Luiza Andrade Corrêa
COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO JUDICIÁRIO
BRASILEIRO: Análise Comparativa da Jurisprudência
Monografia apresentada à
Escola de Formação da
Sociedade Brasileira de Direito
Público – SBDP, sob a
orientação do Professor
Henrique Motta Pinto.
SÃO PAULO
2009
8. Conclusão
Primeiramente, a pesquisa demonstrou que o Poder Judiciário brasileiro aplica o artigo 68 do ADCT, confirmando assim a primeira hipótese. Na maioria dos casos que envolveram o direito à terra das comunidades quilombolas, o judiciário aplicou diretamente o artigo 68 do ADCT, sem fazer alusão à qualquer regulamentação (29 de 61).
Além disso, na ampla maioria dos casos em que há menção, direta ou indireta, ao Decreto 4.887/03, houve sua aplicação e, portanto, a expressão tácita dos magistrados acerca de sua constitucionalidade (28 de 31). Importante notar também que, na significativa maioria dos casos em que houve controle difuso de constitucionalidade, o judiciário considerou o Decreto 4.887/03 constitucional (9 de 12).
Ficou claro, a partir da análise da jurisprudência no judiciário brasileiro, que o Decreto 4.887/03 apenas foi declarado inconstitucional nos casos em que não se pretende conceder o direito garantido pelo artigo 68 do ADCT aos quilombolas. Portanto, constatei que o Decreto 4.887/03 estabelece uma política pública de titulação do domínio das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos eficaz, a qual vem sendo questionada pelas entidades de sociedade civil e do Estado que não têm interesse na aplicação do direito.
Tanto nos documentos apresentados na Adin 3239/04 perante o Supremo Tribunal Federal, quanto nas lides fora da jurisdição do Supremo Tribunal Federal, houve clara demonstração da convergência entre os parâmetros adotados internacionalmente para a proteção da terra das comunidades tribais, com os critérios formulados pelo Decreto. O principal aspecto de alinhamento entre estes critérios é a valorização do ponto de vista da própria comunidade acerca de sua identidade. Neste sentido, o Brasil poderá sofrer retaliações internacionais em função do retrocesso da política pública, caso o Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03.
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Ademais, a alegação da inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03 foi pautada, essencialmente, por argumentos formais. Por outro lado, os atores que defendem a constitucionalidade do Decreto rebateram as premissas formais e acrescentaram ao debate um apelo jurídico, político e social, reportando aos princípios do ordenamento jurídico, à defesa e preservação da cultura e ao contexto de grande estudo que originou a norma impugnada.
Deste modo, constatei que os proprietários de terras e pessoas interessadas na não aplicação do artigo 68 do ADCT utilizam a classificação trazida, principalmente, por José Afonso da Silva, para considerá-lo uma norma de eficácia limitada ou contida, que, portanto, dependeria de lei em sentido estrito para sua aplicação. Logo, isto indicaria um formalismo exacerbado que prefere, após 21 anos da promulgação da CF/88, a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03 à efetiva aplicação do artigo 68 do ADCT. Deste modo, viabiliza-se que o legislador ordinário opte por não regulamentar o artigo 68 do ADCT, como uma forma de não atender à vontade do Poder Constituinte Originário e, conseqüentemente, não conceder o direito à terra das comunidades remanescentes de quilombos.
A interpretação do artigo 68 do ADCT depende da definição do conceito atual de quilombo. Sobre este aspecto, constatei uma tendência do judiciário brasileiro em optar pelo conceito mais abrangente. Portanto, são considerados, principalmente, os aspectos sócio-culturais envolvidos.
O estudo dos casos demonstrou claramente que o conceito é manipulado para reduzir ou ampliar a eficácia do artigo 68 do ADCT. O conceito mais abrangente é utilizado nos casos em que se pretende a concessão do direito à terra das comunidades quilombolas, já o conceito restritivo, que aduz ao conceito histórico cunhado pelo Conselho Ultramarino, apenas é utilizado nos casos em que se pretende negar a aplicação do artigo 68 do ADCT para aquele caso concreto. Todavia, é importante destacar que, na maioria dos casos, o judiciário optou pela utilização do conceito mais abrangente e, deste modo, considerou inadequado o conceito sugerido na petição inicial da Adin 3239/04. Isso porque dos 7 casos que trataram do conceito de ―quilombo‖ apenas 1
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utilizou o conceito histórico calcado pelo Conselho Ultramarino e 1 utilizou conceito um pouco mais abrangente que o histórico, contudo ainda restritivo. Nos demais casos (5), a opção foi pelo conceito mais abrangente.
A Associação Brasileira de Antropologia, devido a um longo período de estudo e pesquisa sobre o tema, desenvolveu um conceito de quilombo abrangente, que foi utilizado inúmeras vezes pelo poder judiciário brasileiro e que é adequado para a situação atual das comunidades quilombolas no Brasil. Na Adin 3239/04 poderá ser apresentada a interpretação do conceito de quilombola. Neste ponto, conforme demonstrado, é aconselhável que seja adotado o conceito mais abrangente para que o artigo 68 do ADCT tenha incidência adequada.
Existe na doutrina brasileira grande divergência acerca da utilização do decreto autônomo, cuja Emenda Constitucional nº 32 implantou no nosso ordenamento jurídico. Deste modo, a Adin 3239/04 será um momento oportuno para que o Supremo Tribunal Federal indique como o artigo 84, VI, ―a‖ da Constituição Federal deve ser interpretado.
Importante constatação trata do devido processo legal administrativo, trazido pelo Decreto 4.887/03. Em todos os casos estudados, houve a afirmação de que as normas vigentes acerca da demarcação e titulação das terras pertencentes aos remanescentes de quilombos, conforme demanda o artigo 68 do ADCT, obedecem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Isto mostra que o poder judiciário não se convenceu, nem uma só vez, de que o Decreto 4.887/03 seria inconstitucional por desobedecer aos mencionados princípios, o que fragiliza muito a alegação assim feita nos autos da Adin 3239/04.
Logo, ficou demonstrado que o Decreto 4.887/03 cumpre o devido processo legal ao prever previamente um encadeamento processual, a publicidade dos atos e a participação de quaisquer interessados no processo administrativo. Poderá ocorrer violação a estes princípios apenas pontualmente, em casos concretos em que não se obedeça as especificações da Lei de Processo Administrativo Federal, bem como do Decreto 4.887/03 e das instruções normativas do INCRA.
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Constatei que os argumentos utilizados para a não aplicação do artigo 68 do ADCT nos casos concretos são os mesmos alegados pelos atores que defendem a inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03 na Adin 3239/04. Isso comprova seu interesse de não aplicação do próprio artigo 68 do ADCT. Tal conclusão fica ainda mais latente quando se analisa sua argumentação pautada em seu direito de propriedade e ao direito de produzir naquelas terras.
Por fim, importante ressaltar a constatação de que na maioria dos casos em que houve controle difuso de constitucionalidade do Decreto 4.887/03, o judiciário o considerou constitucional (9 de 12). Nos três únicos casos em que o Decreto 4.887/03 foi declarado inconstitucional, as decisões não concediam o direito à terra garantido pelo artigo 68 do ADCT aos quilombolas.
Logo, a responsabilidade de confirmação da política pública em defesa do direito à terra das comunidades remanescentes de quilombos está nas mãos do Supremo Tribunal Federal ao decidir a Adin 3239/03. Isso porque a decisão em controle concentrado de constitucionalidade tem conseqüências em todo o ordenamento jurídico, com efeito vinculante, ―erga omnes‖ (contra todos), e, a princípio, ―ex tunc‖ (retroage à promulgação da norma). Portanto, caso seja declarada a inconstitucionalidade do Decreto 4.887/03 será gerada grande dificuldade para a aplicação do direito trazido pelo artigo 68 do ADCT, o que representaria um imenso retrocesso da política pública de defesa da cultura quilombola.
http://www.sbdp.org.br/monografia_ver.php?idConteudo=153
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