alguns votos se referiram a “silvícolas”, em necessidade de “aculturação” e mesmo de não serem condenados os indígenas a não terem direito a “entrarem na civilização”. Apesar do reconhecimento, pela Constituição de 1988, da diversidade étnico-racial e dos diversos grupos formadores da cultura nacional, o STF continua a utilizar uma visão estática de “cultura” e de “tradição”, de forma a querer entender, tal como alguns meios de comunicação, que “legítimas” somente seriam as comunidades que permanecerem “idênticas” e “inalteradas” desde 1888? Permaneceria a visão eurocentrada e redutora da diversidade epistêmica do mundo, de forma a que somente os “civilizados” seriam passíveis de mudança, transformada, ficando os “remanescentes” ( aqui, das comunidades quilombolas) condenados ao processo de “frigorificação”, “ossificação”? Até que ponto serão incorporadas, em julgamento, as visões constitucionais de “patrimônio cultural”, em sentido material e imaterial? Até que momento boa parte das conquistas jurídicas constitucionais vão continuar a ser lidas pela lente da legislação e do ordenamento jurídico anterior e não a partir das novas questões postas pelo constituinte de 1988? Não são poucas as questões que estão em jogo. Os sinais, contudo, da “contrarrevolução jurídica” que Boaventura Santos destacou, são, por enquanto, muito preocupantes para as nossas lutas por demo-diversidade, sócio-diversidade, biodiversidade e por justiça cognitiva e social. César Augusto Baldi http://etnico.wordpress.com/2010/05/07/contrarrevolucao-juridica-e-quilombos/ _______________________________________________ Cartaoberro mailing list Cartaoberro@serverlinux.revistaoberro.com.br http://serverlinux.revistaoberro.com.br/mailman/listinfo/cartaoberro http://www.presencialatinoamericana.ch/blogtino/?p=582

ONU alerta sobre eventual decisão do STF sobre quilombolas

ONU alerta sobre eventual decisão do STF sobre quilombolas Qua, 26 Mai, 12h54 Genebra, 26 mai (EFE).- Uma eventual decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto que regula a titulação das terras de comunidades quilombolas seria contrária aos direitos deste grupo e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, advertiu hoje uma especialista das Nações Unidas. PUBLICIDADE Segundo a relatora especial da ONU para o Direito à Moradia, Raquel Rolnik, "declarar o decreto inconstitucional afetaria o direito das comunidades quilombolas a ter acesso à terra e aos recursos naturais". Em sua opinião, o decreto tenta, em parte, ser uma compensação pela "dívida histórica do Brasil com as comunidades afetadas por séculos de dominação e pela violação de seus direitos". O decreto foi levado ao STF pelo DEM, com o apoio dos setores privado industrial, agrícola e pecuário. Sobre as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, Raquel disse que se a normativa for considerada inconstitucional, o país estaria violando o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. A especialista assegurou que, apesar de o direito à propriedade dos quilombolas ser reconhecido na legislação brasileira, pouco foi feito para garanti-lo. Raquel disse que estes grupos são "extremamente vulneráveis a desalojamentos forçados e a ameaças por parte dos donos de terras e companhias mineradoras", entre outros. Além disso, destacou a relação desses grupos com a terra e os recursos naturais, que constituem "as bases espiritual e material de sua identidade cultural". Atualmente, há 1.408 comunidades quilombolas registradas oficialmente no Brasil. EFE

quarta-feira, 26 de maio de 2010

CUSPE NA CARA E NEGRA SAFADA NO ÔNIBUS EM BRASÍLIA - A cidadania no balcão da delegacia

CUSPE NA CARA E NEGRA SAFADA NO ÔNIBUS EM BRASÍLIA.

A cidadania no balcão da delegacia.

* Por Humberto Adami

A cena chocou até mesmo quem insiste em não admitir o racismo no Brasil. A copeira negra, de meia idade, moradora de Sobradinho, recebeu, sem qualquer razão, uma cusparada no rosto e a expressão qualificante racial: “negra safada”. A providencial intervenção de um rapaz negro, de vinte e poucos anos, passageiro do mesmo ônibus que transitava em uma via pública na Asa Norte, no Plano Piloto de Brasília, capital da República, impediu que violência ainda maior ocorresse. Imobilizado o agressor pelo rapaz, o motorista do coletivo só parou na chegada à estação rodoviária.

O jovem negro, assim que desceu do ônibus, pediu, por telefone, ainda no calor da discussão e da agressão, socorro ao Ministério da Igualdade Racial, como é conhecida a SEPPIR. Já na 5ª. Delegacia de Polícia, no setor bancário norte, do Plano Piloto, em Brasília, o ouvidor da Secretaria de Promoção de Políticas da Igualdade Racial, que assina este artigo, acionou o Conselho Estadual do Negro do DF, que mobilizou grande contingente de conselheiros, que se dirigiram ao local. Foi definitiva essa legítima pressão. Na chegada à delegacia, o jovem que saíra em defesa da senhora agredida nutria a desconfiança que aquela seria mais uma das muitas experiências infrutíferas acumulada pelos que tomam a iniciativa de levar, de fato, o crime racial ao exame da área penal. Ë grande a quantidade de ocorrências raciais que deixam de ser registradas, nos boletins de ocorrência, preenchido nos balcões das delegacias, como sendo o que realmente são: crime de racismo, ou mesmo injúria racial. Além da atuação na ouvidoria da SEPPIR, minha experiência como advogado no Rio de Janeiro dá razão ao jovem negro brasiliense.

Logo na chegada à delegacia, a boa surpresa: o “cuspidor”, e ofensor racial já estava preso, prestando depoimento à autoridade policial. Ele admitira, ficamos sabendo em seguida, a cusparada no rosto da mulher negra e o xingamento racial. Mas, saindo em defesa própria, justificou que havia recebido um gesto obsceno feito com dedo pela senhora, antes de agredi-la; fato não comprovado.

As suspeitas do jovem negro (testemunha e também vítima, pois o rapaz levou uns sopapos do agressor, ao sair em defesa da senhora) eram procedentes. Realmente o agressor racial iria ser enquadrado na injúria simples, e não na injúria racial ou crime de racismo, como de hábito. Entretanto, uma importante reunião dos integrantes dos movimentos sociais, especialmente Movimento Negro, e representantes dos governos federal e do Distrito Federal, com o Delegado Titular e seus delegados assistentes apontou a relevância do caso, e o seu aspecto racial. A equipe de delegados parte, então, para a “pesquisa jurídica”, digamos assim, na tentativa de acertar, voltando inclusive a re-interrogar o agressor, vítima e testemunhas, buscando o enquadramento que tivesse base nos fatos ocorridos dentro do ônibus.

A pesquisa começaria, então, a ser feita na internet, mais precisamente nos sites dos tribunais superiores. Neste ínterim, militantes do Movimento Negro acorrem à delegacia, já com os primeiros representantes da imprensa. Isto durou de 11 às 16 horas do dia 30.04.2010. Por fim, foi anunciado o enquadramento como INJÚRIA RACIAL, com base no art. 140 do Código Penal, o que não permitiria que a fiança fosse arbitrada pelo delegado de polícia, mas apenas pelo Juiz de Direito. O agressor continuaria preso até lá. O fato teve repercussão inédita na mídia da capital federal, bem como no resto do país.

Às vésperas de mais um aniversário da Abolição da Escravidão no Brasil, no próximo 13 de maio, o que nós, do Ministério das Relações Raciais temos a destacar no que se refere aos avanços e reincidências apontadas pelo fato acima, é, sobretudo mudanças no cotidiano das relações raciais em nosso país, contemporaneamente:

1. Em primeiro lugar, um jovem negro decide “não deixar para lá” o assunto – a ofensa racial -, e parte para o exercício de cidadania plena. É acompanhado pela vítima, uma mulher também negra, assim como pelo motorista, cobrador e outros passageiros que se encontravam no ônibus. Trabalhadores, uma gente simples e honesta, que sabe distinguir o certo e o errado. E que, ressaltemos, buscam ajuda num órgão do Governo Federal, e a recebem, efetivamente.

2. O segundo aspecto importante é o fato de a autoridade policial que busca a forma de corretamente encarar os fatos - racismo e discriminação racial -, sem demonstrar preconceitos, idéias pré-concebidas, e procurando o melhor enquadramento dentro dos dispositivos legais (Código Penal e Lei Caó) oferecendo com isto, à sociedade do país e aos que buscaram o auxílio da lei, neste caso em particular, uma resposta de valor inquestionável. E que se soma aos esforços de todos os que lutam pela igualdade de direitos em nosso país: a prisão do agressor racial.

3. Indiretamente, a medida tomada pelo delegado titular também aponta para o acerto de mais uma das ações do Ministério da Igualdade Racial, que está adotando medidas para realização de cursos de práticas antidiscriminatórias em todas as ACADEPOL – Academia de Polícia, dos 27 estados da federação.

3. Outro dado relevante é o aumento, nos últimos tempos, em todo o país, das denúncias de casos de racismo, incluída a injúria racial. Podemos lembrar casos como, por exemplo:

a) O do funcionário da Gol no aeroporto de Aracaju, agredido racialmente pela médica que perdeu o avião para a lua de mel. Resultado: médica indiciada;

b) A história das quatro funcionárias das Lojas Riachuelo, em Vitória (ES), que foram presas por se recusarem a trocar uma bermuda comprada dois meses antes, por uma delegada de polícia, com fianças de R$ 1.600,00 para funcionárias brancas e R$ 5.000,00 para funcionárias negras, tendo apenas estas ultimas sido transportadas na caçapa da viatura policial e dormido por uma noite na penitenciaria de Vila Velha (ES). Resultado: delegada exonerada, respondendo a inquérito; acusação contra as funcionárias arquivadas;

c) Crime envolvendo o motoboy negro assassinado em São Paulo, no último mês de abril, com requintes de tortura, com transparência do Secretario de Segurança de São Paulo, afirmando a existência de tortura. Resultado: nove policiais militares presos;

d) O episódio dos jogadores ofendidos e de seus companheiros de profissão que foram indiciados por ofensas dirigidas em campo àqueles, aos quais chamaram de “macaco” ou “preto fedorento”, etc.

Este último destaque poderia levar ä equivocada idéia de que uma súbita onda de racismo assolou o país. Entretanto, o correto é entender que esses fatos, infelizmente sempre ocorreram. O dado novo - e de suma importância – para o qual o caso de Brasília aponta, é que há avanços inegáveis no encaminhamento dos problemas de natureza racial no Brasil, sendo os principais: uma melhor atenção dirigida à questão, tanto por parte do Estado, quanto da sociedade, que os repreende e não os aceita. Além de uma repercussão conseqüente nos veículos de comunicação, que buscam dar visibilidade a casos como este, em coberturas bem feitas, entre as quais, podemos dar como exemplo a realizada pelo próprio Correio Brasiliense, entre outros importantes veículos. Coberturas jornalísticas que buscaram se desviar dos sensacionalismos esvaziados de sentido público, dando voz aos envolvidos no fato, assim como a representantes da sociedade civil organizada devotados à defesa da igualdade racial no Brasil.

É certo que ainda falta muito para que, neste Treze de Maio, pudéssemos comemorar a instauração de uma verdadeira democracia racial em nosso país. Falta, inclusive, uma firme jurisprudência dos tribunais para tais casos. Mas estamos em bom caminho.

* Humberto Adami é Ouvidor da Secretaria da Igualdade Racial, da Presidência da República.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Boaventura, os estagiários de direito e a contra-revolução jurídica - por Humberto Adami

Há algum tempo venho chamando atenção para a falta de cuidado e empenho de setores chamados de "esquerda e progressistas" em tratar o campo da prática do Direito, como um dos mais importantes para a próximas lutas. Cheguei a chamar de "próximo tatame"( ver aqui) , numa alusão clara aos locais onde são praticadas as artes marciais, em especial o judô, arte com o qual tive certa intimidade, muitos e muitos anos atrás. O alerta do Prof. Boaventura Souza Santos, no artigo "A contra-revolução jurídica", na revista Carta Capital, desta semana, aponta nesta direção, sem que tal conclusão - investimento em estagiários de direito - passe pelo acurado exame do conceituado pensador. Aproveito boa parte de seu artigo, abaixo, que constata a situação, avançando, contudo, na proposta de imperiosa necessidade de aumentar a oferta de cursos de direito e estágios voltados para o exercício da advocacia, nestas áreas onde é precária a existência de advogados defendendo os interesses das populações vulneráveis, notadamente as vítimas de racismo e discriminação racial, individual ou coletivo. Invariávelmente sou acusado, pela frente ou pelas costas de "puxar brasa" para a minha sardinha, ou seja, a dos advogados. Ainda que involuntária, pode ser que tal acusação não seja de todo infundada, posto que tal sempre foi minha atividade profissional, mas não é isso que move a minha sensação que a importância de investimentos em tais futuros profissionais, estagiários no momento, posse levar a melhorar a posição dos vulneráveis na defesa judicial. A constatação pura e simples, como faz o prof. Boaventura Santos é ótima para que alguns setores se conscientizem da necessidade de alanvacamento dos chamados operadores do direito nessas questões. E superem a idéia anacronica de tudo se resolve pela opção política. Não se resolve, como vemos, e o artigo de Boaventura é excepcional em perceber isso, afastando ainda, a teoria da conspiração. É um fato. Nas delegacias de polícia, quase nunca se consegue lavrar o flagrante de racismo ou injúria racial, mesmo com advogados. Nas ações de discriminação racial no mercado de trabalho é incipiente a quantidade de tais profissionais, facilitando o trabalho de juízes conservadores, como aponta Boaventura. Não basta contudo constatar ou reclamar. Podemos apontar que as elites ou partidos como o Democratas tem se colocado contra tais avanços, usando as ferramentas disponíveis no Judiciário. Só não podemos esquecer que tais ações, e sua utilização são constitucionalmente previstas, de forma legal e democrática. O ministro Dias Toffoli, quando ainda Advogado Geral da União alertava sobre tal situação, asseverando que não adianta só reclamar da ação dos contrários aos avanços. Estão praticando o jogo democrático, e utilizando os meios disponíveis. Cabe aos outros - os favoráveis aos avanços - entre os quais me incluo, procurar a parcela de luta que lhe cabe, no sentido de usar as mesmas ferramentas, inclusive as disponíveis no campo judicial. Em recente Encontro dos Negros do PT, realizado de 14 a 17 de maio, em Brasília, convidado que fui a participar de mesa de movimentos sociais e avanços, pretendia realçar a necessidade dos partidos políticos, em especial os da base de sustentação política do Governo Federal, ingressando como amicus curiae - amigos da corte, uma forma de intervenção nos processos de discussão da constitucionalidade de dispositivos legais, em especial no STF. Por razões alheias a minha vontade de participar da mesa, não sendo filiado ao partido, tais propostas não puderam por mim ser apresentadas. Quero crer que caso os demais partidos políticos ingressassem nas lides, longe de partidarizar a discussão, no STF, a mobilização da s máquinas partidárias, e seus advogados, muito contribuiria para essa revolução e contra-revolução mencionada por Boaventura. A falta de atenção com tais demandas, e o protagonismo às avessas praticado pelos contrários aos avanços, é patente quando se observa que só agora, cinco anos depois do ajuizamento de muitas dessas demandas, os favoráveis pelos avanços, e mesmo os atingidos pelas demandas, começam a se movimentar em sua própria defesa, alguns casos em processos à porta do inicio dos julgamentos. È vital ter um acompanhamento permanente sobre tais ameaças, desde o inicio. Ainda na semana passada, na Reunião do JAPER - Joint Action Plan -Plano de Ação Conjunta Brasil/Estados Unidos para Eliminar a Discriminação Étnica e Racial, entre Brasil e Estados, que prevê ações em mão dupla sobre ações afirmativas, pude defender a vital necessidade de estagiários de direito e jovens advogados estarem encontrando oportunidade de se dedicar ao patrocínio de interesse de populações vulneráveis, que correm grandes riscos como aponta o artigo do Prof. Boaventura de Souza Santos em perderem direitos, por não terem conseguido ter o direito de defesa em tempo oportuno. Humberto Adami http://humbertoadami.blogspot.com/2010/05/boaventura-os-estagiarios-de-direito-e.html
Colunistas| 21/12/2009 | Copyleft

DEBATE ABERTO

A contra-revolução jurídica

Está em curso uma contra-revolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles. Trata-se de uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas.

Está em curso uma contra-revolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles. Entendo por contra-revolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições. Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência. A contra-revolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas. Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva. Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional. Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais, nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns. Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos. Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo. Terras indígenas e quilombolas A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista), uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais. Quanto a estas últimas, podem ser citadas as "cautelas" para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos "aldeamentos extintos", ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo. Criminalização do MST Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de dissolvê-lo, com o argumento de ser uma organização terrorista. E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento do movimento. A anistia dos torturadores na ditadura Está pendente no STF uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar. Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais. Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contra-revolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

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