quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Alerj vai recorrer de decisão da Justiça que cancelou cotas para negros em concursos



Alerj vai recorrer de decisão da Justiça que

 

cancelou cotas para negros em concursos

Para os desembargadores do TJ-RJ, a Alerj não pode legislar sobre os concursos do Judiciário
Para os desembargadores do TJ-RJ, a Alerj não pode legislar sobre os concursos do Judiciário Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Andréa Machado, Leandro Saudino, Marcela Sorosini, Mariana Moreira e Rafaella Barros

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) decidiu, anteontem, que as cotas para negros e índios não serão obrigatórias em concursos públicos dos poderes Judiciário e Legislativo, do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado. A decisão, que declarou inconstitucional a Lei estadual 6.740/2014 — a pedido da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio — , foi avaliada por especialistas em Direito como correta, do ponto de vista jurídico, mas requer que o próprio Judiciário estabeleça uma solução sobre o tema.
— Os tribunais organizam a sua própria estrutura, o seu funcionamento e os concursos para o preenchimento dos seus cargos — afirma Lauro Schuch, advogado constitucionalista e ex vice-presidente da OAB Rio.


Humberto Adami, advogado e diretor do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA), alega que, no meio jurídico, fala-se que ações como esta seriam um “boicote silencioso” à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que já reconheceu as cotas como constitucionais:
— O TJ do Rio Grande do Sul considerou que é uma invasão de competência (em relação às cotas estabelecidas na cidade de Cachoeira do Sul), dizendo que a lei tinha que partir dele. E isso já está sendo elaborado.
Frei David, diretor-executivo do Movimento Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), afirmou que a entidade vai solicitar uma audiência com a desembargadora Leila Mariano, presidente do TJ-RJ, para tratar do tema.
O deputado estadual Luiz Paulo (PSDB), um dos autores da lei estadual, disse ontem que a procuradoria da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) vai recorrer ao Supremo.
— Se é constitucional para um poder, no entendimento dos parlamentares que a fizeram, ela é constitucional para os outros poderes também.
O TJ-RJ não se manifestou até o final desta edição.
Mudança feita em abril
Em 25 de outubro de 2011, o governador do estado do Rio, Sérgio Cabral Filho, sancionou a lei 6.067/2011, decretada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro(Alerj), que reservava a negros e índios 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos do poder Executivo e de sua administração indireta estadual.
De acordo com o advogado especializado em concursos públicos Sérgio Camargo, desde o início a lei poderia ter sido objeto de discussão em alguns de seus pontos.
— Nesta lei de 2011, inclusive, creio que há ausência de elementos técnicos que comprovem que o candidato é mesmo descendente. A autodeclaração é temerária por si só e, assim, a lei não atinge o seu propósito — afirmou.
No início deste ano, a lei original voltou a ser discutida na Alerj e sofreu uma alteração, ganhando maior abrangência, com a Lei 6.740/2014 — sancionada em 2 de abril. A mudança trouxe a inclusão de cotas também para os concursos dos poderes Legislativo e Judiciário, além de Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado do Rio. Com a decisão do Órgão Especial, essa ementa perdeu seu valor. Nos concursos já encerrados, a reserva de vagas continua valendo.
Para este ano, o Tribunal de Justiça do Rio tem dois editais de concursos em andamento, para os cargos de técnico e analista judiciários. Apesar de anteriores à decisão, eles têm apenas reserva de 5% das vagas para candidatos com deficiência física.
Polêmica em concurso de São Pedro da Aldeia
Em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos, o tema cotas dividiu as opiniões dos candidatos que participaram do concurso para professor da rede municipal. No exame da primeira fase, aplicado no domingo passado, a prova de Língua Portuguesa usou como texto principal o artigo “Buscando a excelência”, publicado em 2012 na revista “Veja”, no qual a escritora Lya Luft se diz contrária à reserva de vagas para negros e índios no ensino superior (que chama de “infelizes cotas”).
Uma candidata, que preferiu não se identificar, disse ter se sentido “muito mal” com o texto:
— Tenho dois primos que estudam pelas cotas e não são “descerebrados”, como a autora falou.
O candidato Nilton Santos, de 50 anos, aprovou o artigo:
— A banca está de parabéns! Trouxe um tema atual e provocativo. A esquerda brasileira, com suas cotas, cria uma segregação que nunca existiu no Brasil.
Em nota, a Prefeitura de São Pedro da Aldeia afirmou que “não irá se manifestar em relação ao assunto por não ter acesso prévio aos textos usados pela empresa realizadora do Concurso, o Instituto Nacional de Concursos Públicos (INCP). O Secretário da pasta, Antônio Carlos Teixeira Barreto, ressalta que a empresa contratada para realizar o exame possui grande credibilidade e que a Prefeitura da cidade não participa da elaboração das provas. Ainda de acordo com o secretário, o envolvimento da Prefeitura resultaria numa quebra de sigilo. A empresa selecionou uma banca renomada para elaborar a prova e tem total responsabilidade sobre o conteúdo”.
O Instituto Nacional de Concursos Públicos (INCP), que organizou a seleção, informou, também por meio de nota, que “a prova para os cargos de nível superior foi elaborada tomando como base para as questões referentes à análise semântica e gramatical um texto, pertencente ao gênero textual Artigo de Opinião, que é um dos gêneros textuais mais trabalhados atualmente no contexto escolar” e que “em nenhum momento o ponto de vista do articulista representa o ponto de vista do INCP, tampouco o mesmo incita ou referencia a concordância com a sua opinião, apenas apresenta o texto, cabendo ao leitor, como em todos os outros gêneros textuais, fazer suas próprias inferências e posicionar-se criticamente diante de todo e qualquer texto”. Sobre o texto escolhido, o INCP esclareceu que “concede à sua banca, total liberdade na escolha de texto e elaboração das questões, sendo uma das exigências, que este coadune com a bibliografia exigida. No entanto, o que se pode acrescentar, é que o texto escolhido provém de uma renomada e respeitada escritora, publicado em umas das revistas mais lidas do país; o que não significa necessariamente que traduzem a opinião do INCP, nem da prefeitura de São Pedro da Aldeia”.




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