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A propósito de Caçadas de Pedrinho
Por: Edson Lopes Cardoso
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O narrador de Caçadas de Pedrinho(2), quando se refere a Tia
Nastácia, o faz preferencialmente destacando-lhe a cor (preta ou negra), a
qual muitas vezes vem antecedida do adjetivo pobre, no sentido de digno de
lástima, ou no sentido de pessoa simplória, parva, tola, pobre de espírito.
Tia Nastácia se expressa invariavelmente por meio de esconjurações e pelos-sinais (imersa que está em te Os bichos, todos bem falantes, argumentam e pronunciam com correção as palavras. Num contexto em que os animais pensam, comunicam o que pensam e se expressam num registro culto, as dificuldades de Tia Nastácia reservam-lhe um lugar bastante diferenciado entre os personagens. As analogias entre bichos e humanos acabam por reduzir ainda mais Tia Nastácia. Na hierarquização sugerida, os negros situam-se abaixo mes Não sendo bicho (embora tenha beiço, co Tia Nastácia protagoniza, ou por ser mais desastrada do que os demais, ou por não compreender os expedientes e artifícios impostos pelas circunstâncias, as cenas de quedas e de exposição ao perigo, nas quais o objetivo é provocar risos e confirmar o quanto ela é desajeitada e inepta. Tia Nastácia apresenta-se também distinta dos humanos, distinção centrada na cor, seu principal atributo identificador (a preta, a negra...), mas distingue-se também na ignorância, nas superstições de fundo religioso. Mas é a “carne preta” que determina tudo o mais, a marca indelével de sua inferioridade biológica. Na cena final, o narrador refere-se a ela com condescendência: ‘boa criatura’. Condescendência que é o reconhecimento da inferioridade do outro, visto de cima. Para passear no carrinho puxado pelo rinoceronte, co Tia Nastácia precisa alegar sua condição humana, lembrar que os negros compartilham com os demais essa mesma condição, para também poder sentar-se no carrinho. É igual, não inferior co No final do relato, concede-se a uma criatura inferior, bondosa, a participação em uma atividade que envolve a todos. Mas isso a torna igual aos demais, aos olhos do leitor? Depois de marcar a personagem, de estigmatizá-la, de A fala de Tia Nastácia parece questionar a hierarquização racial que a narrativa acentuou com tanta ênfase. Mas a questão é: diante das evidências de inferioridade registradas na narrativa, inferioridade sempre associada à cor da pele, por que a mera declaração desse ser parvo alegando sua igualdade nos faria duvidar da pertinência daquela outra caracterização tão enfática e duradoura? Caçadas de Pedrinho nos ensina que se você é negro ou preto, é inferior. A inferioridade dos negros não é só cultural, mas principalmente biológica. Isto é o que significa a palavra que está numa extremidade da frase de Tia Nastácia, no fecho do livro (‘Negro’). Foi esse o sentido apreendido pelo leitor, que agora chega ao final da narrativa. Na outra, está a palavra ‘sinhá’, que o dicionário define co Antônio Risério, em entrevista(3), após seu rompimento com Gilberto Gil, que o demitira do ministério da Cultura, tornou público o apelido do ministro: Tia Nastácia. Risério já deixou a escola há muito tempo, e suponho que há muito deixou de ler Lobato. No entanto, não só considera o apelido atual e pertinente, co Quando se trata de racis As contradições são muito evidentes: no jornal “Folha de S. Paulo”, depois de afirmar que há na obra “patente preconceito”, o editorialista recua do manifesto para o hipotético, subordinando o debate à condição de que haja racis Se o parecer do CNE não estimula na grande imprensa o debate sobre racis Ou seja, racista é quem diz que Lobato é racista. Numa sociedade em que racista é o negro que reivindica direitos humanos, econômicos, políticos, etc., não atentar para o racis O deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), radical ao revés, consegue a proeza de enxergar na figura da Tia Nastácia em Caçadas de Pedrinho a projeção da “igualdade do ser humano a partir da consciência da cor” e aproveita para criticar rispidamente o João Ubaldo, no artigo citado, afirma que Caçadas de Pedrinho é “somente um livro” que transporta as crianças “para a fantasia, a aventura e o encantamento inocentes”. Não preciso me reportar aqui aos estudos sobre ideologia para refutar o encantamento e a inocência de textos que negam ao negro a condição de pessoa humana. Os leitores de Lobato aprenderam a distinguir pessoas de não-pessoas, numa fantasia em que seguramente aprendem a amar porcos , bonecas de pano e sabugos de milho. As advertências que se preconizam para serem antepostas ao livro de Lobato são de todo inúteis. O racis Conforme ainda o editorial da Folha, criar obstáculos à circulação de Caçadas de Pedrinho é “quase co Segundo João Ubaldo, os leitores de Lobato “não vieram mais tarde a abrigar preconceitos e idéias nocivas, instilados solertemente na consciência indefesa de crianças”. Acompanhando o noticiário sobre o parecer do Conselho Nacional de Educação, o que presencia Eles se sentem pessoalmente atingidos quando você critica e ameaça investir contra a hierarquização racista da humanidade que os coloca no topo de uma presumida evolução da espécie, com direitos a todos os privilégios. Sim, Lobato é um clássico do racis Para concluir, precisa Não se pode deixar de lado o fato de que a maior parte dos recursos do FNDE( Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) destina-se à compra de livros didáticos e paradidáticos. A editora Globo, ao assumir os direitos sobre a obra de Lobato, quer alcançar uma fatia maior dos bilhões de reais à disposição do FNDE. É preciso colocar a apropriação do dinheiro público também na roda de debates. Para compreender 1. Texto-base para discussão com participantes da oficina “Racis 2.Lobato, Monteiro. 2ª Ed. São Paulo: Globo, 2008. 3. www.metropoletv.com.br. Me 4. Ver Arendt , Hannah. Entre o passado e o futuro. 6ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. 5. Folha de S. Paulo, edição de 30 de outubro de 2010, p. A2. 6. Ribeiro, João Ubaldo. “Por que não reescrevem tudo?”. O Estado de S. Paulo, edição de 7 de novembro de 2010, p. D4. 7. Carta de Yolanda (Danda) C. S. Prado à Folha de S. Paulo, 07/11/2010, p. A3. |
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