segunda-feira, 4 de abril de 2011

O PAPEL FUNDAMENTAL DO ADVOGADO NA APLICAÇÃO DA JUSTIÇA AMBIENTAL E NO COMBATE AO RACISMO AMBIENTAL HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR e FLAVIA TAVARES ROCHA LOURES


__________________________ 2. DOUTRINA NACIONAL______________________




2.5

O PAPEL FUNDAMENTAL DO ADVOGADO
NA APLICAÇÃO DA JUSTIÇA AMBIENTAL
E NO COMBATE AO RACISMO AMBIENTAL

HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR
FLAVIA TAVARES ROCHA LOURES


SUMÁRIO: l. Direito ambiental brasileiro e a efetividade das normas jurídi­cas pertinentes - 2. Desenvolvimento sustentável e justiça ambiental - 3. Ad­vocacia ambiental - 4. Ética, direito e justiça ambiental - 5. Fundamentos dos conceitos de justiça e de racismo ambientais. Dados concretos demonstrati­vos - 6. O Movimento por Justiça Ambiental - 7. Os estudos de Robert D. Bullard - 8. O racismo ambiental no Brasil, segundo Henri Acselrad - 9. A sociedade civil organizada por justiça ambiental - 10. Exemplos de êxito do movimento -11. O Aterro de Gramacho - 12. Conclusões - Bibliografia.

l. Direito ambiental brasileiro e a efetividade das normas jurídicas perti­nentes
A Constituição Federal de 1988 se destacou por haver sido no Brasil a primeira a dedicar um capítulo inteiro à tutela do meio ambiente, tomado este, em seu art. 225, caput, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se, tanto ao Poder Público como à coletividade, o dever de preservá-lo e defendê-lo, para as presentes e futuras gerações.
Os institutos e princípios consagrados nos parágrafos do art. 225 da CF estão explicitados e regulamentados em legislação infraconstitucional. Esta, como se sabe, é vasta e bastante avançada no ordenamento jurídico pátrio. 1
  A isso hão que se acrescentar os demais textos legais pertinentes à matéria e aplicáveis em todo o território brasileiro, a legislação ambiental estadual e muni-



(1) Interessante mencionar, nesse sentido, as Leis 6.938, de 31.08.1981 (Política Nacio­nal do Meio Ambiente), 9.605, de 12.02.1998 (Lei de Crimes Ambientais), 8.974, de 05.01.1995 (Lei de Biossegurança), 9.985, de 18.06.2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza), 7.802, de 11.07.1989 (Lei de Agrotóxicos), 9.795, de 27.04.1999 (Sistema Nacional de Educação Ambiental), 9.433, de 08.01.1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos), 4.771, de 15.09.1965 (Código Florestal), 5.197, de 03.01.1967 (Código de Caça), 10.257, de 10.07.2001 (Estatuto da Cidade), dentre outras.

cipal fundada nos dispositivos constitucionais definidores das regras de competência, as normas, critérios e padrões expedidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama e as atividades de controle, monitoramento, fiscalização e regulamentação a serem exercidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — Ibama e demais órgãos estaduais e municipais competentes integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente -Sisnama, conforme previsto na Lei 6.938/81.
Para impor o cumprimento desse robusto corpo de normas jurídicas, há também a previsão normativa de severas sanções, tanto nos âmbitos administrati­vo e penal quanto processual, além da responsabilização civil objetiva, por força da qual se constitui, para o poluidor direto ou indireto, pessoa jurídica ou física, pública ou privada, independentemente da demonstração de culpa, a obrigação de recompor, ou, em não sendo isso possível, indenizar os danos causados ao meio ambiente (art. 14, § 1.°, da Lei 6.938/81).
Como se sabe, todavia, entre a existência de tal legislação e sua efetiva aplicação coloca-se um abismo de enormes proporções.
Mais ainda, quando encontramos, como resultado adverso da louvável tenta­tiva de descentralizar a proteção ambiental, a superposição de competências le­gislativas entre a União Federal, os Estados e os Municípios. 2 Isso porque o texto constitucional não delimitou com precisão as competências outorgadas a cada um dos entes da Federação, o que tem dificultado, ainda mais, a implementação da Política Nacional do Meio Ambiente e, por conseguinte, a concreta aplicação da legislação ambiental, em virtude da ausência de uma norma uniforme de conduta administrativa e de harmonia entre os órgãos e níveis de poder a que se outorgaram competências e atribuições para levar a efeito a proteção ambiental.3
Ademais, a própria aplicação judicial das normas jurídicas, que resulta na jurisprudência, embora, de fundamental importância para a efetividade e a evolução dinâmica da legislação ambiental, tem-se revelado rara e ainda imatura.
A verdade é que todas essas normas não têm conseguido abranger, de for­ma completa, o perfeito equacionamento do binômio meio ambiente e desenvolvimento.




(2) Enquanto o art. 22 estabelece as matérias de competência privativa da União, às com­petências comuns, de natureza administrativa, estabelecidas no art. 23, correspondem as competências legislativas concorrentes dispostas no art. 24, dentre as quais algu­mas, contraditoriamente, também se incluem no rol do referido art. 22, todos da CF;
quanto ao art. 24, a União é competente para estabelecer normas gerais, ficando a competência suplementar reservada aos estados e municípios, devendo estes últimos atuar sobre temas de interesse local.
  (3)   A questão da superposição de competências é bastante complexa e merece análise mais acurada, o que não caberia dentro dos limites do presente trabalho. A esse respei­to, cf. Paulo de Bessa Antunes, Direito ambiental, 5. ed., Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001, p. 60-64.










2.    Desenvolvimento sustentável e justiça ambiental
O conceito de desenvolvimento sustentável - assim compreendido como a continuidade do exercício das atividades econômicas, mediante a utilização ra­cional e planejada dos recursos naturais, garantindo-se, com isso, melhores condições de vida para as gerações presentes, sem que se comprometa, para tanto, a fruição dos bens ambientais, hoje disponíveis, pelas gerações futuras -tornou-se um tema em constante discussão, devendo integrar o cotidiano do exercício das atividades empresariais, financeiras e governamentais, dos movimentos sociais e da comunidade como um todo.
Não é mais possível, hoje, separar o progresso econômico da imposição cons­titucional da garantia universal à fruição de um ambiente ecologicamente equili­brado. Note-se que "preservação e progresso não são ideais incompatíveis. A tutela do ambiente é perfeitamente conciliável com a necessidade de o Brasil progredir" (Nalini, 2001, p. 135).
Mais que isso, a ciência e a história já demonstraram que a economia não é capaz de desenvolver-se senão em harmonia com o ambiente que a rodeia; isto porque, uma vez esgotados os recursos naturais que a mantém em movimento e a partir dos quais se desenvolve, a exemplo dos recursos hídricos como fonte de produção de energia, a ordem econômica perderia sua razão de ser, deixaria de existir. Em outras palavras, “[s]ó existe economia porque a ecologia lhe dá suporte. A ecologia permite o desenvolvimento da economia. A exaustão da primeira reverterá em desaparecimento da segunda (...) Depois, a ecologia não tem por exclusiva função o sustento da economia. Ela é também fator da qualidade de vida da espécie humana" (Nalini, 2001, p. 143).
Na verdade, chegou-se a um ponto em que, ou bem o ser humano compreende agora que os recursos naturais4 - atmosfera, águas interiores, superficiais e subterrâneas, estuários, mar territorial, solo, subsolo e elementos da biosfera, fau­na e flora - são limitados, e não só isso, estão se esgotando em ritmo alucinado, do mesmo modo que as áreas e sistemas aptos a exercer a função de absorção de resíduos e emissões, ou, em pouco tempo, o sistema econômico mundial sofrerá sério colapso, por absoluta escassez de fontes energéticas, de alimentos para enorme parcela da população, de suprimento de água potável, por acúmulo de lixo e excesso de emissões de gases poluentes etc.5
Compreendia a noção de desenvolvimento sustentável, cumpre assinalar que esse conceito foi incorporado pelo Movimento de Justiça Ambiental, no 3.°




(4) Art. 2.°, IV, da Lei 9.985/2000.
(5) Acerca de desenvolvimento sustentável e esgotamento das funções de suprimento e de absorção, cf. Donella Meadows, Beyond the limits: confronting global collapse, envisioning a sustainable future, White Ri ver Junction, Vermont, EUA: Chelsea Green, 1992.









2. DOUTRINA NACIONAL

Princípio (uso responsável, ético e moderado do solo e dos recursos naturais) e no 17.° Princípio (reavaliação dos hábitos de consumo e redução da produção de resíduos e de emissões de substâncias prejudiciais à saúde, ao meio ambiente e ao Planeta), entre os 17 Princípios aprovados durante The First National People of Color Environmental Leadership Summit, realizado em 1991, em Washington, para balizar a justiça ambiental, e dos quais alguns serão referidos e explicitados no decorrer do presente trabalho.

3. Advocacia ambiental

Nesse contexto, o trabalho de advogados realmente cientes das possibilidades que podem ser alcançadas ganha expressivo relevo, pois estes não somente podem auxiliar o Ministério Público, advogando para organizações não governamentais e associações similares, como também serão capazes de educar, instruir e orientar os potenciais poluidores que lhes venham consultar a respeito de questões ambientais, despertando nestes, por meio de um constante trabalho de cunho pre­ventivo, a consciência para a importância social, econômica e ambiental do desenvolvimento sustentável.
O papel do advogado é, pois, fundamental na interpretação das normas ambientais e, em conseqüência, na aplicação efetiva da justiça ambiental e no com­bate ao racismo ambiental. Isto porque é ele, o advogado, quem, na liderança do processo, toma conhecimento do conflito de interesses entre as partes, teoriza a solução e propõe ao Poder Judicante resposta às expectativas daquele que o provocou. De fato, "o advogado é o canal pelo qual a sociedade exercita seus anseios e os homens buscam satisfazer suas necessidades" (Fagúndez, 2001, p. 65).
Pode-se inclusive dizer que, no campo ambiental, é exatamente a figura do advogado que está faltando para incrementar e motivar o processo de transição por que a sociedade vem passando, consubstanciado na conscientização de um número cada vez maior de pessoas da urgente necessidade de se proteger, preser­var, conservar e restaurar este bem de interesse difuso, comum a todos os habitan­tes do Planeta.
Tanto é assim que vemos químicos, biólogos, arquitetos, engenheiros, entre outros profissionais, manipulando livremente a legislação ambiental, independentemente, contudo, do indispensável auxílio e orientação daquele que, em última instância, irá promover a sua definitiva aplicação, em especial se as pessoas por ela vinculadas não o fizerem espontaneamente.
Dito isso, a advocacia ambiental vem ganhando espaço ao longo dos últimos anos, tanto nas empresas prestadoras de serviços e indústrias utilizadoras de re­cursos naturais, na qualidade de potenciais agentes poluidores, como nas associações e organizações não governamentais, na qualidade de eficientes enti­dades auxiliares do Poder Público na fiscalização e monitoramento da concreta e adequada proteção ambiental e do cumprimento da legislação pertinente; e, ainda, nas instituições financeiras públicas e privadas, em razão do crescente entendimento











REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL – 27

segundo o qual estas poderiam ser responsabilizadas por danos ambientais causa­dos por projetos por elas financiados.
Nesse enorme campo de atuação, o advogado pode colocar-se, em princípio, em três posições especiais:
a)      Advogando para empresas que exerçam atividades potencialmente poluidoras
Cada vez mais, as empresas percebem a importância de se considerar a questão ambiental na gestão de seus negócios, na melhora da eficiência de seu desempenho, na redução de custos e no aumento da competitividade no mercado em que atuam. Como se sabe, a “ecoefíciência”, traduzida na minimização da geração de resíduos e no gerenciamento do consumo de recursos naturais, representa a redução não apenas do impacto ambiental, como também dos custos envolvidos na produção, possibilitando, por conseguinte, a melhora na qualidade do produto e na competitividade da empresa.
Do mesmo modo, a preservação da imagem institucional empresarial perante os consumidores, as autoridades governamentais e a opinião pública é questão que ganha cada vez maior relevância. Não é difícil imaginar exemplos de empre­sas que tiveram suas imagens seriamente comprometidas em virtude de danos causados ao meio ambiente, decorrentes de condutas irresponsáveis e contrárias à legislação ambiental brasileira em vigor.
Também será importante a atividade do advogado na intermediação entre a empresa e o(s) órgão(s) ambiental(is) competente(s) - em âmbito federal, estadual ou municipal — no caso concreto, evitando abusos e orientando acerca das normas ambientais aplicáveis e da necessidade de adequação a estas, a fim de legalizar, por meio do competente processo de licenciamento ambiental, o exercício das atividades produtivas da pessoa jurídica.
A esse respeito, saliente-se, vez mais, o papel de educador ambiental do advogado atuante nessa área: além do dever profissional, como advogado, de referir-se às inúmeras vantagens, até mesmo econômicas, que podem ser auferidas por empresas ambientalmente conscientes, e às despesas com multas de natureza administrativa, penal, processual ou civil que podem ser evitadas, o cidadão há que atentar para seu dever ético e procurar mostrar ao seu cliente a necessidade premente de se dar adequado cumprimento à legislação aplicável, de se proteger e conservar os bens ambientais e de se respeitar e apoiar as comunidades atingidas pela poluição industrial, inclusive investindo na melhora da qualidade de vida dessas populações, como justo retorno à sociedade que consome seus produtos e permite-lhe o aferimento de lucros.
b) Advogando para grupos ambientalistas e entidades ecológicas
As associações e organizações não governamentais estão cada vez mais atuantes ou, ao menos, interessadas em atuar na defesa do meio ambiente. Ao lado do Ministério Público - que hoje ainda exerce o papel mais importante nessa seara, por meio, principalmente, da propositura de ações civis públicas - as chamadas ONGs vêm ganhando importância e espaço nos meios de comunicação,











2. DOUTRINA NACIONAL

em virtude da repercussão e eficiência de seus projetos e dos notáveis resultados a partir deles obtidos.
Como é evidente, a atuação das ONGs poderá vir a ser ainda mais significativa, ria medida em que possam contar com assessoria e orientação de profissionais jurí­dicos altamente experientes, adequadamente qualificados e genuinamente dispostos á participar desse movimento. A esse respeito, vale referir o modelo norte-americano, em que o quadro interno de tais instituições é composto de considerável número de advogados, cada qual coordenando determinado campo do direito ambiental, como energia, gerenciamento costeiro, direito urbanístico, entre outros. 6
Nessa posição, portanto - e diante da Constituição Federal de 1988, que deu reais condições às entidades associativas, mais especialmente às ambientalistas, para que eficazmente representem seus filiados, judicial ou extrajudicialmente, fazendo uso de tal possibilidade por meio de seus advogados -, estes terão a seu dispor todo um leque de instrumentos legais destinados à sociedade civil, de for­ma a municiar com técnica e, conseqüentemente, aprimorar a árdua luta social­mente organizada em prol da preservação e conservação do meio ambiente.
c) Advogando para instituições financeiras, que financiem projetos, obras e serviços potencial ou efetivamente causadores de degradação ambiental
A relação entre os bancos e o meio ambiente está se tomando cada vez mais estreita, e isso ocorre em virtude dos inúmeros dispositivos legais aplicáveis à espécie, a partir dos quais emerge a interpretação no sentido de que essas instituições podem ser consideradas solidariamente responsáveis, nos âmbitos cível e criminal, por danos ambientais decorrentes de projetos por elas financiados. 7
Mencionem-se, de início, o advento da Declaração dos Bancos para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, assinada em Nova Iorque, nos EUA, em 1992, que é um marco na história das instituições financeiras, a ser adotado para urgentes reflexões por parte do meio bancário brasileiro, e a assinatura do Protocolo Verde, no Brasil, em 1995, que é fundamental para a aproximação dos bancos brasileiros com os princípios constantes daquela declaração.
No plano legislativo interno, há a Lei 6.93 8/81, acima mencionada; seja por força de seu art. 12, que impõe às entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais o dever de condicionar a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios, ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos


(6)    Conferir, a título de exemplo: - website da Conservation Law Foundation, organização regional sem fins lucrativos, de interesse público de proteção ambiental, com sede na Nova Inglaterra, EUA.
(7)    Cf. Humberto Adami Santos Júnior, Responsabilidade das instituições financeiras frente ao dano ambiental de projetos por elas financiados, dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ como parte integrante dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Direito da Cidade e Urbanismo.


REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL - 27
critérios e dos padrões expedidos pelo Conama; seja em razão de seu art. 3.°, IV - que traz o conceito de “poluidor indireto”, categoria esta na qual os bancos poderiam ser inseridos, na qualidade de financiadores de atividades poluidoras, combinado com o seu art. 14, § 1.° - que prevê a responsabilidade civil objetiva inclusive do poluidor indireto pela reparação ou indenização dos danos causados ao meio ambiente.
Ademais, se considerarmos que poluir é crime, nos termos do art. 54 da Lei de Crimes Ambientais, 8 o financiamento de atividades poluidoras recairia no art. 1.521 do CC, ficando, portanto, a instituição financeira envolvida na qualidade de “cúmplice” e, assim, solidariamente responsável por eventuais danos ambientais.
Ainda na esteira da Lei de Crimes Ambientais, o art. 3.° consolida, na forma prevista na Constituição Federal, a responsabilidade penal da pessoa jurídica causadora de danos ambientais, assim como a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica sempre que esta for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente (art. 4.°).
Também há que se referir ao tipo penal de gestão temerária, 9 previsto no art. 4.°, par. ún., da Lei 7.492/86 (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacio­nal), que, se combinado com o art. 12 da Lei 6.398/81, já mencionado acima, induz ao tipo “gestão temerária ambiental” e, por conseguinte, à possibilidade de enquadramento penal para os administradores de instituições financeiras. A “gestão temerária ambiental”, portanto, teria lugar quando o administrador da instituição financeira deferisse o crédito em desobediência ao disposto no art. 12 da Lei 6.398/81, isto é, sem exigir do projeto em questão o necessário licenciamento ambiental e o cumprimento das normas, critérios e padrões estabelecidos pelo Conama; neste caso, seria possível a equiparação do admi­nistrador da instituição financeira ao poluidor direto, ficando aquele, por isso, incurso no crime de “gestão temerária ambiental”.
Por fim, cabe lembrar que o art. 2.°, § 3.°, da Lei 8.974/95, que trata de biossegurança, expressamente prevê que as organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos de alguma forma relacionados a Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), deverão certificar-se da idoneidade técnico-cientifíca e da plena adesão dos entes financiados, patrocinados, conveniados ou contratados, às normas e mecanismos de salvaguarda previstos nesta lei, para o que deverão exigir a apresentação do certificado de qualidade em biossegurança (art. 6.°, XIX), sob pena de se tornarem co-responsáveis pêlos eventuais efeitos advindos de seu descumprimento.
Recorde-se, ademais, que os bancos têm em seu poder a possibilidade e, em verdade, o dever ético de estimular e dar preferência, no processo de seleção de



(8)   “Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora (...)."
(9)       Sobre o alcance da expressão "gestão temerária", cf. Rodolfo Tigre Maia, Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 59.


2. DOUTRINA NACIONAL
projetos a serem financiados, à implementação daqueles que tomem a componente ambiental como premissa básica, demonstrando sincera preocupação com a recuperação e a conservação do meio ambiente local e com a saúde, segurança e o bem-estar das comunidades mais atingidas por tais projetos.
Assim posicionados nos mais variados pontos de discussão, aos advogados cabem o exame e o direcionamento das controvérsias jurídicas que começam a aparecer e que, por certo, têm alvoroçado a comunidade jurídica, na esteira da efervescência política a que se tem alçado o movimento ambiental, não se restringindo à comunidade acadêmica ou intelectual, mas também alcançando diversos setores sociais, ao redor do mundo, na qualidade de legítimo herdeiro dos grandes movimentos políticos da década de 60.

4. Ética, direito e justiça ambiental

Na seara da justiça ambiental, o papel do advogado é fundamental na disseminação desse novíssimo desdobramento do direito ambiental na comunidade como um todo, a ser forçosamente considerado pela ética jurídica moderna, inforrmada pela doutrina holística, “em que todo o indivíduo, a sociedade e a natureza formam um conjunto indissociável, interdependente e em constante movimento” (Weil, 1991, p. 88, citado em nota de rodapé por Fagúndez, 2001, p. 6910). Nesse Sentido, importa reafirmar e restabelecer de forma pragmática o compromisso do direito com a vida, sua preservação e compreensão, com a ética e com a construção; de uma sociedade mais livre, justa e igualitária.
Os advogados ambientalistas no Brasil, aliás, já desfrutam de uma entidade que os congrega. A Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas - Abaa11 vem implementando, em atuação pioneira, desde 1993, a concepção de que o Itiomem deve aproximar-se da natureza e viver em harmonia com os demais seres, com o Planeta e com o Universo, e a compreensão de que somos partes integrantes de um todo, uno e maior.
O advogado deve, enfim, respeitar a vida em todas as suas formas e manifestações e combater eticamente a marginalização de parcela do povo, mais especialmente o racismo ambiental - esse mal que nos aflige e ainda tão corrente em nossas sociedades.
“O advogado do novo milênio deverá ter um papel que transcende ao que lhe foi reservado pelo sistema capitalista (...) estar voltado para as novas demandas sociais (...) Enfim, atuará num direito comprometido em estimular condutas posi­tivas (...) educar (...) O direito deverá se encontrar com a ética, retomar o




(10) “O advogado e a nova ética”, capítulo escrito por Paulo Roney Ávila Fagúndez, na obra Ética holística aplicada ao direito, 18. ed., Florianópolis: OAB/SC, 2001, p. 53-76.
(11) A Abaa possui sede na capital do Estado do Rio de Janeiro, na Rua Senador Dantas, 75, conjunto 2.601, CEP 20031-201; fone 2544-5099; fax 2524-4606; site ; e-mail .


REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL - 27
compromisso com a estética e buscar o reencontro com a vida na sua complexidade (...) Há necessidade de se despertar para a solidariedade, que somente é possível com a atitude responsável de toda a pessoa (...) Para que se tenha paz há a necessidade que cada um seja responsável por si e pelo futuro da humanidade (...)” (Fagúndez, 2001, p. 53-54).12
Essa compreensão holística da interdependência entre todos os seres, do dever de respeito mútuo intra e inter espécies e da imperiosa necessidade de convivência harmônica e pacífica entre os elementos que partilham o mesmo espaço, parece haver sido incorporada no primeiro princípio que rege o Movimento por Justiça Ambiental.
5. Fundamentos dos conceitos de justiça e de racismo ambientais. Dados concretos demonstrativos
A idéia fundamental por detrás de conceitos como justiça e injustiça ou racis­mo ambientais, a seguir examinados, é a de que, do mesmo modo que os benefícios da aplicação concreta do desenvolvimento sustentável, assim como os bens ambientais postos à disposição para fruição racional, devem alcançar uniforme­mente todos os membros da sociedade, 13 os ônus decorrentes do progresso, espe­cialmente se realizado, como ainda o é hoje, de forma irresponsável, devem ser preferencialmente eliminados, senão suportados igualmente por toda a coletividade - e não discriminadamente por minorias de pouca ou nenhuma representatividade política ou financeira, por questões de discriminação racial, étnica ou econômica.
Na verdade, para compreender o real alcance da expressão justiça ambiental, importa analisar alguns dados que expressam de forma franca o que se costuma chamar racismo ambiental, coletados por diversas organizações envolvidas no movimento:

(i) “a composição racial de uma comunidade é a variável mais apta a explicar a existência ou inexistência de depósitos de rejeitos perigosos de origem comercial em uma área”, 14 havendo, assim, probabilidade muito maior de que uma fábrica de


(12)    Op. Cit.
(13)    12.º Princípio de Justiça Ambiental.
(14)  LAITURI, Melinda. "Andrew Kirby, finding faimess in Americas's cities? The search for environmental equity in everyday life", Journal of Social Issues, vol. 50, n. 3,1994, p. 125, citada por Heniy Acselrad, Justiça Ambiental - Novas articulações entre meio ambiente e democracia. Série Sindicalismo e Justiça Ambiental, Movimento Sindical e Defesa do Meio Ambiente: o debate internacional, editada em cooperação pelo Projeto Meio Ambiente e Democracia, do Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ, com apoio da Central Única do Trabalhado­res do Rio de Janeiro - CUT/RJ, através de sua Comissão de Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2000, vol. III, p. 10. Essa conclusão foi extraída de um relatório elaborado em 1987 pela United Church of Christ Commission on Racial Justice.
2. DOUTRINA NACIONAL
produtos tóxicos ou perigosos se instale em comunidades de minorias raciais ou étnicas, do que em comunidades de população predominantemente branca;
 (ii) 80% (oitenta por cento) dos afro-americanos vivem a menos de 5 km (cinco quilômetros) de instalações industriais altamente poluidoras e emissoras de substâncias tóxicas;
 (iii) afro-americanos que residem no Câncer Alley, como é referida a área situada no Corredor Industrial do Rio Mississipi, por concentrar enorme quantidade de indústrias poluentes, estão submetidos ao que se denomina Double Jeopardy, vez que expostos a produtos poluentes tanto de grandes indústrias como de fábri­cas menores, que se concentram nas mesmas áreas dentro dessas comunidades;
(iv) por outro lado, os membros dessas comunidades negras são raramente empregados nessas empresas - menos de 1% (um por cento);
(v) segundo moradores de áreas altamente contaminadas, uma das exigências dos governos de algumas comunidades, ao autorizar a instalação das indústrias, é a de que os negros não sejam por elas contratados, pois seu trabalho é considera­do mais importante no campo;
(vi) muitos habitantes negros das regiões do Câncer Alley estão doentes e morrendo, embora ainda não haja prova científica estabelecendo o elo entre essas doenças e a poluição que se concentra nesses locais, e que os submete à exposição constante e em pequenas doses a diversas formas e concentrações de produtos químicos perigosos.
 Inserido na noção de injustiça ambiental, o racismo ambiental, portanto, traduz-se no fato de que a legislação ambiental, embora existente, não tem alcançado todas as camadas da população, marginalizando, ainda mais, comuni­dades já tão excluídas socialmente: afro-americanos, latinos, asiáticos, polinésios, povos nativos do Alaska e indígenas americanos. Isso porque essas comunidades não têm sido beneficiadas por programas políticos de imposição do cumprimento à legislação ambiental e de saúde pública, assim como são vítimas de insuficiente destinação de recursos públicos e privados para financiamento da correção dos problemas ambientais que são diariamente obrigadas a enfrentar.
Em outras palavras, há um padrão de discriminação ambiental que submete determinadas comunidades, com muito maior intensidade, a danos ambientais decorrentes das atuais políticas econômicas e de mercado. Isso ocorre tanto em países industrializados, como os EUA, como em países em desenvolvimento, fe como o Brasil, e, infelizmente não tem recebido da opinião pública e de pessoas capacitadas ao debate a atenção que merece.
É notável, pois, dentro de nossas sociedades, o desproporcional impacto, que se vem revelando ao longo de gerações após gerações, produzido por substâncias tóxicas e poluentes, inerentes ao ainda atual modelo de desenvolvimento econômico irresponsável (leia-se, aquele praticado deforma insustentável), so­bre os bairros residenciais, escolas, locais de trabalho e de lazer das minorias raciais e étnicas e da população mais pobre e carente das atenções do Poder Público e da sociedade civil organizada.

REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL - 27
Paradoxalmente, as mesmas comunidades que servem como depósitos do lixo produzido pela sociedade acabam sendo impedidas, até mesmo, do ter acesso a uma parcela justa dos bens da vida postos à disposição para consumo, como maiores ofertas de empregos, investimentos em educação e distribuição isonômica de recursos públicos arrecadados com o pagamento de tributos. Essas desigualda­des são motivadas pelas regras que regem o mundo e a economia globalizados, oferecendo cada vez maior liberdade às grandes corporações e, por outro lado, dificultando em ritmo crescente as possibilidades de autodefesa das comunidades minoritárias contra os efeitos adversos econômicos e ambientais por elas sofridos.
Lidar, enfim, com justiça ambiental significa preocupar-se com questões como; produtos tóxicos e radioativos nas comunidades; os riscos suportados por membros vulneráveis da sociedade, a exemplo de trabalhadores rurais, que ficam expostos aos perigos oferecidos à saúde humana por pesticidas; crianças com asma e outras doenças respiratórias; saúde pública, abrangendo a segurança da água e dos ali­mentos destinados ao consumo familiar, assim como os efeitos de substâncias poluidoras do ar, como o chumbo; a escolha forçada e não mais admissível entre trabalho, desenvolvimento econômico e proteção ambiental; a falta de oportuni­dades concedidas aos jovens, a fim de que possam se tornar líderes comunitários e dar significativas contribuições à sociedade em que vivem.
6. O Movimento por Justiça Ambiental
O chamado Movimento por Justiça Ambiental se constituiu nos EUA nos anos 80, como resultado de lutas articuladas de naturezas social, territorial, am­biental, assim como de direitos civis, direitos de propriedade, direitos humanos internacionais e de imigrantes, trabalho, segurança e saúde públicas e ocupacionais e de justiça econômica e social.
Emerge na qualidade de herdeiro das discussões do fim da década de 60 acerca de condições inadequadas de saneamento, contaminação química de residências e ambientes de trabalho e disposição indevida de resíduos sólidos tóxicos e perigosos, e da articulação, nos anos 70, de sindicatos, ambientalistas e minorias étnicas para exame da poluição urbana.
A propósito, o fato histórico que marcou a afirmação do movimento foi a luta iniciada por moradores (84% de negros) de Afton, condado de Warren, Carolina do Norte, em 1982, em face da eminente contaminação da rede local de abastecimento água; nesse caso concreto, o critério racial para seleção do local de instalação do depósito era evidente. Como resultado, a Justiça Ambiental foi alçada à condição de questão central na luta pêlos direitos civis e o Movimento Ambientalista evoluiu para demonstrar maior preocupação com as desigualdades sociais, sob uma ótica ambiental.
Questionando o modelo atual de desenvolvimento, o Movimento por Justiça Ambiental espalhou-se pelo mundo como um clamor por justiça e igualdade, nos campos econômico, social e ambiental. Transcende, assim, o direito ambiental, para pregar a importância e a necessidade de se ir além da simples proteção do





2. DOUTRINA NACIONAL
solo, do ar e dos recursos hídricos, por meio da implementação de programas preventivos de saúde pública e da provisão, às comunidades urbanas e rurais, de maior controle sobre seus próprios recursos, encorajando-as a manifestarem-se por si mesmas.
Note-se que não se trata de transferir para outras comunidades menos organi­zadas os riscos ambientais, mais sim de gerenciá-los dentro dos princípios que norteiam o desenvolvimento sustentável, tal como acima examinado. Prioriza-se, nesse sentido, a proteção ambiental quando realizada nos locais onde as comuni­dades vivem, trabalham e estudam, pois aqui a noção de meio ambiente engloba todo esse espaço, e não apenas a natureza selvagem. E formar comunidades saudáveis e com acesso à informação e ao conhecimento, capacitando-as a con­tribuir com a construção de um mundo melhor e de um meio ambiente equilibra­do, é compromisso fundamental desse movimento.
Este, como se vê, traz um enfoque um pouco diferente do meio ambiente se comparado com as organizações não governamentais que atuavam na área, as quais, em regra, não costumavam estender os olhos para as injustiças ambientais que afligem muitas comunidades. O advento de um movimento independente para lidar com tais questões, por isso, foi tão importante.
Os 17 Princípios da Justiça Ambiental que balizam'esse movimento foram estabelecidos na I Cúpula Nacional de Lideranças Ambientalistas de Povos de Cor, 15 em 1991, que teve por objeto incorporar a causa das minorias étnicas e raciais e dos menos favorecidos nas políticas dos EUA.
Como resultado, veio a consolidação do movimento como congregação de diversas raças e culturas que, já tendo ultrapassado as fronteiras nacionais, aproxi­ma entidades de direitos civis, grupos comunitários, organizações de trabalhadores, igrejas e intelectuais, unificando os movimentos sociais e ambientalistas ao redor do mundo.
7. Os estudos de Robert D. Bullard16
Como tradução prática do racismo ambiental, Robert D. Bullard, além de mencionar vários casos concretos, destaca o que denomina “Colonialismo Tóxico”, assim definido como o comportamento dos países industrializados, “justifi-


(15) Essa é a tradução oferecida por Henri Acselrad, Justiça ambiental - Novas articula­ções entre meio ambiente e democracia. Série Sindicalismo e Justiça Ambiental. Idem, p. 11, para a The First National People of Color Environmental Leadership Summit, que não pode deixar de ser questionada, à luz da realidade brasileira, onde as expres­sões “povos de cor”, “pessoas de cor” e “comunidades de cor’ não são bem recebidas por aqueles a quem intencionam referir, pois estão carregadas, na língua portuguesa, de certo conteúdo pejorativo, de modo que devem ser ao máximo evitadas.
 (16) “A anatomia do racismo ambiental e o Movimento por Justiça Ambiental”. Confronting environmental racism - Voices from the grassroots. Boston, Mass: South End Press, 1996, transcrito na Série Sindicalismo e Justiça Ambiental. Op. cit., p. 32-42.


REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL – 27

Cado” com “uma lógica puramente econômica e injusta”, que desenvolveram o hábito de despejar o seu lixo sobre as comunidades não brancas e pobres do Terceiro Mundo e nelas introduzir tecnologias de risco.17
Narra, a esse respeito, que na fronteira dos EUA com o México operam mais de l.900 fábricas de montagem de propriedade de empresas estrangeiras, que se aproveitam da mão-de-obra barata mexicana, criando subempregos e agravando os problemas de poluição industrial e da superpopulação das cidades e, comprometendo, assim, a saúde dos trabalhadores e habitantes locais.
Além disso, também descreve a evolução do Movimento de Justiça Ambien­tal nos EUA, desde o surgimento dos primeiros grupos de comunidades de base, compostos por ativistas negros que desafiavam as industrias poluidoras e também os movimentos puramente ambientalistas, por muito tempo indiferentes aos da­nos ambientais causados de modo desproporcional e discriminatório às minorias raciais e étnicas e aos mais pobres. Ressalta que esse movimento tem-se concen­trado em questões como localização de vazadouros de lixo, intoxicação por chum­bo, pesticidas, poluição d'água e do ar, autonomia de governos indígenas, testes nucleares e segurança no trabalho.
Esse autor também destaca a crescente documentação registrando o racismo ambiental no mundo e fortalecendo, por conseguinte, as reivindicações dó Movimento por Justiça Ambiental no sentido de um meio ambiente equilibrado, seguro e saudável como direito de que todas as pessoas e comunidades, igualitariamente, são titulares. Nesse mesmo passo, como constata, até mesmo os grupos ambientalistas mais convencionais vêm compreendendo melhor a grande importância das questões de justiça ambiental, conferindo ao movimento maior apoio por meio de assessoria técnica, ajuda financeira direta, captação de recur­sos, pesquisa e assistência legal.
Quanto à organização tática do movimento, o autor refere as estratégias do antigo movimento de luta por direitos civis, tais como protestos, passeatas, petições, lobbies, relatórios, apuração de fatos e audiências para instruir a comunidade e intensificar o debate público, além de oficinas e fóruns entre as associações de bairro para mantê-las informadas. Tais táticas destinam-se à sensibilização dos governos em âmbito federal, estadual e local, como instrumento de influência sobre a tomada das decisões18 pertinentes aos ideais buscados pelo movimento.
O autor conclui com exemplos de como as minorias desfavorecidas nos EUA vêm tomando as necessárias iniciativas no sentido de defesa de seus direitos: nesse sentido, mencionem-se os esforços do Grupo de Ação Comunitária da Zona





(17)   Um memorando interno, de 12.12.1991, escrito por Lawrence Summers, economista-chefe do Banco Mundial, explicita detalhadamente essa condenável política, cujos trechos principais foram transcritos por Robert D. Bullard. Op. cit., p. 34-35.
(18) Aliás, a participação democrática das comunidades na tomada de decisões relevantes é considerada princípio fundamental do movimento (7.° Princípio).






2. DOUTRINA NACIONAL

Nordeste de Houston, que lograram êxito ao serem baixados: Resolução proibindo caminhões de lixo municipais de despejarem detritos em certas regiões não adequadas; Regulamento que limitou a construção de vazadouros para resíduos sólidos nas proximidades de locais públicos; e normas atualizando e revisando os requisitos exigidos para obtenção de licença de construção de aterros sanitários.
8. O racismo ambiental no Brasil, segundo Henri Acselrad19
Esse autor chama atenção para a morte de uma criança de um ano, na Baixada Fluminense, no Município do Rio de Janeiro, em maio de 2000, por intoxicação por produtos industriais após brincar em um terreno baldio ao lado de casa, como mais um exemplo do lançamento de resíduos perigosos em espaços públicos, principalmente em regiões onde moram as camadas mais pobres de nossas sociedades. Em situações como essa, revela-se o desequilíbrio sócio-ambiental, que ainda é corrente em nosso País, quanto à exposição da população a substâncias poluentes e tóxicas.
Assim é que, em virtude da localização de suas casas, às margens das concentrações urbanas, os menos favorecidos, também no Brasil, estão mais expostos a riscos ambientais, tais como enchentes, desmoronamentos, esgotos a céu aberto, lançamentos de rejeitos sólidos e emissões líquidas e gasosas. Daí a correlação entre indicadores de pobreza e de doenças associadas à poluição, tão bem descrita por esse autor.
O professor atribui esses fatos aos mecanismos de privatização do uso dos recursos ambientais coletivos (água, ar e solo); e lembra que, ao mesmo tempo em que as empresas limitam-se a evitar desperdícios ou simplesmente operam dentro dos mecanismos de mercado, preferindo instalar-se nas comunidades mais pobres, por conta dos custos reduzidos, os governos omitem-se ou agem com práticas discriminatórias; ambos os agentes, como conclui, não atentam para o evidente binômio degradação ambiental — injustiça sócia.                      
Os movimentos sociais, por seu turno, já compreenderam que o mercado sozinho é incapaz de superar essas questões e que somente o efetivo exercício da democracia e a capacidade defensiva da sociedade serão capazes de promover a justiça ambiental. O professor ainda observa a concreta relação existente entre o crescimento do desemprego e a redução da capacidade de organização e resistência dos trabalhadores, seguida do descaso por parte das empresas e da intensificação do ritmo de trabalho dos que continuam empregados, dos acidentes e dá ocorrência de danos ambientais.








(19) Justiça ambiental: novas articulações entre meio ambiente e democracia. Série Sindicalismo e Justiça Ambiental. Op. cit., p. 7-12. Henri Acselrad é Doutor em Eco­nomia pela Universidade de Paris e Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR/UFRJ).

REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL - 27
Segundo esse professor, o debate acerca de tais questões, no Brasil, ainda é insuficiente, sendo necessário coordená-lo com discussões acerca das condições de vida da população e do processo de construção de direitos, de modo a harmonizar a proteção ambiental com os princípios democráticos. E preciso compreender, portanto, a íntima conexão existente entre “as lutas ambientais e por justiça ambiental”; entre os “movimentos ambientalistas e sindicais”; entre as “des­igualdades sociais e ambientais”; entre, em última análise, “raça, pobreza e poluição”; relações essas que vêm continuamente afligir a nossa sociedade, como aspectos de um mesmo e único processo de desagregação que “separa ricos e pobres, brancos e negros”.
O Prof. Acselrad enumera algumas das causas da injustiça ambiental (p, 10-11): “disponibilidade de terras baratas”; “falta de oposição da população local por fraqueza organizativa e carência de recursos políticos”; “falta de mobilidade espacial das ‘minorias’ em razão da discriminação residencial”; e “subrepresentação das ‘minorias’ nas agências governamentais responsáveis por decisões de localização dos rejeitos”.
9. A sociedade civil organizada por justiça ambiental
Em relação às organizações que impulsionam o movimento, o Environmental Justice Found20 é uma organização nacional fundada em 1995 por seis redes21 de entidades de justiça “ambiental e dedicada a fortalecer a justiça ambiental, por meio do aprimoramento da capacidade, dessas e de outras redes sociais ligadas ao assunto, de aumentar seus fundos e implementar seus programas. Tais redes, por sua vez, são fundadas nas comunidades onde atuam e buscam a realização da justiça econômica e ambiental. Seu fundamento é a união estratégica de esforços, até então isolados, a fim de criar um modelo descentralizado capaz de promover



(20) 310 Eighth Street, Suite 100, Oakland, CA 94607; fone (510) 267-1881; fax (510) 267-1884;       e-mail ; Website .
(21) As seis redes são: l. Asian Pacific Environmental Network (Apen) - 310 Eighth Street, Suite 309, Oakland, CA 94607; fone (510) 834-8920; e-mail ;
Website ; 2. Farmworker Network for Econonüc and Environmental Justice (FWN) - 1.902 Barton Park Road, Suite 209, Aubumdale, FL 33823; fone (863) 956-5183;         e-mail ; Website ; 3. Indigenous Environmental Network (IEN) - P.O. Box 485, Bemidji, MN 56619; fone (218) 751-4967; e-mail ; Website ; 4. Northeast Environmental Justice Network (NEJN) - 271 West 125"' Street, Suite 211, New York, NY 10027; fone (212) 961-1000; e-mail ; Website ; 5. Southern Organizing Comittee forEconomic and Social Justice (SOC)-P.O. Box 10518, Atlanta, GA30310; fone (404) 755-2855; e-mail ; Website ; 6. Southwest Network for Environmental and Econonüc Justice (SNEEJ) - P.O. Box 7399 Albuquerque, NM 87194; fone (505) 242-0416; e-mail .




DOUTRINA NACIONAL
o surgimento de lideranças locais por todo o país, a partir do reconhecimento de que o fortalecimento do movimento em âmbito internacional e nacional depende diretamente da mobilização em escalas menores.
O Deep South Center for Environmental Justice - DSCEJ,22 fundado em 1992 pela Dra. Beverly Wright, professora de sociologia e referência como ativista no campo da justiça ambiental, e desenvolvido junto à Xavier University Of Louisiana - XU, em New Orleans, com a colaboração de grupos ambientalistas de dentro das comunidades locais e outras universidades da região, tem por finalidade lidar com questões de justiça ambiental.
Essa universidade é historicamente composta por negros e está localizada nas proximidades de algumas das mais industrializadas e poluídas comunidades do Estado da Louisiana, as quais têm suportado os terríveis efeitos decorrentes da degradação ambiental desproporcional na região - o que justifica o seu trabalho e interesse no sentido de aprimorar a qualidade do ambiente e de vida dos habi­tantes locais. O DSCEJ tem dado oportunidade às comunidades, aos seus líderes e representantes, e a pesquisadores científicos, de colaborar com programas e projetos que promovam o exercício concreto do direito, de que são titulares todas as pessoas, à qualidade de vida, livre de danos ambientais e dos impactos por estes causados sobre a saúde, o desenvolvimento das atividades profissionais e domésticas e a educação.
Seus objetivos fundamentais são: i) parcerias entre as comunidades e as uni­versidades, enriquecendo a pesquisa e o conhecimento acadêmicos com a experiência concreta de vida das populações diretamente atingidas pela poluição; ii) interação entre os componentes do programa; e iii) preservação da herança cultural dos povos. Tais objetivos serão alcançados por meio de pesquisa e desenvolvimento de políticas, assistência à comunidade, educação23 e treinamento, nos níveis primário, secundário e universitário.
Esse mesmo centro também oferece workshops para a comunidade, tratando de questões como: i) introdução à justiça ambiental; ii) informações, técnicas e estratégias para a prevenir a poluição; iii) formação e desenvolvimento de lideranças representativas das minorias, que participem efetivamente de decisões políticas relativas a emissões de produtos químicos tóxicos e inspirem e apóiem os demais membros da comunidade; e iv) relação da comunidade com as agências governamentais e compreensão do processo de licenciamento ambiental e das normas de competência.
Proporciona, ademais, programas de treinamento de trabalhadores em vários estados, em parceria com outras universidades e instituições, intensificando as






(22) Xavier University of Louisiana, Deep South Center for Environmental Justice - Box 45B, l Drexel Drive, New Orleans LA 70125; fone: 504.304.3324; fax: 504.304.3329;
e-mail ;
(23) A educação ambiental e social das presentes e futuras gerações está prevista no 16.° Princípio de Justiça Ambiental.

REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL - 27
relações entre a universidade e a comunidade, aprimorando a educação dos parti­cipantes e aumentando, com isso, suas oportunidades de emprego no crescente mercado de atividades voltadas à proteção e à recuperação do meio ambiente.
Com esse trabalho, vários resultados já foram alcançados. Em âmbito local, o treinamento de professores e o desenvolvimento de grades curriculares, que já vêm sendo usadas nas escolas, com a inclusão da disciplina justiça ambiental, merecem destaque. No plano internacional, a eficaz formação de porta-vozes vem permitindo a disseminação do conceito de justiça ambiental no mundo.
O DSCEJ também desenvolve estudos que demonstram exemplos concretos de como o racismo ambiental vem ocorrendo no mundo. Como se constatou, a região do Câncer Alley, e onde se concentra a atuação do centro, abriga 136 pólos petroquímicos e 6 refinarias de óleo e é responsável por 1/5 da produção norte-americana no setor. O ar, a água e o solo da região estão tão contaminados que já foi ela referida como um imenso experimento humano, que acabou transforman­do-se radicalmente numa das áreas mais pobres e atrasadas do Estado de Louisiana.
O ônus desse desenvolvimento recaiu obviamente sobre o meio ambiente e as comunidades que ali habitavam muito antes da chegada das indústrias; hoje, 80% dos afro-americanos que ocupam essa área vivem a uma absurda distância de menos de 5 km das instalações industriais tóxicas. Desnecessário dizer que também essas comunidades foram as que obtiveram menores benefícios com a industrialização acelerada, inclusive quanto às ofertas de empregos.
De qualquer modo, algumas dessas comunidades conquistaram vitórias, para as quais a assessoria jurídica foi fundamental. Exemplo disso é o caso da Shintech Corporation, empresa japonesa que pretendia construir a maior fábrica do mundo de PVC em Convent-Louisiana, pequeno município rural de aproximadamente 2.000 habitantes, situado dentro do Câncer Alley. A área desse município mais próxima do local escolhido pela empresa, que, aliás, já sofre com a presença de outras fábricas e com altas emissões de gases tóxicos, é ocupada por 82% de afro-americanos. A fábrica, que seria um imenso empreendimento, liberaria no ar 272.156 kg de substâncias químicas tóxicas e despejaria diariamente no Rio Mississipi 8 milhões de resíduos.
A população local já vinha reclamando da poluição e denunciando proble­mas de saúde, como asma, dificuldade respiratória e câncer; a pretensão daquela empresa foi a gota d'água para a comunidade. Depois que políticos locais se recusaram a prestar qualquer assistência, o povo se uniu para formar a St. James Citizens for Jobs and the Environment - SJCJE, que deu início a uma agressiva batalha legal contra a construção da indústria, com o apoio do Greenpeace e da Tulane University Law Clinic. Poucos meses depois, com a pressão exercida pela SJCJE e seus aliados, o órgão ambiental, em decisão sem precedentes, rejeitou o pedido de licença formulado pela Shintech, com base em argumentos técnicos, sem considerar, entretanto, as questões apontadas sob a ótica da justiça ambien­tal. Dias depois, a companhia anunciou que havia desistido de seus planos em Convent, transferindo seu campo de atuação rio acima, próximo a Baton Rouge.









2. DOUTRINA NACIONAL

A consultoria jurídica (legal assistance) prestada por uma eficiente equipe de advogados foi considerada pelo DSCEJ, conforme se extrai de sua publicação, o quarto fator mais importante e decisivo na obtenção de tal vitória, precedido por cidadãos ativistas liderando as comunidades, acesso a informações e capacitação para compreendê-las e suporte técnico e educacional.
O West Harlem Environmental ACTion (WE ACT)24 foi fundado em 1988 na comunidade de Harlem e trata-se de associação sem fins lucrativos, dedicada a melhorar a qualidade de vida e a implementar a justiça ambiental para as suas comunidades, aluando e monitorando o meio ambiente em toda a área norte de Manhattan. Tem criado diversas parcerias com grupos de cidadãos, jovens, habi­tantes locais e ambientalistas, com governos federais, estaduais e locais e com instituições médicas e educacionais, e incentivado os moradores a se tornarem uma força ativa na determinação e implementação da visão de como o meio am­biente pode e deveria ser.
Ademais, desenvolve vários programas, tais como: i) Earth Crew Youth Leadership Program: treinamento de jovens para formação de lideranças, por meio de educação ambiental e prestação de serviços à comunidade; ii) Environmental Worker Training Program: recrutamento e treinamento de adultos desempregados para o desenvolvimento de habilidades básicas de construção e recuperação am­biental; iii) Community Health Leadership Training Program: treinamento de líde­res comunitários em questões de saúde ambiental, financiado pelo Órgão Ambien­tal Federal e pelo National Instituto of Environmental Health Sciences.
Segundo cartilha por ela produzida, a maior parte da frota de ônibus movidos a diesel em Nova Iorque circula pela comunidade do West Harlem, poluindo o ar e as Cruas e aumentando, com isso, as ameaças de enfisema, bronquite, asma, ataques do coração, câncer de pulmão e morte prematura. Em face disso, a We Act propõe a conversão de toda a frota de ônibus e instalações pertinentes em veículos movidos á gás natural a fim de se reduzir a emissão de partículas, fumaça e gases tóxicos nocivos à saúde e proporcionar, com isso, um ambiente mais saudável à comunidade. Mesmo assim, as autoridades de trânsito locais continuam investindo muito mais nos ônibus comuns. Ainda nesse campo, protesta pela concentração das garagens dos ônibus no Harlem (seis das sete existentes na cidade de Nova Iorque), situação que, além de não garantir melhores serviços ou empregos para os moradores, piora casualidade do ar e aumenta seus problemas de saúde.
Além disso, a entidade também denuncia que: Manhattan jamais se adequou •às normas federais que tratam sobre emissões de partículas, sendo que a região norte é cercada por três grandes rodovias, uma indústria de tratamento de esgoto; duas estações da marinha de coleta e transferência de resíduos sólidos, rotas de icaminhões e pela linha ferroviária a diesel da Companhia de Transporte Ferroviário; moradores das cidades mais poluídas têm taxa de mortalidade 15% superior à




(24) 271 West 125- Street, Suite 211, New York, NY 10027; fone (212) 961-1000; fax (212) 961-1015; e-mail .







REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL – 27

daqueles que vivem nas áreas mais limpas; a emissão de partículas poluentes causa no mínimo 60.000 mortes prematuras no país a cada ano; mais de 4.000 mortes prematuras podem ser relacionadas, a cada ano, à emissão de partículas nocivas à saúde na área da cidade de Nova Iorque; nessa cidade, hospitalizações por asma e taxas de mortalidade são as maiores do país e habitantes do Harlem morrem a uma taxa 5 vezes superior a da cidade toda; estes mesmos habitantes aspiram partículas perigosas em níveis 200% superiores aos considerados aceitáveis pelo Órgão Federal Ambiental competente.
Estes três grupos são exemplos de como a justiça ambiental, embora ainda em escalas desproporcionais à sua importância, vem ganhando espaço no mundo, nas comunidades, nas universidades e instituições ligadas à área e também na mídia.

10. Exemplos de êxito do movimento

Um caso que ficou notório nos EUA foi o do Município de Anacostia, nos arredores de Washington, habitada principalmente por negros, em que grande parte da população sofreu os efeitos dos materiais tóxicos armazenados em um depósito da Marinha. O Movimento da Justiça Ambiental, nesse caso, fez com que o depósito fosse removido e que, em seu lugar, o famoso “Frederic Douglas25 Gardens” fosse erguido, como símbolo da luta da comunidade negra por melhores condições de vida e da qualidade do meio ambiente em que vivem.
Quanto à Política Nacional Norte-Americana, um Ato do Poder Executivo de 1994 - o Federal Açtion to Adress Environmental Justice in Minority Populations and Low-Income Populations, determinou que todos os órgãos federais compe­tentes para questões envolvendo meio ambiente e saúde pública passassem a in­tegrar em suas políticas a justiça ambiental, além de garantir o acesso a informações e a participação democrática. Isso conduziu à criação do National Environmental Justice Advisory Council (Nejac), destinado a assegurar que a Agência Federal Ambiental também ficasse atenta às reivindicações do movimento.
O encontro mundial realizado em Durban, na África do Sul, sobre Discriminação Racial, em 2001, produziu documento pelo qual os Estados são convidados a tomar medidas não discriminatórias capazes de garantir um meio ambiente seguro e saudável para os indivíduos vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância, especialmente para: i) melhorar o acesso a informações referentes à saúde e ao meio ambiente; ii) que as decisões políticas ambientais tomem em conta essas relevantes questões; iii) estimular a difusão de tecnologias e práticas bem-sucedidas na melhoria da saúde humana e do meio ambiente; iv) adoção das medidas mitigadoras apropriadas à limpeza,





(25) Frederic Douglas, em seu tempo, é referência fundamental no movimento abolicionista nos EUA, tendo dedicado a vida à causa da liberdade, depois de haver conquistado a sua própria.






2. DOUTRINA NACIONAL
reutilização e recuperação de áreas e, se cabível, a realocação das comunidades afetadas, mediante prévia consulta.
No Brasil, o recente Dec. 3.952, de 04.10.2001, dispõe sobre o Conselho Nacional de Combate à Discriminação, integrante do Ministério da Justiça e ao qual compete propor, acompanhar e avaliar as políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos sociais e étnicos afetados por discriminação racial e outras formas de intolerância. A regulamentação desse conselho representa, por certo, grande avanço na legislação brasileira que trata da matéria e desperta especial interesse em nossos povos indí­genas. Depende, portanto, principalmente da atuação de movimentos sociais e associações não governamentais, nas reuniões realizadas na forma do art. 4.° desse decreto, que sejam alcançados os objetivos éticos e sociais que, de início, fundamentaram sua criação.
Mais especialmente, o Estado do Rio do Janeiro demonstrou grande avanço, nas histórias legislativa e administrativa do País, a partir da criação em 2001 do Centro de Referência de Justiça Ambiental (Cereja),26 órgão colegiado vinculado à Secretaria Extraordinária de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,27 que baliza a sua atuação no importantíssimo movimento até aqui estudado. Por meio de reuniões periódicas, abertas ao público e para manifestação especialmente por intermédio das diversas entidades ambientalistas e sociais que integram seu quadro na qualidade de membros, durante as quais são analisadas questões relativas à justiça ambiental e buscadas soluções para problemas diversos das comunidades envolvidas, o Cereja já demonstra os primeiros resultados positivos de sua atuação.
11. O Aterro de Gramacho
Em nosso País, há também graves exemplos de injustiça ambiental e de como existe trabalho para advogados eticamente interessados em atuar na área.
Em Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro, onde a comunidade de descendentes de africanos chega a 80% do total da população, o Aterro de Gramacho vem suportando, desde a época do Império, o lançamento de todo o lixo produzido na área metropolitana do Município do Rio de Janeiro (Grande Rio) e, mais recentemente, de mais 6 Municípios vizinhos no Estado.
É hoje o maior Aterro Sanitário da América Latina e processa diariamente mais de 7 mil toneladas de resíduos. A esse respeito, há inclusive no Museu do




(26) Rua Presidente Pedreira n. 78, Ingá, Niterói, RJ, CEP 24210-170; tel./fax (21) 2719-3676; e-mail ou ; grupo de discussão on Une .
(27) Há dúvidas, no entanto, no tocante à constitucionalidade de tal órgão funcionando junto a Secretaria Extraordinária, diante da Constituição estadual do Rio de Janeiro. O tema, entretanto, será debatido em outra oportunidade.




REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL - 27
Lixo uma tela chamada “O negro do lixo”, representando os negros que há tempos atrás conduziam o lixo da população abastada até seu destino final, próximo das comunidades negras e carentes que ali habitavam.
Conforme se constatou em estudos realizados na área, a capacidade do Ate­rro de Gramacho para continuar recebendo lixo nas absurdas proporções atuais persistirá por no máximo mais três ou quatro anos.
Entre as razões para seu saturamento, está o comportamento do tipo de solo existente no local, que se constitui em área de manguezal, onde o lixo sufocou a vegetação, fazendo secar os braços de rio mas mantendo o leito de argila orgânica. Disso resultaram os deslizamentos internos, que impuseram a redução da estima­tiva de vida do aterro, onde o lixo acumulado não poderá ultrapassar a altura de 32 metros.
Passado esse limite, o que será feito com a incalculável quantidade de resíduos sólidos que são diariamente produzidos nesse Município? Para a indignação de todos, não existe por parte do Governo, em quaisquer de seus níveis, da sociedade, do Ministério Público, dos órgãos de fiscalização ou dos profissionais ligados à área, a exemplo dos advogados ambientalistas, nenhuma decisão definitiva quanto a respostas para essa pergunta, quanto à busca urgen­te por alternativas para esse amontoado de lixo e substâncias tóxicas que vêm se acumulando ao longo de muitos anos.
Segundo o Grupo Queiroz Galvão, que desde 1996 vem operando esse ate­rro, já existem programas, dentro do Projeto de Despoluição da Baía de Guanabara, de recuperação do manguezal que margeia parte da Baía de Guanabara, por meio do replantio e monitoramento ambiental, e de tratamento do líquido (chorume) e do gás (biogás) provenientes da decomposição do lixo. Fica a pergunta: seria isso suficiente, em face da gravidade da situação?
Importante mencionar, além disso, a triste e desesperadora realidade das inúmeras famílias que vivem desse aterro, à espera dos imensos e carregadíssimos caminhões que até ali se dirigem; chocante, de fato, o contraste entre o movimento das garças e dos braços dos catadores, em acirrada disputa por restos da sociedade - paradoxalmente, a mesma sociedade que a estes oprime e os marginaliza e fechas os olhos para essa realidade.
Estudos também demonstraram que ainda existem alternativas economicamente viáveis, desde que implementadas agora, com antecedência e planejamento, me­diante a realização dos competentes processos de licitação e de licenciamento am­biental, observadas as exigências e requisitos da legislação aplicável à espécie e analisadas com vagar e cuidado as melhores possibilidades e alternativas locacionais e tecnológicas, sob as éticas social, ambiental, legal, tributária e econômica, garantindo-se, com isso, o encontro da melhor solução para tão grave problema. Caso isso fosse feito, estaria representando uma economia por demais significativa para ser simplesmente ignorada, além de garantindo a salubridade e o equilíbrio do meio ambiente e a segurança, a saúde e a qualidade de vida de milhares de pessoas.










2. DOUTRINA NACIONAL
O caso do emissário submarino em Ipanema, logo após a posse do atual Governador do Estado do Rio de Janeiro, que culminou com o vazamento dos dutos e a gravíssima poluição da orla marítima de Ipanema, causando notáveis prejuízos à saúde da população e à economia da indústria hoteleira e turística e, portanto, à arrecadação habitual dos cofres públicos mediante o pagamento de tributos, é clássico exemplo de como medidas de urgência são muito mais custosas econômica e socialmente, tanto para o Governo como para a comunidade prejudicada, e dificilmente produzem com precisão os resultados pretendidos. O procedimento de emergência utilizado nesse caso foi muito mais caro à Administração Pública e, por conseguinte, à sociedade, do que se o problema houvesse sido verificado em tempo e equacionada sua solução, por meio de sim­ples e adequados programas de manutenção.
12. Conclusões
A situação no Aterro de Gramacho impõe sérias reflexões acerca do papel dos advogados no combate ao racismo ambiental e na luta organizada por justiça ambiental. Os juristas, portanto, podem e devem atuar, ao mesmo tempo, em defesa das comunidades mais atingidas e na liderança do processo de denúncia e de busca de soluções para esse e outros problemas de mesma natureza. Nesse sentido, imperioso o desencadeamento sólido e urgente, por lideranças represen­tativas das comunidades, organizadas sob a orientação e assessoria da classe dos advogados ambientalistas e apoiadas nas entidades que os congregam, como a Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas - Abaa, de um Movimento Nacional por Justiça Ambiental, que institucionalize o combate ao racismo am­biental, dando-lhe feições mais concretas e tangíveis.
A pressão sobre os Poderes Executivo e Legislativo, na medida das competências outorgadas a cada ente da Federação, e a provocação do Ministério Público, para apuração e julgamento de ilícitos civis, administrativos e criminais praticados contra o meio ambiente e a comunidade, também são fundamentais e, nessa seara, a assessoria jurídica é indispensável. Em paralelo, há que denunciar práticas discriminatórias junto à opinião pública e aos órgãos ambientais competentes, a exemplo do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e do Cen­tro de Referência de Justiça Ambiental (Cereja), mobilizando e chamando à participação os membros da sociedade. Além disso, é preciso incentivar estudos e divulgar informações sobre saúde e segurança, com o fim de formar comunidades ambientalmente educadas e conscientes de seus direitos, assim como buscar apoio institucional e econômico de outros entes dispostos a participar do processo.
A atuação dos advogados, porém, sem dúvida terá ainda maior importância, e isso se aplica ao caso do Aterro de Gramacho, na defesa judicial dos direitos das comunidades, uma vez atingidas por injustiças ambientais e práticas discriminatórias, à reparação histórica e justa por danos causados à sua saúde, Segurança e bem-estar, e ao meio em que vivem, na forma de investimentos na










REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL - 27

recuperação ambiental das áreas degradadas. Esse direito, aliás, junto com o atendimento médico adequado a problemas de saúde decorrentes de poluição, está previsto no 9.° Princípio de Justiça Ambiental.
De fato, a provocação do Poder Judiciário e do Ministério Público, na apuração, julgamento e punição de crimes e ilícitos civis ou administrativos, ambientais e de racismo é uma das mais eficazes formas de proporcionar às parcelas marginalizadas da população, porque conferido constitucionalmente a todas as pessoas de modo igualitário o pleno exercício do direito ao meio ambiente ecologicamente equili­brado, assim considerado essencial à sadia qualidade de vida.

Bibliografia

ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental - Novas articulações entre meio ambiente e demo­cracia. Série Sindicalismo e Justiça Ambiental. Movimento Sindical e Defesa do Meio Ambiente: o debate internacional, editada em cooperação pelo Projeto Meio Ambiente e Democracia, do Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ, com apoio da Central Única do Trabalhadores do Rio de Janeiro - CUT/RJ, por meio de sua Comissão de Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2000. Vol.III.
ADAMI SANTOS JR., Humberto. Responsabilidade das instituições financeiras frente ao dano ambiental de projetos por elas financiados. Dissertação apresentada à Facul­dade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ como parte integrante dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Direito da Cidade e Urbanismo.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001.
BULLARD, Robert D. “A anatomia do racismo ambiental e o Movimento por Justiça Ambiental”. Confronting environmental racism - Voicesfrom the grassroots. Boston, Mass: South End Press, 1996, extraído da Série Sindicalismo e Justiça Ambiental. Movimento Sindical e Defesa do Meio Ambiente: o debate internacional, editada em cooperação pelo Projeto Meio Ambiente e Democracia, do Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ, com apoio da Central Única do Trabalhadores do Rio, de Janeiro - CUT/RJ, por meio de sua Comis­são de Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2000. Vol. III.
MEADOWS, Donella. Beypnd the limits: confronting global collapse, envisioning a sustainable         future. White River Junction, Vermont, EUA: Chelsea Green, 1992.
MONDARDO, Dilsa. Ética holística aplicada ao direito. 18. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2001.
NALINI, José Roberto. Ética ambiental. Campinas: Millenium, 2001.

Nenhum comentário:

Postar um comentário