 
		  
   Injúria racial
Humilhada dentro do ônibus
Comerciante cospe no rosto de copeira, xinga-a  de “negra safada” e acaba preso. Família diz que ele tem problemas  psiquiátricos
Mara Puljiz
           
Injúria racial
Humilhada dentro do ônibus
Comerciante cospe no rosto de copeira, xinga-a  de “negra safada” e acaba preso. Família diz que ele tem problemas  psiquiátricos
Mara Puljiz
   
  | Zuleika de Souza/CB/D.A Press | 
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  | Hilda seguia para o trabalho de ônibus  quando foi pega de surpresa com a atitude agressiva do homem | 
     | Antonio Cunha/Esp. CB/D.A Press | 
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  | Humberto Júnior, ouvidor da Seppir: “Isso  acontece todos os dias” | 
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Uma cuspida na cara seguida de xingamento de  “negra safada”. Assim foi agredida a copeira Hilda (nome fictício), 41  anos. A senhora de cabelos crespos e pele negra estava sentada em um dos  bancos do ônibus da empresa Viva Brasília, que fazia a linha L2  Norte/Rodoviária do Plano Piloto, quando ouviu a humilhação do homem de  pele branca. O episódio ocorreu por volta das 11h de ontem. O  comerciante André Luiz Soares Nasser, 35 anos, foi preso em flagrante  pela Polícia Militar, após um passageiro indignado ter segurado o  agressor, impedindo-o de descer do coletivo. O caso foi parar na 5ª  Delegacia de Polícia (Setor Bancário Norte) e na ouvidoria da Secretaria  Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da  República (Seppir). André Nasser foi indiciado pelo crime de injúria  racial qualificada (veja o que diz a lei) e lesão corporal. Se  condenado, pode pegar até quatro anos de prisão. A família alegou na  delegacia que ele sofre de problemas psiquiátricos.
Moradora de Sobradinho II, Hilda seguia rumo ao trabalho, na  Esplanada dos Ministérios, quando foi surpreendida pelo comerciante.  Segundo ela, André entrou no ônibus, na altura da 610 Norte, sem pagar  passagem e sentou-se alguns bancos à frente, do lado esquerdo do ônibus  (ela estava do lado direito). “Do nada, ele virou de lado, olhou para a  minha cara e cuspiu em mim me chamando de negra safada”, contou. No  fundo do ônibus, um passageiro negro reagiu à ofensa e foi recebido a  socos pelo comerciante. “Meu sentimento foi de raiva. Era como se minha  própria mãe estivesse ali sentada e ouvisse aquele absurdo”, disse o  passageiro, que segurou sozinho o comerciante da 610 até a Rodoviária,  onde o acusado foi preso. No momento, além do motorista e do cobrador,  havia quatro passageiros no ônibus.
Apoio
O caso mobilizou representantes do Conselho de Defesa dos Direitos  dos Negros (CDDN) , da Secretaria de Justiça do DF, bem como da  Presidência da República, que compareceram à delegacia para prestar  apoio à vítima. Segundo a Seppir, casos como o de Hilda não são  incomuns. Em todo o país, são mais de sete mil denúncias de racismo por  mês. No DF, chegam pelo menos 20 registros dessa natureza, mensalmente,  na ouvidoria da Seppir. Para o ouvidor da secretaria, Humberto Adami  Santos Júnior, trata-se de um crime. “Isso acontece todos os dias, mas o  importante é essa reação das pessoas, de registrarem a ocorrência”,  disse. Segundo ele, ainda existe resistência das autoridades policiais  em registrar esse tipo de agressão, como o racismo. “No fim das contas,  poucos casos são levados a juízes e, mesmo na esfera judicial, o  processo acaba não sendo levado adiante”, reclamou.
O delegado-chefe da 5ª DP, Laércio Rosseto, entendeu que André  Nasser feriu a honra da copeira, mas não teve a intenção de menosprezar a  raça negra. “A tolerância é zero para crimes dessa natureza. Ele  utilizou elementos subjetivos para ofender a honra dela. A intenção não  foi de cometer um crime contra a raça negra91)”,  explicou. Para Humberto Santos, o enquadramento foi apropriado. “O  importante é que houve uma atitude da vítima em denunciar e, na prática,  o indiciamento foi satisfatório, porque, de qualquer forma, serve de  exemplo para que casos desse tipo não se repitam”, destacou. Ao deixar a  delegacia, Hilda estava com os olhos vermelhos de tanto chorar. “Me  senti humilhada. Até agora, não acredito que isso aconteceu comigo. Foi  uma agressão moral”, disse, com a voz embargada. Morador da Asa Norte,  André Nasser foi encaminhado ontem mesmo para o Departamento de Polícia  Especializada, ao lado do Parque da Cidade.
1 - Abolição
A escravidão dos negros no Brasil teve início com a produção da  canavieira, no século XVI, após várias tentativas frustradas de  escravizar os índios, que eram protegidos pelos jesuítas. Naquela época,  era necessário trabalho humano para realizar a empreitada e os  africanos foram decisivos na evolução do país. Foram escravos até 13 de  maio de 1888, quando houve a abolição pela Lei Áurea (nº Lei 3.353).  
          Do nada, ele virou de lado, olhou para a minha  cara e cuspiu em mim, me chamando de negra safada”
Me senti  humilhada. Até agora, não acredito que isso aconteceu comigo. Foi uma  agressão moral”  
Hilda, 41 anos, copeira
    
             
   Palavra de especialista
      
A consciência negra vem se expandindo. No  passado, só era esperada a atitude de um ativista negro, mas hoje em dia  a comunidade tem percebido a crueldade do racismo e está disposta a  denunciar. No Brasil, o racismo não é camuflado. Posso dizer que no país  o racismo é cínico, porque muitas vezes as pessoas estão convencidas de  que não são racistas, mas, na prática, existe uma contradição do que  elas dizem do que elas fazem. As pessoas também tratam a questão como se  ela fosse menos importante. Uma forma cínica, por exemplo, é a tal  “piada do negão”. O negro tem sido objeto desse humor, que só  desqualifica e empobrece.
Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos  Afrobrasileiros da Universidade de Brasília (Neab/UnB) 
                
Memória
 Condenado por racismo
      
3 de setembro de 2009
A 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do DF condenou, por  unanimidade, Marcelo Valle Silveira Mello, 24 anos, por crime de racismo  na internet. A Justiça determinou pena de um ano e dois meses de  reclusão em regime aberto. Em junho e julho de 2005, Mello teria usado  palavras como “burros”, “macacos”, “vagabundos”, “subdesenvolvidos” e  “sujos”, em uma possível referência à raça negra. A defesa do jovem  alegou que ele fazia tratamento psicoterápico e que usava medicamento  controlado. Segundos os advogados, a intenção do rapaz era apenas  mostrar seu posicionamento contra o sistema de cotas raciais adotado  para o ingresso na Universidade de Brasília (UnB). Antes, a primeira  instância da Justiça tinha absolvido o acusado.
O QUE DIZ A LEI
A injúria racial é cometida quando a ofensa de conteúdo  discriminatório é empregada à pessoa (ou pessoas) determinada. Exemplo:  chamar alguém de negro fedorento, judeu safado, alemão azedo, etc. É  crime previsto no artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal Brasileiro.  Já o de racismo está previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89. É  aplicado quando as ofensas não são direcionadas à pessoa, e sim quando  elas menosprezam determinada raça, cor, etnia, religião ou origem.  Exemplo: negar emprego a uma pessoa por causa da cor da pele ou por ela  seguir uma doutrina. O crime de racismo é imprescritível e inafiançável.  No caso de crime de injúria racial, o réu pode responder em liberdade,  desde que ele pague a fiança. Enquanto no crime de racismo há a lesão do  princípio da dignidade, no de injúria há lesão da honra subjetiva da  vítima. A pena para os dois casos varia de um a três anos de reclusão,  além de multa estipulada pelo juiz.
COMO DENUNCIAR
Denúncias de racismo podem ser feitas pelo telefone 0800-6441508  ou na ouvidoria da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da  Igualdade Racial da Presidência da República pelo número 3411-3695 
                 
   Ministro  quer rigor na punição
         | Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press -  31/3/10 | 
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  | Eloi Ferreira classificou o episódio como  “inadmissível” | 
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A notícia do crime racial deixou estarrecido o  ministro-chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da  Igualdade Racial (Seppir), Eloi Ferreira. Em entrevista ao Correio, o  ministro classificou a atitude do comerciante como “uma agressão hostil”  e pediu rigor na punição de André Nasser. “É inadmissível o que  aconteceu. Não ofendeu só o negro, mas ofendeu toda uma nação”. Para  Ferreira, houve crime de racismo contra Hilda, diferentemente do  entendimento do delegado Laércio Rosseto. “Estamos trabalhando para que o  enquadramento correto seja aplicado no âmbito do Judiciário. Esperamos  que na etapa seguinte isso possa ser revertido, mas de qualquer maneira  houve um avanço singelo no que diz respeito ao crime racial”, avaliou.
Na visão do ministro, um dos maiores desafios enfrentados pelo negro  hoje é a inclusão no mercado de trabalho e na ocupação de cargos  importantes. “Precisamos acelerar as políticas públicas para consolidar a  democracia no nosso país de tal sorte que os negros e as negras tenham  autoestima e sonhem em ocupar os mais altos cargos.” O ministro também  ressaltou que, no Brasil, o racismo não é mais tolerado pela sociedade.  “Estamos vivendo um processo de construção da igualdade”, destacou.
A maioria dos cerca de 188 milhões de brasileiros é negra. Segundo a  última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no  ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística  (IBGE), embora tenha sido registrada redução de 0,7 ponto percentual no  número de pessoas que se declararam negras de 2007 para 2008, essa  população representa 6,8% do total. (MP) 
                    
    	   	
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