sábado, 14 de junho de 2014

Liminar contra Google protege matriz africana

Poucas liminares são tão bem fundamentadas quanto esta do Desembargador Federal Reis Friede, que reforma a decisão anterior do juiz federal Eugenio Rosa, sobre vídeos ofensivos a Candoble e Umbanda. A decisão do desembargador está muito bem fundamentada e, penso, dificilmente será reformada. 'E meia sentença. Continuemos a organizar o amigo da corte para ingressar na ação civil pública. Humberto Adami

AS INFORMAÇÕES AQUI CONTIDAS NÃO PRODUZEM EFEITOS LEGAIS.
SOMENTE A PUBLICAÇÃO NO D.O. TEM VALIDADE PARA CONTAGEM DE PRAZOS.

0101043-94.2014.4.02.0000      Número antigo: 2014.00.00.101043-0
Agravo de Instrumento - Agravos - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Autuado em 16/05/2014  -  Consulta Realizada em 14/06/2014 às 15:13
AGRAVANTE : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR: Procurador Regional da República
AGRAVADO  : GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
ADVOGADO  : SEM ADVOGADO
ÓRGÃO RESP : 7ª Turma Especializada
Gabinete 21
Magistrado(a) REIS FRIEDE
Distribuição-Sorteio Automático  em 16/05/2014 para Gabinete 21
Originário: 0004747-33.2014.4.02.5101 - 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro
--------------------------------------------------------------------------------
Concluso ao Magistrado(a) REIS FRIEDE em 11/06/2014 para Decisão SEM LIMINAR  por T25038
--------------------------------------------------------------------------------



AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
AGRAVADO: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
RELATOR: REIS FRIEDE
7ª Turma Especializada



DECISÃO

Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de Tutela Antecipada Recursal, interposto pelo Ministério Público Federal em face da Decisão monocrática do MM. Juízo da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que indeferiu a antecipação de tutela pleiteada em sede de Ação Civil Pública.

I. Da Imediata Apreciação da Antecipação de Tutela Recursal:
Considerando que, para a intimação da Parte Agravada, fez-se necessária a expedição de Carta Precatória (fls. 346/348), cujo cumprimento se mostra, naturalmente, mais demorado do que a habitual intimação por publicação oficial, revela-se razoável, a esta altura, a apreciação do pedido de antecipação da tutela recursal, inclusive inaudita altera parte, com fundamento nos princípios da efetividade da jurisdição e da razoável duração do processo.

II. Do Relatório:
A Ação originária, movida em face da GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA, tem por objetivo a condenação da Ré a retirar, dos meios públicos virtuais, - internet -, conteúdos que supostamente veiculam a intolerância e a discriminação por motivos fundados na religiosidade das crenças de matrizes africanas.
Alega, o MPF, que os fatos que dão ensejo à presente demanda motivaram, anteriormente, a instauração do Procedimento Administrativo nº 1.30.001,000568/2014-30. Na oportunidade, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MÍDIA AFRO, autora da representação, alegou, em síntese, que os conteúdos divulgados através do site YOUTUBE disseminam a intolerância e a discriminação contra as religiões de matrizes africanas.
Na ocasião, o Parquet Federal, através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, realizou audiência pública em que se debateu o papel da mídia e do Estado em relação a possíveis violações aos princípios da liberdade religiosa, como bem assim das características relativas ao Estado laico.
Sustenta, o MPF, que, após a análise apurada do conteúdo em questão e constatada a natureza ilícita do material, expediu recomendação a fim de que a GOOGLE BRASIL o retirasse da internet, além de encaminhar cópias para apuração de eventual ilícito penal, deixando, entretanto, a Empresa agravada, de atender à recomendação ao argumento de que se tratava apenas de um fiel retrato da liberdade religiosa do povo brasileiro e que os mencionados vídeos não violavam as políticas da empresa.
Ainda, aduz que todo culto religioso tem o direito de expressar seus pensamentos e manifestar sentimentos de acordo com suas próprias crenças, ritos e liturgias, ressaltando, entretanto, que a liberdade de manifestação religiosa não é absoluta, posto que limitada à obrigação de respeitar as crenças religiosas alheias.
Neste norte, registra que a Declaração da UNESCO de 1978 determina que todos, inclusive os meios de comunicação e o Poder Público, têm a obrigação de promover a harmonia entre os povos e contribuir, por todos os meios ao seu dispor, para erradicar todas as formas de discriminação, ao passo que a Lei nº 12.966, de 24 de abril de 2014, trata, expressamente, sobre a proteção à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, alterando, assim, a Lei de Ação Civil Pública, cujo artigo 4º prevê expressamente: ¿Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos¿.
Afirma, outrossim, que a permanência dos vídeos na rede mundial de computadores  perpetua a ofensa à honra e à dignidade das religiões, bem como favorece e estimula a prática de intolerância, discriminação, ódio e atos de violência, além de encorajar outros meios de comunicação a veicular e adotar a mesma posição da Empresa-Ré e permitir a circulação de material de conteúdo ilícito.
Requer, por fim, a retirada dos vídeos da internet, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, cominando-se multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por dia, em caso de descumprimento da ordem judicial, a ser revertida para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, bem como o fornecimento de informações sobre a data, hora, local e número do Internet Protocol (IP) dos computadores que foram utilizados para postar os referidos vídeos, armazenando os dados por 120 (cento e vinte) dias.

III. Da Fundamentação Decisória:
Conforme relatado, o Ministério Público Federal interpôs o presente Agravo de Instrumento, objetivando a reforma da Decisão proferida pelo Juízo a quo, a fim de que seja determinada ao Google a retirada, do site YOUTUBE, dos vídeos elencados na inicial, sob o argumento de apresentarem conteúdo preconceituoso, intolerante e discriminatório, caracterizando verdadeiro discurso de ódio contra as religiões de matrizes africanas.

1. Dos Valores Fundamentais do Regime Democrático
É cediço que, em sentido amplo, o Regime Democrático se traduz como um regime de amplas liberdades em seus variados espectros (liberdade de ação, liberdade de pensamento, liberdade de reunião, liberdade de associação, liberdade de profissão, liberdade de locomoção, liberdade pessoal, etc.), ainda que, por si só, tal característica não seja suficiente para definir a Democracia. Neste sentido, outro postulado do Regime Democrático é, sem dúvida, o princípio da igualdade (isonomia), sendo possível afirmar que a concepção conceitual de Democracia, por muito tempo, tem se baseado, fundamentalmente, nos pilares da liberdade e da igualdade.
Releva notar que a idéia contemporânea de Democracia transcende, contudo, os elementos da liberdade e da igualdade para - além de incluí-los sob uma nova roupagem (que implica uma participação ativa do Estado, como garantidor último dos direitos derivados desses) - também incluir a noção basilar do direito à dignidade da própria existência do homem, através dos chamados direitos humanos.
Nesse sentido é que se afirma que a expressão Democracia, com o advento da era contemporânea, passou a admitir, em uma tradução ampla, um significado peculiar e universal, associado aos direitos inerentes ao homem como ser humano, independentemente dos aspectos (culturais, linguísticos, raciais, de credo, etc.) específicos de cada comunidade nacional.
A geratriz de tal fenômeno parece ter explicação no fato de que, embora cada ser vivo seja ímpar, o gênero humano possui também uma infinidade de elementos comuns que permitem deduzir a existência efetiva de uma grande e única comunidade global, transcendente ao simples resultado da soma das diversas sociedades nacionais que a compõem.
O primeiro resultado objetivo desta constatação (que, ao que tudo indica, ensejou a caracterização de uma específica e peculiar linha histórico-evolutiva), decorre da própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, no contexto da criação da Organização das Nações Unidas - ONU (na qualidade de autêntica Confederação Institucional), no imediato período do pós-guerra, em 1945. 
Nessa linha de entendimento, o mestre norte-americano CHARLES MERRIAN enumera vários postulados essenciais à Democracia - entendida, aqui, como ordem constitucional baseada no reconhecimento e na garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana -, tais como: "1º) a dignidade do homem e a importância de se lhe dispensar tratamento fraternal, não discriminativo; 2º) a perfectibilidade do homem e a confiança nas suas possibilidades latentes, em contraposição à doutrina de castas rígidas, classes e escravidão; 3º) as conquistas da civilização consideradas como conquistas das massas; 4º) a confiança no valor da aquiescência dos governados, cristalizada em formas institucionais, como o fundamento da ordem, da liberdade e da justiça; 5º) a legitimidade das decisões tomadas por processos racionais, com o consenso de todos e refletindo normalmente resultados de debates livres e tolerantes, em lugar da violência e da brutalidade." (SAHID MALUF; Teoria Geral do Estado, 23ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, ps. 276 e segs.).
Em breve síntese, não há, portanto, como deixar de concluir que o Regime Democrático, em sua acepção ampla, decorre de uma inconteste e inafastável cultura humanística que, em última análise, apregoa universalmente a primazia do próprio ser humano.

1.1 Democracia e Direitos Constitucionais Fundamentais
Vale ressaltar que, para alguns, a Democracia também encontra-se umbilicalmente associada à idéia da constante participação dos nacionais (e, particularmente, dos cidadãos) na atividade estatal (decidindo, executando o decidido e, em última análise, transformando a realidade sócio-política) por intermédio de um genuíno processo democrático; ainda que, para outros, a Democracia se encontre associada, fundamentalmente, à questão da legitimidade do exercício do poder, permitindo ao povo uma sinérgica participação (ainda que indireta) no governo, em sua acepção ampla. Há também, resta consignar, aqueles que identificam a Democracia com o regime de amplas liberdades (independente da efetiva participação nas decisões políticas que seria uma questão basicamente volitiva e individual) e, finalmente, certos doutrinadores que elegem a máxima da "prevalência da vontade da maioria com respeito aos direitos da minoria" para bem traduzir, de maneira objetiva, o vocábulo Democracia.
Em qualquer hipótese, resta claro que, independente de outras considerações, o denominado Regime Democrático é, em última análise, caracterizado pela prevalência absoluta do império da lei em sentido amplo, incluindo neste diapasão a Constituição (com todos os direitos e deveres, - individuais, coletivos e difusos -, ali previstos), desde que a mesma evidentemente goze da necessária legitimidade popular (inicial e posterior).
Nesse sentido, a Democracia (e, em particular, o Regime Democrático), vale frisar, revela-se de uma forma muito mais ampla do que a simples expressão do consenso autorizativo do titular do poder em face dos responsáveis pelo seu exercício direto e indireto (liame de legitimidade), ainda que reconhecidamente estas sejam, ao lado da efetiva participação popular, as duas características mais elementares (e iniciais) da necessária construção do chamado Estado de Legitimidade que, associado ao Estado de Legalidade (na qualidade de tradução final da necessária garantia de concreção efetiva da ordem legal-constitucional legitimamente estabelecida), forjam o derradeiro Estado Democrático ou, em termos mais precisos, a concepção contemporânea do Estado Democrático de Direito, como natural desdobramento evolutivo do clássico (e limitado) Estado de Direito.
Destarte, o advento dessa concepção de Estado Democrático de Direito permitiu, pelo menos prima facie, a plenitude da Democracia (e, por efeito, do Regime Democrático), com a efetivação de uma série de princípios, tais como aqueles enunciados por JOSÉ AFONSO DA SILVA (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 6ª ed., ps. 101 e segs.): princípio da constitucionalidade, princípio democrático, princípio da justiça social, sistema de direitos fundamentais, princípio da igualdade, princípio da divisão de poderes, princípio da legalidade e princípio da segurança jurídica.
Convém observar, todavia, o fato inconteste de que, mesmo na plenitude do chamado Estado Democrático de Direito, a Democracia pode ainda não se efetivar plenamente, posto que no Regime Democrático também se exige, por parte do Estado, além de todos os elementos já mencionados, sinérgica ação comissiva dentro do contexto do binômio poder-dever que condiciona a atuação estatal no âmbito maior da promoção concreta do império da lei (e, consequentemente, da ordem jurídica derivada).
É exatamente desta virtual omissão do dever estatal de agir que, em muitos casos, mesmo existindo um indiscutível Estado Democrático de Direito (pelo menos sob a ótica formal), a Democracia (na qualidade de império da lei e da ordem jurídica) não se realiza em sua plenitude (Democracia Material ou Substantiva), forjando o que, nos últimos anos, convencionamos chamar de Democracia Formal (ou aparente).
Em grande medida, este é, para muitos estudiosos, o retrato do Estado brasileiro que, não obstante toda a sorte de avanços legislativos e de outras matizes, não consegue fazer valer, em termos práticos e concretos, para todos os cidadãos e em todos os casos, como determina a Constituição, elementos legais básicos, muitas vezes relativos a direitos fundamentais (de natureza constitucional) e que, neste aspecto, apenas aparentemente, se encontram assegurados.
Nesse diapasão, o historiador DANIEL AARÃO REIS afirma que "a cultura política nacional-estadista, fundada no Estado Novo, foi conservada pelo estado de direito autoritário entre 1946 e 1964, ampliada pelos governos ditatoriais e retomada em grande estilo pelo lulismo. Essa cultura política se redefiniu, se reconfigurou e permaneceu ao longo do tempo. Trata-se de uma cultura política com uma lógica autoritária, mesmo quando atende a demandas populares. Precisa ser criticada para que se fortaleçam as bases da democracia brasileira. (...) A tal consolidação da democracia brasileira é uma história da carochinha, um conto pra boi dormir. A intolerância e as tendências autoritárias perpassam com vigor a sociedade brasileira. Querem dados? As taxas de homicídio, as de estupro, inclusive de crianças, as da violência policial, a vigência de uma assustadora homofobia, a prática disseminada da tortura e sua aceitação por amplos segmentos da sociedade. A democracia brasileira existe muito mais devido a uma equilibrada correlação de forças que devido a convicções democráticas arraigadas. Se houver uma crise grave, haveremos de ver as tentações autoritárias aparecerem com grande força no horizonte da sociedade brasileira." (DANIEL AARÃO REIS; Entrevista à Revista Época, 31 de março de 2014, ps. 76-78).
O historiador MARCO ANTONIO VILLA é mais uma voz consonante com esse entendimento e lamenta a falta de debate em torno do assunto, ao asseverar: "Em um país com uma terrível herança autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a importância dos valores democráticos." (MARCOS ANTONIO VILLA; Os gigolôs da memória, O Globo, 8 de abril de 2014, p. 18).
No mesmo sentido, alguns autores têm manifestado, recentemente, a idéia de que a Democracia e o Regime Democrático, - em sua tradução material (derivada, esta, da necessária associação entre os anteriormente mencionados Estados de Legitimidade e de Legalidade) -, constituem-se muito mais em uma resultante estrutural dialética, relativamente a um processo histórico-factual de uma Sociedade, de nítida feição político-ideológica, do que propriamente em um modelo concepcional de regime político que poderia, em tese, ser implantado, aleatoriamente, conforme desejo formal, de algum modo, manifestado por um povo ou, - o que é mais comum -, por uma classe ou grupo governante.
Manifesta-se, nessa mesma linha, o filósofo italiano PAOLO FLORES D'ARCAIS: "Na democracia, consenso eleitoral, o princípio da maioria é importante, mas não fundamental no sentido etimológico da palavra, não está no fundamento da democracia. É a técnica inevitável do funcionamento das instituições, mas seu fundamento está em outra parte: no respeito aos direitos civis das minorias, na recusa de qualquer xenofobia, no antifascismo. Sobre estes dois valores não há maioria que prevaleça: uma maioria que os rechace é maioria, mas está fora da democracia." (CARLOS PAGNI; O Poder Absoluto das Maiorias, O Globo, 26 de abril de 2013).
Assim, a liberdade individual, na qualidade de um dos pilares do regime democrático, por exemplo, estaria, neste diapasão analítico, muito mais associada ao grau de maturidade sócio-política (nível de conscientização popular) de uma coletividade organizada e, portanto, do patamar de civilização obtido por uma sociedade em seu desenvolvimento histórico-político, do que condicionado a simples vontade manifestada por qualquer meio formal, de índole político-jurídica (v.g. assembléia nacional constituinte), de implantação (artificial) de uma Democracia.
Seguindo esse entendimento, podemos afirmar que a promulgação da atual Constituição da República, em 1988, constituiu importante degrau evolutivo no desenvolvimento histórico-político brasileiro, contribuindo para a construção de uma sociedade efetivamente justa e solidária, tendo na dignidade da pessoa humana o seu referente fundamental, valor-fonte dos demais valores inerentes ao conceito de Estado Democrático de Direito (separação de Poderes, pluralismo político, isonomia, legalidade, etc.), aos quais serve de fundamento como categoria ontológica pré-constituinte ou supraconstitucional (MIGUEL REALE; Pluralismo e liberdade, São Paulo, Saraiva, ps. 70 e segs.).
Em necessária síntese, é possível afirmar que a Democracia denota características e atributos básicos, genuínos elementos de concreção que, na ordem constitucional brasileira, são encontrados, primordialmente, no elenco de direitos constitucionais fundamentais, dividido em três principais grupos: direitos genéricos (individuais, coletivos e difusos), direitos sociais e direitos políticos.

1.1.1 Direitos Constitucionais Individuais
Relativamente aos direitos do indivíduo positivados na Constituição, merece especial atenção, na presente hipótese, os direitos relacionados à liberdade, mais especificamente, à liberdade de pensamento, sob cuja roupagem genérica, a Constituição assegura a liberdade de consciência e de crença (liberdade de pensamento e de culto), a liberdade de expressão (liberdade de manifestação do pensamento), além da liberdade de ensino, previstas nos artigos 5º, incisos IV, VI, VII, VIII, IX e 206, inciso II, todos da CRFB/88.
Não se pode perder de vista que "as liberdades são proclamadas partindo-se da perspectiva da pessoa humana como ser em busca da auto-realização, responsável pela escolha dos meios aptos para realizar as suas potencialidades." (GILMAR MENDES, INOCÊNCIO COELHO e PAULO BRANCO; Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 359).
Como direitos fundamentais, as liberdades asseguradas na Constituição garantem aos seus destinatários não apenas a obrigação do Estado em respeitá-las, como também a obrigação de cuidar para que sejam respeitadas pelos próprios particulares em suas relações recíprocas.
Neste ponto, não é demais repisar que o verdadeiro Estado Democrático de Direito não se constitui apenas em um conjunto de sérias e rigorosas limitações ao poder estatal, em face dos direitos individuais fundamentais, mas, sobretudo, na efetiva garantia, por parte do Estado, de que esses mesmos direitos não serão violados por outros indivíduos e grupos trans ou paraestatais. Em outras palavras, o Estado Democrático de Direito também se caracteriza "como instância de solução de conflitos entre pretensões colidentes resultantes dessas liberdades." (GILMAR MENDES, INOCÊNCIO COELHO e PAULO BRANCO; cit., p. 359).

1.1.2 Direito à Liberdade de Expressão do Pensamento
Nesse contexto analítico, deve ser assinalado que a liberdade de exteriorização do pensamento, em particular - a exemplo de outros direitos fundamentais -, não pode ser, de nenhum modo, interpretada de forma absoluta, posto que, em certas situações, poderá haver efetivo prejuízo social, no que tange a eventuais ofensas aos demais valores de elevada estatura constitucional.
Assim é que a liberdade de expressão não pode jamais constituir (e, de fato, não constitui) autorização irrestrita para ofender, injuriar, denegrir, difamar e/ou caluniar outrem. Vale dizer, liberdade de expressão não pode se traduzir em desrespeito às diferentes manifestações dessa mesma liberdade, sendo correto dizer que a liberdade de expressão encontra limites no próprio exercício de outros direitos fundamentais.
Como desdobramento da liberdade de expressão, em sentido amplo, a Constituição alberga, ainda: i) a liberdade de consciência, relacionada à faculdade de formular juízos e idéias sobre si mesmo e sobre o meio externo; e ii) a liberdade religiosa, que abarca as liberdades de crença, de adesão a alguma religião e de exercício dos cultos respectivos.
Deve-se registrar, desde logo, que o direito de praticar livremente uma religião não inclui a liberdade para expor indivíduos de outras religiões a ofensas. Pelo contrário, "o reconhecimento da liberdade religiosa decerto que contribui para prevenir tensões sociais, na medida em que, por ela, o pluralismo se instala e se neutralizam rancores e desavenças decorrentes do veto oficial a crenças quaisquer." (GILMAR MENDES, INOCÊNCIO COELHO e PAULO BRANCO; cit., p. 419).
Nesse diapasão, deve-se afirmar, e repisar, que o efetivo respeito às diferentes opiniões e crenças é a base do regime democrático, sendo a liberdade religiosa constitucionalmente cogente. O Estado Democrático de Direito, como já afirmado, não é caracterizado pela simples vontade da maioria, mas sim, pela sinérgica e inegociável primazia dos valores democráticos, o que inclui, por evidente, o absoluto respeito às diferenças religiosas.
Frise-se que são as diferenças - e o absoluto respeito a elas (heterogenia, e não homogenia) - que se constituem, exatamente, nos elementos que caracterizam, em última análise, a mais sublime expressão do Estado liberal laico, que nasceu e floresceu exatamente da resposta vitoriosa ao Estado totalitário, tanto o de índole teocrática como o de índole ateísta. Assim, resta inconteste e conclusivo que tanto a doutrina cristã merece ser respeitada, como todas as demais, incluindo as religiões de matrizes africanas, em absoluta observância aos ditames constitucionais democráticos.
Note-se, por oportuno, que, em uma sociedade plural, como é o caso da sociedade brasileira, não se mostra possível formular uma definição precisa de religião que englobe a ampla gama de crenças espirituais e práticas que nela se fazem presentes, posto que, consoante acertada lição de ERWIN CHEMERENSKY, "não há uma característica particular ou um plexo de características que todas as religiões tenham em comum, a fim de que seja possível defini-la(s) como religião(ões), definição ampla que se revela particularmente importante para maximizar a proteção das manifestações religiosas." (INGO SARLET, LUIZ MARINONI e DANIEL MITIDIERO; Curso de Direito Constitucional, 2ª ed., São Paulo, RT, 2013, p. 477).
Precisamente porque vivemos em uma sociedade plural, inclusive no aspecto religioso, é importante registrar que a liberdade religiosa, como modalidade da liberdade de expressão (manifestação do pensamento) e, especialmente, da liberdade de consciência (que abarca tanto a liberdade de ter como a de não ter religião), também se encontra sujeita a limitações no que se refere ao exercício de outros direitos fundamentais e, sobretudo, à dignidade da pessoa humana, sendo certo que, em caso de conflito, deve se proceder a uma cuidadosa ponderação entre os interesses envolvidos, observando-se, em todo e qualquer caso, o critério da proporcionalidade como norteador na busca da solução para o conflito apresentado.
Seguindo esse entendimento, INGO WOLFGANG SARLET afirma que "podem ser justificadas, a depender do caso, restrições quanto ao uso da liberdade religiosa para fins de prática do curandeirismo e exploração da credulidade pública, especialmente quando com isso se estiver incorrendo em prática de crime ou afetando direitos de terceiros ou interesse coletivo." (INGO SARLET, LUIZ MARINONI e DANIEL MITIDIERO; cit., p. 481).
De particular relevância para a definição de limites à liberdade de expressão, por outro prisma, é a prática do denominado discurso do ódio ou de incitação ao ódio (hate speech), que seria aquele conjunto de manifestações de idéias capazes de suscitar atos de violência, ódio ou discriminação racial, social ou religiosa em relação a determinados grupos, quase sempre minoritários, na tentativa de levianamente desqualificá-los como detentores de reconhecidos direitos.
É entendimento dominante, não apenas no Brasil, mas também no direito comparado, que a liberdade de expressão encontra limites na dignidade da pessoa humana de todos os indivíduos integrantes do grupo afetado por manifestações de teor discriminatório e destinadas a incitar o ódio e até mesmo a violência.  
Nessa trilha, é possível afirmar que a liberdade de expressão pode - e, em alguns casos, mais precisamente deve - ser limitada, o que não conduz, contudo, à sua supressão, consoante entendimento já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:

HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada. (grifos nossos) (STF, Pleno, HC 82.424-2/RS, Relator p/ acórdão Ministro Maurício Corrêa, DJ 19.03.2004.)
Conforme se observa do julgado acima transcrito, a Suprema Corte brasileira decidiu que o discurso do ódio configura situação não abrangida pelo âmbito de proteção do direito à liberdade de expressão. Vale dizer, a proteção constitucional do direito à liberdade de expressão não acoberta comportamentos que atingem intoleravelmente os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional.
Dessa forma, se é correto afirmar que a prevalência de um direito sobre outro, em casos de conflito, se determina em razão das peculiaridades do caso concreto, não menos acertado é reconhecer que situações existem em que o conflito é apenas aparente, posto que a pretensão de uma das partes envolvidas não se inclui no âmbito de proteção do direito que evoca, como ocorre em relação ao discurso de ódio e à liberdade de expressão.

IV. Da Questão Processual:
1. Do Efeito Suspensivo Ativo
A partir da edição da Lei nº 10.352/2001, que conferiu nova redação ao art. 527, inciso III, do CPC, a sistemática recursal brasileira passou a prever, no âmbito do Agravo de Instrumento, além do já conhecido efeito suspensivo, o denominado efeito suspensivo ativo (ou simplesmente efeito ativo, como preferem alguns), permitindo, ao Tribunal (órgão ad quem), prover uma autêntica antecipação de tutela recursal, nos casos em que a decisão interlocutória agravada tenha natureza negativa.
Dessa forma, as mesmas limitações legais para o deferimento - sobretudo liminar - da tutela antecipada originária (art. 273 do CPC) subsistem na tutela antecipada recursal (art. 527, inciso III, c/c art. 558, ambos do CPC), merecendo destaque a exigência de verossimilhança do direito alegado e a presença de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
É sob esta ótica que se passa à apreciação dos pedidos formulados pelo MPF, em sede de antecipação da tutela recursal.

1.1 Do Pedido de Retirada dos Vídeos do site YOUTUBE
Sustenta, o Ministério Público Federal, que "somente a imediata exclusão dos vídeos da internet permitirá o retorno do exercício das liberdades fundamentais ao eixo da constitucionalidade, restaurando-se, assim, a dignidade de tratamento que nesse caso foi negada às religiões de matrizes africanas." (fl. 20).
Verifica-se, do que consta dos autos - bem como do dvd contendo a gravação dos vídeos -, a verossimilhança do direito alegado pelo MPF. De fato, no caso trazido à apreciação deste Órgão Julgador, é possível afirmar, com base nos fundamentos anteriormente  expostos, que a veiculação de vídeos potencialmente ofensivos e fomentadores do ódio,  da discriminação e da intolerância contra as religiões de matrizes africanas não corresponde ao legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, merecendo ser, por via de consequência, concedida a tutela do Estado, ao menos de forma provisória, compatível com o presente momento processual, no sentido de determinar-se a imediata retirada dos vídeos listados pelo MPF da rede mundial de computadores.
Isso porque, além da plausibilidade jurídica do pedido, está presente, também, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, na medida em que, a cada dia em que os vídeos permanecem disponíveis no site YOUTUBE, perpetuam-se as mensagens de ódio, discriminação, intolerância e violência neles contidas, que continuam sendo disseminadas a um número indeterminado de pessoas, tendo em vista o acesso irrestrito a tal conteúdo.
Ressalte-se que, além dos fundamentos de índole constitucional já examinados,  a presente medida apresenta, também, inconteste respaldo legal consistente nas disposições da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, especialmente em seus artigos 24 e 26, verbis:
"Art. 24.  O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende:
I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins;
II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões;
III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas;
IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica;
V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana;
VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões;
VII - o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões;
VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais.
[...]
Art. 26.  O poder público adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de:
I - coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas;
II - inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas;
III - assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder público." (grifos nossos)
Por efeito consequente, restam absolutamente configurados, in casu, os requisitos necessários para a concessão da medida de antecipação dos efeitos da tutela recursal em relação ao pedido de retirada dos vídeos do site YOUTUBE.

1.2 Da Imposição de Multa Diária por Descumprimento à Ordem Judicial
Quanto à imposição de multa diária por descumprimento à ordem judicial, resta registrar que o atual sistema processual prevê, expressamente, a modalidade de multa como sanção ao eventual inadimplemento da obrigação de fazer e não fazer, podendo o Magistrado, inclusive de ofício, impor multa diária ao réu com o objetivo de coagi-lo à entrega da prestação devida (art. 461, §§ 2º e 4º, do CPC). 
Observe-se, contudo, que a aplicação das denominadas astreintes deve, em qualquer hipótese, obedecer, necessariamente, ao inafastável critério da razoabilidade. Desse modo, embora a sua valoração deva ser expressiva a ponto de coagir o devedor a cumprir o preceito, não pode configurar-se num ônus excessivo, sob pena de desrespeito à equidade que deve balizar as decisões judiciais.
Na hipótese dos autos, a fixação de multa no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por dia de atraso no cumprimento da decisão judicial, revela-se, no entendimento deste julgador, data maxima venia, por demais excessiva, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que são de observância obrigatória.
Dessa forma, mostra-se adequada a redução do valor pleiteado pelo MPF para parâmetro mais factível, até mesmo com vistas à eventual e efetiva execução dessa verba.
Assim, o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a multa diária em caso de descumprimento da decisão se apresenta mais consentânea com a causa, sem afastar o seu necessário e pedagógico caráter coercitivo.

1.3 Do Pedido de Fornecimento de Informações sobre a Postagem dos Vídeos
Ainda em sede de antecipação da tutela recursal, o MPF requer seja a Ré-Agravada determinada a fornecer informações sobre a data, hora, local e número do IP dos computadores que foram utilizados para postar os referidos vídeos, armazenando os dados por 120 (cento e vinte) dias.
Especificamente quanto ao presente pleito, não demonstrou o Agravante a urgência urgentíssima que justifique a concessão da medida, cuja análise deverá, portanto, ser realizada no momento oportuno da apreciação do mérito da demanda.

V. Da Síntese Conclusiva:
Ante o exposto, DEFIRO parcialmente a antecipação da tutela recursal, tão-somente para determinar a retirada, da internet, dos vídeos listados pelo MPF, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, cominando-se multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia, em caso de descumprimento da ordem judicial.
Ressalte-se, entretanto, que, oportunamente, a presente Decisão poderá ser revista pelo Colegiado desta E. Turma - com maiores elementos, após a oitiva da Parte Agravada -, quando do julgamento do mérito do recurso.
Oficie-se, com urgência, ao MM. Juízo de origem, encaminhando, inclusive por fac-símile, cópia da presente decisão, a fim de que sejam adotadas as providências cabíveis à sua observância.
Tendo em vista a expedição de Carta Precatória para intimação da Agravada (fls. 346/348), aguarde-se o decurso do prazo para contrarrazões e, após, dê-se vista ao Ministério Público Federal, para manifestação na qualidade de custos legis.
P. I.


REIS FRIEDE
RELATOR
--------------------------------------------------------------------------------
Registro do Sistema em 12/06/2014 por T211516.

--------------------------------------------------------------------------------
Em decorrencia os autos foram remetidos em 12/06/2014 a(o) 7ª Turma Especializada 
Sem contagem de
Prazos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário