terça-feira, 2 de setembro de 2014

Indenização aos cotistas de Cachoeira do Sul: um exemplo

Indenização aos cotistas de Canhoeira do Sul: um exemplo.
A decisão da nona câmara cível do TJ RJ, por força da exoneração de cotistas aprovados em concurso público, a partir da declaração de inconstitucionalidade da lei de cotas municipais. A condenação indenização de dano moral de um ano de salário vai ter recurso ao STJ. Abaixo a íntegra da decisão. 
Humberto Adami

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO LEGISLATIVO. LEI MUNICIPAL DECLARADA INCONSTITUCIONAL EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. COTAS RACIAIS. VÍCIO DE INICIATIVA. EXONERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS APROVADOS E NOMEADOS PARA OS CARGOS PÚBLICOS MUNICIPAIS EM CONCURSO REALIZADO NA VIGÊNCIA DA LEI INCONSTITUCIONAL. DANOS MORAIS. CARACTERIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO E DEMONSTRAÇÃO. LUCROS CESSANTES. DESCABIMENTO. EFEITO VINCULANTE DA DECISÃO QUE DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI NO ÂMBITO DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE.
1.    Preliminar de cerceamento de defesa. Rejeição. Indeferimento do pedido de depoimento pessoal de uma das partes por ela própria. Ausência de recurso. Preclusão. Descabimento, ainda, da pretensão, tendo em vista que a finalidade do depoimento pessoal é a obtenção da confissão da parte contrária.
2.    Preliminar de legitimidade passiva da Câmara dos Vereadores de Gravataí. Rejeição. Ente despersonalizado. Representação processual atribuída ao Município de Gravataí.
3.    Mérito. A doutrina mostra-se tranqüila no sentido de que o Estado tem o dever de reparar os danos advindos com a lei declarada inconstitucional. De outra parte, “Uma vez praticado pelo poder público um ato prejudicial que se baseou em lei que não é lei, responde ele por suas conseqüências” (STF, RE 21504/PE, Rel. Min. Cândido Motta, 1ª T., julgado em 15/05/1957). Precedente, ainda, desta Câmara em composição diversa.
4.    Inequívoca a responsabilidade do Município réu pelos danos alegados pelos autores, na forma do disposto no art. 37, §6º, da CF/88, pois falhou, seja no tocante ao controle prévio de constitucionalidade, necessariamente realizado no curso do processo legislativo, seja no encerramento deste, por ocasião da sanção da lei pelo chefe do Poder Executivo.
5.    Danos morais consubstanciados na frustração de expectativa legítima de permanência em uma situação determinada.
6.    Danos materiais não demonstrados e lucros cessantes indevidos.
7.    Sentença reformada em parte.

PRELIMINARES REJEITADAS E APELO PROVIDO EM PARTE.

Apelação Cível
Nona Câmara Cível
Nº 70060552783 (N° CNJ: 0247841-12.2014.8.21.7000)
Comarca de Cachoeira do Sul
ANDREIA DOS SANTOS E OUTROS
APELANTE
OBJETIVA CONCURSOS LTDA
APELADO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
APELADO
MUNICIPIO DE CACHOEIRA DO SUL
INTERESSADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar as preliminares e, por maioria, em dar provimento em parte ao apelo, vencida a Vogal.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE) E DES. MIGUEL ÂNGELO DA SILVA.
Porto Alegre, 27 de agosto de 2014.


DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Eugênio Facchini Neto (RELATOR)

Trata-se de apelo interposto por ANDREIA DOS SANTOS E OUTROS contrário à sentença de improcedência da ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada contra OBJETIVA CONCURSOS LTDA., ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e MUNICIPIO DE CACHOEIRA DO SUL.
Em suas razões (fls. 1175/1190), argúem preliminar de cerceamento de defesa por violação à ampla defesa e ao contraditório, pois indeferido o pedido de audiência para oitiva da autora Andréia dos Santos (fl. 1179). Por isso, requerem a nulidade do processo desde o indeferimento da prova testemunhal. Argúem a legitimidade passiva da Câmara Municipal (fl. 1182). No mérito, sustentam que o réu dispunha de todos os meios para verificar a inconstitucionalidade da lei e, ao sancioná-la, agiu com desídia (fl. 1185). Referem não lhes ter sido garantido o direito à defesa e ao contraditório no processo administrativo, tendo, seu afastamento, ocorrido única e exclusivamente por flagrante inconstitucionalidade da Lei 3550/04. Aduzem que a responsabilidade do réu é objetiva, na forma do art. 37, §6º, da CF. Afirmam que a lei inconstitucional danosa é para a maioria da doutrina a única causa aceitável de responsabilidade estatal por atos legislativos. Alegam que os demandantes inscreveram-se no concurso por ter o sonho de um emprego estável e foram aprovados, sendo que 1 ano e meio depois de estarem ocupando os cargos foram surpreendidos com a exoneração em razão da inconstitucionalidade da lei municipal (fl. 1188). Sustentam que o Estado responde por atos legislativos quando inconstitucionais ou, por sua falta de abstração e generalidade, vierem a causar danos a uma ou mais pessoas. Aduzem ter direito à reparação por todos os danos morais e materiais que sofreram. Requerem a desconstituição da sentença, o reconhecimento da legitimidade passiva da Câmara Municipal de Cachoeira do Sul ou a reforma da sentença, julgando-se procedente a pretensão.
Contra-razões a fls. 1193/1208 por parte da ré Objetiva Concursos Ltda., ressaltando a preclusão quanto à questão da sua ilegitimidade passiva, uma vez que não impugnada nas razões de apelo. Postula a confirmação da sentença no ponto e no mérito.
Contra-razões a fls. 1210/1211 por parte do réu Estado do Rio Grande do Sul, requerendo a confirmação da sentença.
Pronunciamento do Ministério Público junto à Câmara, opinando pela declinação da competência a uma das Câmaras de Direito Público.
Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 549, 551 e 552 do CPC, considerando a adoção do sistema informatizado. 
É o relatório.
VOTOS
Des. Eugênio Facchini Neto (RELATOR)
Eminentes Colegas.
Deixo de acolher a promoção ministerial, tendo em vista o entendimento que vem sendo reiteradamente manifestado por este Tribunal de Justiça no sentido de que as demandas em que há exclusivamente pedidos indenizatórios inserem-se na subclasse “Responsabilidade Civil”.
Apenas para exemplificar, cito o seguinte precedente:
DÚVIDA DE COMPETÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SERVIDOR PÚBLICO. ASSÉDIO MORAL. ENQUADRAMENTO DA DEMANDA NA SUBCLASSE “RESPONSABILIDADE CIVIL”. AUSENTE DEBATE SOBRE A QUESTÃO ESTATUTÁRIA. precedentes.
Tendo em vista que a demanda envolve, unicamente, pedido indenizatório deduzido por servidor público municipal, em razão de suposto assédio moral decorrente de “perseguição política”, inexistindo debate acerca da relação estatutária, impositivo o seu enquadramento na subclasse “responsabilidade civil”.
DÚVIDA DE COMPETÊNCIA DESACOLHIDA.
(Dúvida de Competência suscitada nos autos do                           processo nº 70056192321, julgada em 11/02/2014)

No caso, os autores requerem exclusivamente a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos morais e materiais que sofreram em razão da sua exoneração dos cargos públicos que ocupavam. À luz do entendimento atualmente manifestado, portanto, trata-se de matéria afeta à responsabilidade civil.
Dito isso, passo à análise da pretensão recursal.
Não prospera a preliminar de cerceamento de defesa.
Primeiro, porque as partes foram regularmente intimadas do indeferimento do pedido de oitiva de uma das autoras (fls. 1159/1160) por meio da decisão da fl. 1163, através da nota de expediente nº 69/2013, disponibilizada no Diário da Justiça Eletrônico do dia 05/03/2013 (fl. 1164). No entanto, não houve interposição de recurso no prazo legal (fl. 1165).
A questão acerca da prova pretendida, portanto, restou preclusa.
Segundo, porque, de fato, a “testemunha” pretendida ouvir é uma das autoras. Trata-se de pretensão que, como bem referiu o magistrado de origem, encontra óbice no disposto nos arts. 342 e 343 do CPC. Além disso, encontra óbice na própria finalidade desse tipo de prova: obter a confissão da parte acerca dos fatos controvertidos
Rejeito, portanto, a preliminar.
Merece rejeição, igualmente, a preliminar de legitimidade passiva da Câmara Municipal de Cachoeira do Sul. Consoante bem referiu o juízo de origem ao sentenciar (fl. 1168v),
a Câmara Municipal de Vereadores somente possui legitimidade judiciária, o que lhe confere capacidade para a defesa de interesses afetos as suas prerrogativas institucionais, o que não é o caso dos autos.
“Assim, a Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, sendo o Município seu detentor, a quem compete sua representação.
“A respeito, transcrevo as seguintes ementas:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE PEDIDO DE DIREITO DE RESPOSTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CÂMARA DE VEREADORES. EXTINÇÃO DO FEITO. A Câmara Municipal de Vereadores não detém personalidade jurídica, sendo, apenas, detentora de personalidade judiciária, o que lhe confere capacidade para a defesa de interesses afetos as suas prerrogativas institucionais, o que não é o caso dos autos. Hipótese em que, não há falar em prerrogativas institucionais, pois pretende o demandante obter direito de resposta a críticas formuladas por vereadores em programa de rádio. Sentença mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70057786808, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 19/12/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULO CUMULADA COM SUSTAÇÃO DE PROTESTO. SUPOSTA COMPRA DE UM ARMÁRIO. ILEGITIMIDADE ATIVA DA CÂMARA DE VEREADORES DE ESMERALDA PARA A PRESENTE AÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO. A Câmara de Vereadores não tem personalidade jurídica, possuindo capacidade judiciária exclusivamente para a defesa de suas questões institucionais, o que não é o caso dos autos, visto que não se está discutindo qualquer questão relativa a interesse institucional do Legislativo local, mas sim a suposta compra de um armário. JULGARAM EXTINTO O FEITO. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70054444310, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 04/12/2013)
(...)”.

Rejeitadas as preliminares, passo à análise do mérito da pretensão, já adiantando que o meu voto é pela procedência parcial da pretensão.
Consoante referi brevemente no início do voto, os autores pretendem a condenação do Município de Cachoeira do Sul ao pagamento de indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes. Todos os dezoito requerentes inscreveram-se e foram aprovados no concurso realizado pelo réu no ano de 2007 (edital a fls. 264/276), quando em vigor a Lei Municipal nº 3.550/2004, que instituiu a reserva, a afrodescendentes, de 30% das vagas oferecidas em concursos públicos realizados pelo Poder Público Municipal (fls. 224/225).
Este Tribunal de Justiça, através do Órgão Especial, em sessão realizada dia28/09/2009, julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70029963311, declarando a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.550/2004 por vício de iniciativa (fls. 322/330).
Diante disso, o Ministério Público do Estado instaurou o inquérito civil nº 00728.00024/2010, no qual, em 23/07/2010, o Município de Cachoeira do Sul firmou Termo de Ajustamento de Conduta (fls. 209/213), comprometendo-se, dentre outros, a promover os trâmites necessários à exoneração dos servidores nomeados no Concurso Público nº 1156/2007 com base na lei declarada inconstitucional, “conforme os que estejam em não obediência à ordem de classificação geral e final de resultado, devidamente incluídas as vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais” (fl. 211).
Assim, em 22/10/2010, foi publicada a súmula das portarias de exoneração dos autores (fl. 202), os quais, em virtude disso, ajuizaram a presente ação indenizatória em 20/12/2010.
Pois bem.
A hipótese dos autos versa sobre responsabilidade civil do Estado por ato legislativo.
Acerca do tema, a doutrina mostra-se tranqüila no sentido de que o Estado tem o dever de reparar os danos advindos com a lei posteriormente declarada inconstitucional. É o que se depreende da lição de Maria Emília Mendes Alcântara[1], especialmente quando explica o surgimento do direito à reparação no caso de particulares terem sido especialmente atingidos por lei declarada inconstitucional, situação em que a “especialidade e anormalidade do dano (...) já decorrem do próprio ato inconstitucional”.
Da mesma forma, afirma Sérgio Cavalieri Filho[2] que “Lei nula que é, por não encontrar na Constituição a sua base de validade, não atinge direitos subjetivos de quem quer que seja, nem produz efeitos concretos, enquanto não for aplicada. Passível de reparação será, então, o ato administrativo que deu aplicação à lei, uma vez reconhecida pelo Judiciário a sua inconstitucionalidade. Quando a Justiça reconhece a inconstitucionalidade de uma lei, está, ipso facto, proclamando que o legislador agiu de forma errônea. E, se os efeitos da lei inconstitucional provocarem prejuízo ao administrado, deve a pessoa federativa responsável pela promulgação (União, Estado ou Município) ser civilmente responsabilizada pelo ressarcimento do dano daí decorrente”.
Essas mesmas conclusões podem ser extraídas da obra de Júlio César dos Santos Esteves[3], segundo o qual “Também da inconstitucionalidade formal do ato legislativo pode resultar o dever de ressarcimento”, salvo quando “possa o Estado imprimir, mediante lei nova e formalmente válida, os mesmos efeitos da lei anteriormente increpada”. No caso, essa possibilidade aventada pelo autor não ocorreu. Isso porque, conferindo efetividade à decisão judicial que reconheceu a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.550/04, como mencionado anteriormente, o Município requerido promoveu a exoneração de todos os servidores aprovados no concurso público em virtude das cotas raciais.
É perfeitamente aplicável aqui, portanto, o entendimento doutrinário.
Também é esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que já em 1957 decidiu que “uma vez praticado pelo poder público um ato prejudicial que se baseou em lei que não é lei, responde ele por suas conseqüências” (RE 21504/PE, Rel. Min. Cândido Motta, 1ª T., julgado em 15/05/1957).
Esta Câmara, por sua vez, em composição diversa, também se pronunciou no sentido da responsabilidade civil do Estado por ato legislativo em precedente assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO POR ATOS LEGISLATIVOS. LEI DECLARADA INCONSTITUCIONAL. PERMISSÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. MOTOTÁXI. DEVER DE INDENIZAR. - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO POR ATOS LEGISLATIVOS - LEI MUNICIPAL INCONSTITUCIONAL - Tratando de responsabilidade civil do Estado por atos legislativos, consistente em lei declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário é necessário que a comprovação do nexo causal entre a lei inconstitucional e o dano ocorrido. Hipótese na qual a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal, que regulamentava os serviços de transporte individual de passageiros denominado mototáxi, causou danos de ordem patrimonial e extrapatrimonial ao autor que com o município demandado firmou contrato individual de permissão dos serviços de transporte, após ter preenchido todos os requisitos exigidos na licitação. Rescisão do contrato que repercutiu significativamente na vida cotidiana do autor. Dano existencial configurado. Nexo causal entre o dano e a lei municipal inconstitucional. - DANOS PATRIMONIAIS - Não é devida a quantia relativa aos juros do financiamento para a compra da motocicleta, porque não constitui dano ao autor, mas, sim, acréscimo ao seu patrimônio, em razão de ter adquirido um veículo zero quilômetro. Devida a despesa pela pintura do veículo para atender o requisito do decreto regulamentador, com a ressalva de que tal valor não diz respeito à depreciação do bem. Igualmente devida a importância concernente ao pagamento de todas as despesas relativas à regulamentação e legalização para a atividade de mototaxista. Pedido de dano patrimonial em parte procedente. - DANOS EXTRAPATRIMONAIS - Os danos extrapatrimoniais também se referem à esfera existencial da pessoa humana, impondo-se o dever de indenizar quando houver ofensa aos direitos da personalidade. Compreensão a partir do artigo 1º, III, CF, princípio da dignidade da pessoa humana. - QUANTUM DA REPARAÇÃO - O valor da indenização deve ser suficiente para atenuar as conseqüências da violação dos bens jurídicos em jogo, sem significar enriquecimento sem causa. APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70040239352, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 27/06/2012) Grifei.

Tenho, pois, como inequívoca a responsabilidade do Município réu pelos danos alegados pelos autores, na forma do disposto no art. 37, §6º, da CF/88. De fato, houve falha por parte do Poder Público Municipal, seja no tocante ao controle prévio de constitucionalidade, necessariamente realizado no curso do processo legislativo, seja no encerramento deste, por ocasião da sanção da lei pelo chefe do Poder Executivo.
Por sua vez, após sancionar a Lei n 3.550/04, o Município realizou concurso público, destinando vagas reservadas a candidatos afrodescendentes. Seguindo o curso natural e regulamentar do concurso, os autores foram aprovados, nomeados e empossados nos respectivos cargos.
Tudo isso gerou nos demandantes não apenas presunção de que estavam sendo submetidos a um processo seletivo dotado de segurança, correção e adequação próprios dos atos praticados pela Administração Pública (os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade), como gerou a expectativa de que obteriam a estabilidade advinda dos cargos submetidos ao regime jurídico estatutário, caso preenchidos os requisitos para tanto.
Não há dúvida acerca da legitimidade dessa expectativa, porquanto a regra é o servidor público ser efetivado. A exceção, por sua vez, ocorre por ato a que o próprio servidor deu causa. Na hipótese, notadamente não foram os autores quem deram causa à exoneração um ano e meio após sua nomeação. Ao contrário, os atos praticados por eles foram absolutamente legítimos.
Por outro lado, essa expectativa restou frustrada com a exoneração em razão do reconhecimento judicial da inconstitucionalidade da lei municipal que instituiu as cotas raciais. Exoneração cuja regularidade é inquestionável, na medida em que a declaração de inconstitucionalidade da lei tem efetivamente como regra efeito ex tunc e, portanto, autorizada estava a medida adotada pelo réu. A falha do Município ocorreu, portanto, em momento anterior, conforme já exposto, e dela decorreram danos morais, cujo reconhecimento faz-se imperioso também como forma de conferir efetividade ao princípio da confiança.
Na inicial, os requerentes relatam ter abandonado projetos para assumir o cargo público para o qual foram aprovados. Referem ter contraído empréstimos, feito planos, sentido dor e angústia decorrentes da “dispensa arbitrária” do serviço público por “desídia da administração pública” (fls. 11/13 e 25). Efetivamente, não se questiona o abalo sofrido pelos autores, que perderam seu trabalho – no qual acreditavam iriam adquirir estabilidade – vendo-se privados das benesses conquistadas após processo seletivo que culminou com a aprovação em concurso público. Não se duvida do sentimento de impotência, de desamparo, de perplexidade diante de circunstância tão grave e com implicações tão amplas na vida de um cidadão. O dano moral, aqui, dispensa prova outra, sendo presumido, in re ipsa. Qualquer pessoa que estivesse na mesma situação dos autores sentir-se-ia da mesma forma.
Afora isso, não visualizo lesão a direitos da personalidade dos requerentes, inclusive porque a situação, apesar de inquestionavelmente ter atingido a sua esfera pessoal, não está apta a causar-lhes embaraços a ponto de justificar tenham se sentido envergonhados perante vizinhos e parentes, circunstância referida na inicial (fl. 7).
Quanto ao valor da indenização por danos morais, é sabido inexistir consenso doutrinário e jurisprudencial, pois não há parâmetros consolidados, cabendo a cada julgador fixar o montante adequado ao caso concreto, considerando suas particularidades.
Na hipótese, considerando que o dano consubstanciou-se na frustração de expectativa legítima de permanência em uma situação determinada, soa razoável definir o valor da indenização por danos morais, para cada autor, no valor equivalente a 12 (doze) meses de remuneração bruta a que fazia jus na época da exoneração (21/09/2010). Trata-se de quantia suficiente para compensar o prejuízo de cada um, proporcional à realidade vivida enquanto servidor público municipal, sem, contudo, ensejar enriquecimento ilícito. Está-se considerando, também, o tempo transcorrido entre a declaração de inconstitucionalidade da lei (28/09/2009) e a exoneração dos autores (21/09/2010), pois durante esse período houve ostensiva publicação de reportagens jornalísticas noticiando como provável conseqüência a exoneração dos servidores aprovados através das cotas raciais (fls. 229/249). Além disso, cumpre a função punitiva-educativa, estimulando o ente público a proceder com maior cautela e responsabilidade.
Quanto aos consectários legais:
A correção monetária incide a conta da data deste julgamento, nos termos da Súmula 362 do STJ, e os juros de mora desde a data do ilícito (falha do atendimento, ocorrida em 27/03/2008), por aplicação do disposto no art. 398 do CCB.
Acerca dos índices aplicáveis, em se tratando de condenação contra a Fazenda Pública, deve-se observar conjuntamente o disposto na Lei Federal nº 9.494/97, o resultado do julgamento proferido pelo STF na ADIn 4.357/DF, bem como o entendimento jurisprudencial  que veio a se consolidar no âmbito do STJ, após tal ADIn, especialmente o Recursos Especiais sujeitos à sistemática do art. 543-C, do CPC e da Resolução STJ n. 08/2008 (Recursos Repetitivos), quais sejam os Recursos Especiais n. 1.356.120/RS, julgado em 14.08.13, e n. 1.270.439/PR, julgado em 02.08.13.
De acordo com tais entendimentos, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, por entender que a taxa básica de remuneração da poupança não tem por objetivo refletir a inflação acumulada e, portanto, não pode servir de parâmetro para a correção monetária a ser aplicada aos débitos da Fazenda Pública.
A declaração de inconstitucionalidade parcial por arrastamento do art. 5º da Lei 11.960/09, assim, impôs um desmembramento entre os juros de mora (que continuaram regidos pela regra do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/09, ou seja, com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança) e a correção monetária (que passou a ser calculada pelo IPCA, índice mais amplo que o IPC e que melhor reflete a inflação acumulada do período, segundo orientação do STF e STJ).
Já quanto ao termo inicial dos juros moratórios, também segundo entendimento do STJ, eles não tiveram seu termo inicial modificado pela sistemática imposta no art. 1º-F da lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09. Portanto, o termo inicial da fluência dos juros moratórios se dá com a citação inicial, quando se trata de descumprimento de obrigações contratuais ou legais (art. 405 do CC e art. 219 do CPC), ou a partir da data do evento danoso, quando se tratar de responsabilidade por ato ilícito, nos termos do art. 398 do CC.
O entendimento acima esposado baseia-se, como dito, nos Recursos Especiais julgados pela Primeira Seção do STJ, pelo rito dos recursos repetitivos, n. 1.356.120/RS e 1.270.439/PR, abaixo reproduzidos.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.356.120 -RS (Relator : Min. CASTRO MEIRA, j. em 14.08.13)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ Nº 8/2008. SERVIDOR PÚBLICO. VERBAS REMUNERATÓRIAS DEVIDAS PELA FAZENDA PÚBLICA. LEI 11.960/09, QUE ALTEROU O ARTIGO 1º-F DA LEI 9.494/97. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. ART. 219 DO CPC. CITAÇÃO.

1. A regra do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/09, nada dispôs a respeito do termo inicial dos juros moratórios incidentes sobre obrigações ilíquidas, que continuou regido pelos arts. 219 do CPC e 405 do Código Civil de 2002.
2. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 8/2008.

No corpo do acórdão, constam as seguintes passagens, que condensam o que foi efetivamente julgado:

"No caso concreto, como a condenação imposta à Fazenda não ostenta feição tributária – o crédito reclamado é de natureza administrativa e tem origem na pretensão de incorporar a gratificação de unidocência prevista na Lei 8.747/88 –, os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei 9.494/99, com redação da Lei 11.960/09.
Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09, deverá ser aferida com base no IPCA, índice mais amplo que o IPC e que melhor reflete a inflação acumulada do período.
A declaração de inconstitucionalidade parcial por arrastamento do art. 5º da Lei 11.960/09 impôs um desmembramento entre os juros de mora (que continuaram regidos pela regra do art. 1º-F da Lei 9.494/97) e a correção monetária (que passou a ser calculada pelo IPCA).
Portanto, deve ser referendado o argumento, defendido pela Min. Laurita Vaz no recurso especial representativo de controvérsia nº 1.205.946/SP, de que os juros moratórios não tiveram seu termo inicial modificado pela sistemática imposta no art. 1º-F da lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09.
Assim, o acórdão recorrido deve ser reformado para que: a) os juros moratórios, regidos pelo art. 1º-F da Lei 9.494/97, incidam desde a citação, nos termos do art. 219 do CPC; e b) a correção monetária, calculada com base no IPCA, incida desde o evento lesivo, vale dizer, do pagamento devido não realizado."


RECURSO ESPECIAL Nº 1.270.439 - PR (Rel. Min. CASTRO MEIRA, j. em 26 de junho de 2013)

VERBAS REMUNERATÓRIAS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DEVIDOS PELA FAZENDA PÚBLICA. LEI 11.960/09, QUE ALTEROU O ARTIGO 1º-F DA LEI 9.494/97. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL POR ARRASTAMENTO (ADIN 4.357/DF).
(...)
12. O art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação conferida pela Lei 11.960/2009, que trouxe novo regramento para a atualização monetária e juros devidos pela Fazenda Pública, deve ser aplicado, de imediato, aos processos em andamento, sem, contudo, retroagir a período anterior a sua vigência.
13. "Assim, os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09 devem observar os critérios de atualização (correção monetária e juros) nela disciplinados, enquanto vigorarem. Por outro lado, no período anterior, tais acessórios deverão seguir os parâmetros definidos pela legislação então vigente" (REsp 1.205.946/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Corte Especial, DJe 2.2.12).
14. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, ao examinar a ADIn 4.357/DF, Rel. Min. Ayres Britto.
15. A Suprema Corte declarou inconstitucional a expressão "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança"contida no § 12 do art. 100 da CF/88. Assim entendeu porque a taxa básica de remuneração da poupança não mede a inflação acumulada do período e, portanto, não pode servir de parâmetro para acorreção monetária a ser aplicada aos débitos da Fazenda Pública.
16. Igualmente reconheceu a inconstitucionalidade da expressão "independentemente de sua natureza" quando os débitos fazendários ostentarem natureza tributária. Isso porque, quando credora a Fazenda de dívida de natureza tributária, incidem os juros pela taxa SELIC como compensação pela mora, devendo esse mesmo índice, por força do princípio da equidade, ser aplicado quando for ela devedora nas repetições de indébito tributário.
17. Como o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09, praticamente reproduz a norma do § 12 do art. 100 da CF/88, o Supremo declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, desse dispositivo legal.
18. Em virtude da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09: (a) a correção monetária das dívidas fazendárias deve observar índices que reflitam a inflação acumulada do período, a ela não se aplicando os índices de remuneração básica da caderneta de poupança; e (b) os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para as quais prevalecerão as regras específicas.
19. O Relator da ADIn no Supremo, Min. Ayres Britto, não especificou qual deveria ser o índice de correção monetária adotado. Todavia, há importante referência no voto vista do Min. Luiz Fux, quando Sua Excelência aponta para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que ora se adota.
20. No caso concreto, como a condenação imposta à Fazenda não é de natureza tributária – o crédito reclamado tem origem na incorporação de quintos pelo exercício de função de confiança entre abril de 1998 e setembro de 2001 –, os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período.
21. Recurso especial provido em parte. Acórdão sujeito à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008.

Esse entendimento vem sendo mantido pelo E. STJ mesmo nos seus mais recentes julgamentos, como é o caso do AgRg no REsp 1.382.625/PR, relatado pelo Min. Hermann Benjamin, julgado em 11.2.2014, em cuja ementa constam as seguintes afirmações:

"4. A Primeira Seção do STJ, alinhando-se à orientação do STF, no julgamento do REsp 1.270.439/PR, sob o rito dos recursos especiais repetitivos (art. 543-C do CPC), estabeleceu que, a partir da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/2009, a) "a correção monetária das dívidas fazendárias deve observar índices que reflitam a inflação acumulada do período, a ela não se aplicando os índices de remuneração básica da caderneta de poupança"; b) "os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para a qual prevalecerão as regras específicas" (REsp 1.270.439/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 2.8.2013).
5. No caso dos autos, como a condenação imposta à agravante é de natureza não tributária, os juros moratórios devem ser calculados com base nos juros que recaem sobre a caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei 9.494/1999, com redação dada pela Lei 11.960/2009. Por sua vez, a correção monetária deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período."

No mesmo sentido, o AgRg no AREsp n. 288.026/MG, julgado em 11.2.14, relatado pelo Min. Humberto Martins:

"3. A Primeira Seção, por unanimidade, na ocasião do julgamento do Recurso Especial repetitivo 1.270.439/PR, assentou que, nas condenações impostas à Fazenda Pública de natureza não tributária, os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação da Lei n. 11.960/09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei n. 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período."

Poder-se-iam citar, no mesmo sentido, ainda o AgRg no AREsp n. 130.573/BA, j. em 18.2.14, e o EDcl nos EDcl no REsp 1.362.829/RS, j. em 20.2.14, dentre inúmeros outros precedentes.
Relativamente aos danos materiais e lucros cessantes, pondero de forma diversa.
Todo dano material deve ser não apenas alegado, mas demonstrado. No caso, a petição inicial sequer especifica no que teriam consistido tais danos materiais, inclusive atribui ao juízo a tarefa de quantificá-los (fl. 38). Por isso, torna-se imperioso o juízo de improcedência da pretensão.
No que diz respeito aos lucros cessantes, segundo os autores, são devidos por terem sido exonerados em virtude de um termo de ajustamento de conduta, e não de decisão judicial (fl. 39). Sustentam, assim, que lhes seriam devidos os salários correspondentes à permanência dos seus cargos até decisão final determinando a sua exoneração (fl. 40).
Sem razão também quanto a essa pretensão.
É que nos termos do art. 102, §2º, da Constituição Federal, “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculanterelativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Também o parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/99 prevê o efeito vinculante das decisões proferidas em sede de controle abstrato. Tais normas aplicam-se por analogia ao controle de constitucionalidade concentrado exercido no âmbito estadual, inclusive em atenção ao princípio da simetria.
Bastava, portanto, à administração pública federal, realizar o procedimento administrativo correspondente, exatamente como procedeu, no caso, em cumprimento ao termo de ajustamento de conduta (fl. 211).
Para mais disso, a questão da regularidade do termo de ajustamento de conduta firmado entre o réu e o Ministério Público Estadual foi resolvida nos autos da ação civil pública movida pela Defensoria Pública do Estado, com a intenção de manter os beneficiados com a reserva de vagas por cotas raciais em seus respectivos cargos (processo nº 006/1100003636-0). Referida ação foi julgada improcedente, tendo em vista a impossibilidade de aplicar dispositivo de lei declarada inconstitucional em decisão judicial que não restringiu temporalmente os seus efeitos.
Resta assente, portanto, que os demandantes não tinham o direito de permanecer em seus cargos até sentença proferida em processo judicial que determinasse a sua exoneração, com o que não há falar nos lucros cessantes postulados.

Ante o exposto, REJEITO as preliminares e DOU PROVIMENTO EM PARTE ao apelo, a fim de julgar procedente em parte a pretensão, para condenar o réu a pagar indenização por danos morais a cada autor no valor equivalente a 12 (doze) vezes a remuneração bruta que lhe era devida à época da exoneração (considerado o mês “cheio”). Referidos valores serão atualizados monetariamente pelo IPCA, desde a data deste julgamento, e sofrerão a incidência de juros moratórios, com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, desde a data do evento danoso (21/09/2010). Em conseqüência, atribuo os ônus da sucumbência a ambas as partes, na proporção de 30% aos autores e 70% ao réu, e fixo honorários advocatícios em R$ 3.000,00, observada a proporção da sucumbência e admitida a compensação (STJ, súmula 306). Além disso, suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais relativamente aos autores, eis que beneficiários da gratuidade judiciária. Por fim, as custas devidas pelo Município o são pela metade, nos termos do art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985[4] (segundo o qual incumbe à Fazenda Pública o pagamento pela metade dos emolumentos dos processos em que for vencida ou em que a parte vencida for beneficiária da gratuidade judiciária), já que a nova redação introduzida pela Lei Estadual n° 13.471/2010 foi considerada inconstitucional (Arguição de Inconstitucionalidade n° 70041334053[5]).
É o voto.



Des. Miguel Ângelo da Silva (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE)
Colegas,
Inicialmente quanto à questão da competência para o julgamento do presente feito, data vênia, penso que não seria nossa, desta 9ª Câmra Cível, porquanto o pedido inicial é o que direciona a competência, e ao que vislumbrei na exordial consta pedido de reingresso de servidora ao quadro de servidores municipais. Assim, ainda que a matéria devolvida à esta Corte não verse também sobre o pedido de reintegração do cargo público, este constou na inicial, o que ao meu ver, repito, direciona o julgamento para as Câmaras integrantes do 2ª Grupo Cível.
De qualquer sorte, em prestígio ao minucioso voto e apreciação detalhada da controvérisa, adentro ao mérito e estou acompanhando o Voto Condutor no que diz com o desfecho de mérito do caso, contudo, conforme é de conhecimento dos Colegas, divirjo da aplicação da Lei nº 11.960/2009, entendimento que venho manifestando em todos os casos que envolvem a Fazenda Pública.
É que revisando posicionamento anterior, deixo de aplicar o art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, tendo em vista que o plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do aludido comando normativo, nos termos do julgamento da ADI 4425/DF:
INFORMATIVO Nº 698
TÍTULO
Precatório: regime especial e EC 62/2009 - 20
PROCESSO
ADI ADI 4425/DF, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13 e 14.3.2013. (ADI-4425) - 4357
ARTIGO
Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ações diretas, propostas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e pela Confederação Nacional das Indústrias - CNI, para declarar a inconstitucionalidade: a) da expressão “na data de expedição do precatório”, contida no § 2º do art. 100 da CF; b) dos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF; c) da expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, constante do § 12 do art. 100 da CF, do inciso II do § 1º e do § 16, ambos do art. 97 do ADCT; d) do fraseado “independentemente de sua natureza”, inserido no § 12 do art. 100 da CF, para que aos precatórios de natureza tributária se apliquem os mesmos juros de mora incidentes sobre o crédito tributário; e) por arrastamento, do art. 5º da Lei 11.960/2009; e f) do § 15 do art. 100 da CF e de todo o art. 97 do ADCT (especificamente o caput e os §§ 1º, 2º, 4º, 6º, 8º, 9º, 14 e 15, sendo os demais por arrastamento ou reverberação normativa) — v. Informativos 631, 643 e 697. ADI 4357/DF, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13 e 14.3.2013. (ADI-4357)

Nesse sentido já se manifestou esta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 557 DO CPC. AÇÃO ACIDENTÁRIA. INSS. PROCESSO CIVIL. INTERESSE DE AGIR. O fato do INSS proceder na via administrativa a revisão da RMI não afasta o direito de ação do segurado de proceder a revisão judicial da forma de cálculo do benefício para adequação as disposições da Lei de Benefícios. Ainda que tenha sido homologado acordo, em que se compromete o INSS a efetuar a devida revisão nos benefícios em que couber, a implementação efetiva dessa revisão não foi contundentemente comprovada, podendo ser observado, no máximo, o reconhecimento do pedido da parte autora por parte da Previdência Social. APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.960/2009. CONSECTÁRIOS LEGAIS. MODIFICAÇÃO DE POSICIONAMENTO. O Supremo Tribunal Federal via controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, que normatizava a incidência dos consectários legais aplicáveis sobre as condenações da Fazenda Pública (ADI 4425/DF). In concreto, não houve a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, sendo de rigor reconhecer que os efeitos da declaração da Corte Constitucional atingem a todos, bem como retroage à data em que a lei entrou em vigor, vinculando, ainda, os demais órgãos do Poder Judiciário. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente pelo IGP-DI até março de 2006 (Lei nº 9.711/1998) e pelo INPC a partir de abril/2006, nos termos do art. 41-A, da Lei 8.213/1991, desde quando deveriam ter sido pagas, e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação. Precedentes desta Corte e STJ. VERBA HONORÁRIA. ISENÇÃO DE CUSTAS. Não obstante a irresignação do INSS quanto à necessidade de aplicação da Súmula 111 do STJ e de isenção do pagamento das custas processuais, não há interesse recursal da Autarquia previdenciária, no particular, haja vista que a douta sentença é convergente com a pretensão recursal. REVISÃO DE RENDA MENSAL INICIAL - RMI. AUXÍLIO DOENÇA POR ACIDENTE DO TRABALHO. Tanto para os segurados já inscritos na Previdência Social à época da vigência da Lei nº 9.876/1999, quanto para aqueles que se filiaram depois, é pertinente a aplicação da mesma forma de cálculo, qual seja, aquela prevista no art. 29, inciso II, da Lei nº 8.213/1991 (cálculo do salário de benefício com base na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994). Precedentes do TJRS. APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EXTENSÃO CONHECIDA, NEGADO PROVIMENTO. SENTENÇA PARCIALMENTE MODIFICADA EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação Cível Nº 70054826250, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 28/06/2013)

Nesse contexto, afasto a aplicação dos consectários legais previstos no art. 5º da Lei nº 11.960/2009
Dessa forma, sobre o montante reparatório deverá incidir correção monetária pelo IGP-M, a contar desta data, nos termos da Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça, bem como juros de mora de 1% ao mês desde a data de ocorrência do evento danoso, no caso data da exoneração dos servidores (22.10.2010), conforme dispõe a Súmula 54 também do Superior Tribunal de Justiça.
É como voto.



DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70060552783, Comarca de Cachoeira do Sul: "À UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES E, POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO EM PARTE AO APELO, VENCIDA A VOGAL."


Julgador(a) de 1º Grau: AFONCO CARLOS BIERHALS



[1] Responsabilidade do Estado por Atos Legislativos e Jurisdicionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 68.
[2] Programa de Responsabilidade Civil, 10ª Ed. São Paulo: Atlas, p. 299.
[3] Responsabilidade Civil do Estado por Ato Legislativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 249.

[4] Art. 11 – Os emolumentos serão pagos por metade pela Fazendo Pública:
a) nos feitos cíveis em que essa for vencida;
(...)
c) nos feitos em que for concedido o benefício da justiça gratuita e vencido o beneficiário.  
[5] INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL Nº 13.471/2010. CUSTAS, DESPESAS PROCESSUAIS E EMOLUMENTOS. ISENÇÃO DE PAGAMENTO PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO. MATÉRIA RELATIVA ÀS DESPESAS PROCESSUAIS JÁ APRECIADA PELO ÓRGÃO ESPECIAL, VIA CONTROLE CONCENTRADO. CUSTAS E EMOLUMENTOS. POSSIBILIDADE DE ENFRENTAMENTO DA MATÉRIA EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO. ESPÉCIE TRIBUTÁRIA DE TAXA. EXISTÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. INICIATIVA EXCLUSIVA DO PODER JUDICIÁRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. ART. 98, § 2º, E ART. 99 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Versando a discussão sobre a constitucionalidade da Lei Estadual nº 13.471/2010, que dispensou as pessoas jurídicas de direito público do pagamento das custas, despesas processuais e emolumentos, questão - no tocante às despesas processuais - já apreciada por este Órgão Especial em ação direta de inconstitucionalidade, resta prejudicado, em parte, o presente feito. Incidente suscitado em data anterior ao julgamento da Adin nº 70038755864. Art. 481, parágrafo único, do CPC. Precedentes. 2. Tendo em vista a nova realidade constitucional, com a consagração da autonomia financeira do Poder Judiciário na Constituição Federal de 1988, através da Emenda Constitucional nº 45/2004, direcionadas as receitas de custas e emolumentos integral e exclusivamente para o custeio dos serviços judiciários (art. 98, § 2º, da Constituição Federal), a Lei Estadual nº 13.471/2010 contém insuperável vício de inconstitucionalidade ante a usurpação, pelo Poder Executivo, da reserva de iniciativa exclusiva do Poder Judiciário. 3. Proclamada, incidenter tantum, a inconstitucionalidade formal da Lei Estadual nº 13.471, de 23/06/2010, com apoio no art. 97 da CF. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, JULGADO PROCEDENTE, EM VOTAÇÃO MAJORITÁRIA.
(Incidente de Inconstitucionalidade nº 70041334053, Tribunal Pleno TJRS, Relª. Originária  Desª. Isabel Dias Almeida, julgado em 04/06/2012)


FONTE: BLOG DO HUMBERTO ADAMI






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COTISTAS SERÃO DEMITIDOS DA PREFEITURAhttp://humbertoadami.blogspot.com.br/2011/10/os-afro-de-cachoeira-do-sul.html
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