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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
O pecado de Thomas Sowell, artigo de Vânia Penha-Lopes
O pecado de Thomas Sowell, artigo de Vânia Penha-Lopes
Ainda que se concorde com ele que as cotas falharam na Ásia, na Nigéria ou nos EUA, isso não quer dizer que o mesmo aconteceria no Brasil
Vânia Penha-Lopes é professora de sociologia no Bloomfield College, EUA. Artigo publicado em ‘O Globo’:
Uma das últimas opiniões de Ali Kamel contra a política de ação afirmativa (‘Aos congressistas, uma carta sobre cotas’) cita o livro de Thomas Sowell sobre o mesmo assunto como prova de que as cotas não funcionam em nenhum país onde foram adotadas porque tendem a favorecer ‘apenas os mais afortunados entre os necessitados’.
O artigo foi publicado justamente em meio à discussão daquele livro no curso Ascensão e Queda da Ação Afirmativa nos EUA, que criei e leciono no Bloomfield College, em Nova Jérsei, EUA.
Independentemente de sermos a favor ou contra as cotas, concordo com Kamel que vale a pena ler o livro, prestes a ser publicado no Brasil, mas não pelos mesmos motivos que ele cita.
A parte mais visível da política brasileira de ação afirmativa são as cotas raciais nas Universidades.
Acostumados a comparações com os EUA, muitos brasileiros erroneamente associam aquela política ao programa americano de ação afirmativa, quando, na verdade, ela é muito mais característica da Índia, onde foi instituída em 1947 para tratar da exclusão sofrida pelos intocáveis, e da Malásia, onde as cotas favorecem a população nativa. O livro de Sowell fornece uma análise histórica desses programas.
Sowell também alerta sobre a possibilidade de que a nata das minorias se aproveite mais dos programas do que os economicamente mais necessitados.
Concordo com Sowell que esse ponto é vedado por não se coletarem dados diferenciando afro-americanos de outros negros, como os imigrantes africanos, 95% dos quais já chegam aos EUA com o segundo grau.
Isso os coloca em vantagem, dado que menos de 80% dos afro-americanos têm o mesmo nível educacional e um terço sofre de baixa escolaridade e desemprego crônico, o que os exclui efetivamente da sociedade.
Logo, faz sentido Sowell ao propor que o governo invista nos menos favorecidos nos níveis fundamental e médio; tentar incluí-los no nível universitário pode ser tarde demais.
Quando, porém, Sowell argumenta, sem apresentar nenhum dado, que a ação afirmativa cria uma apatia entre os afro-americanos que os impede de se prepararem melhor intelectualmente, seu livro se torna menos ‘um estudo empírico’ e mais um ensaio pouco convincente sobre suas próprias convicções.
A alegação de apatia é questionável quando se considera que, ao contrário da Índia, onde, segundo Sowell, mais de 50% das cotas são reservadas aos intocáveis e outros, nos EUA qualquer política de inclusão de minorias não chega a 30%.
Como os negros constituem 12% da população americana e competem por vagas com as mulheres (mais de 50% da população), os hispanos (13%), os asiáticos (4%) e os indígenas (1%), não há vagas suficientes para os negros.
Conseqüentemente, as vagas tendem a ser preenchidas pelos negros mais motivados e bem preparados, não pelos apáticos.
Sowell também peca quando alega que as políticas de ação afirmativa ignoram o mérito.
Essa preocupação de Sowell e outros oponentes daquelas políticas é irônica tendo em vista que as Universidades americanas se baseiam em vários critérios de admissão: cartas de recomendação de professores, atividades extracurriculares e, mais contundentemente, a filiação.
As Universidades americanas automaticamente reservam vagas para os filhos dos que se formaram nelas e dos que contribuem com grandes somas — independentemente do seu rendimento no segundo grau ou de seus pontos no vestibular.
Se Sowell é contra qualquer política de grupo, resta saber por que ele não se manifesta contra políticas que favorecem os mais ricos tão veementemente quanto o faz perante as originalmente destinadas aos mais pobres.
Em suma, Sowell contribui para o debate sobre a ação afirmativa e, portanto, merece atenção agora que o Brasil confronta a adoção de tal política.
Por outro lado, seu livro não é o tratado definitivo sobre esse assunto. Seus exemplos ilustram mas não determinam o caráter das políticas de cotas.
Ainda que se concorde com ele que elas falharam na Ásia, na Nigéria ou nos EUA, isso não quer dizer que o mesmo aconteceria no Brasil.
(O Globo, 20/12)
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=24177
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