sexta-feira, 30 de abril de 2010

Injúria racial - Humilhada dentro do ônibus

Injúria racial Humilhada dentro do ônibus Comerciante cospe no rosto de copeira, xinga-a de “negra safada” e acaba preso. Família diz que ele tem problemas psiquiátricos
  • Mara Puljiz
  • Zuleika de Souza/CB/D.A Press
    Hilda seguia para o trabalho de ônibus quando foi pega de surpresa com a atitude agressiva do homem
    Antonio Cunha/Esp. CB/D.A Press
    Humberto Júnior, ouvidor da Seppir: “Isso acontece todos os dias”
    Uma cuspida na cara seguida de xingamento de “negra safada”. Assim foi agredida a copeira Hilda (nome fictício), 41 anos. A senhora de cabelos crespos e pele negra estava sentada em um dos bancos do ônibus da empresa Viva Brasília, que fazia a linha L2 Norte/Rodoviária do Plano Piloto, quando ouviu a humilhação do homem de pele branca. O episódio ocorreu por volta das 11h de ontem. O comerciante André Luiz Soares Nasser, 35 anos, foi preso em flagrante pela Polícia Militar, após um passageiro indignado ter segurado o agressor, impedindo-o de descer do coletivo. O caso foi parar na 5ª Delegacia de Polícia (Setor Bancário Norte) e na ouvidoria da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir). André Nasser foi indiciado pelo crime de injúria racial qualificada (veja o que diz a lei) e lesão corporal. Se condenado, pode pegar até quatro anos de prisão. A família alegou na delegacia que ele sofre de problemas psiquiátricos. Moradora de Sobradinho II, Hilda seguia rumo ao trabalho, na Esplanada dos Ministérios, quando foi surpreendida pelo comerciante. Segundo ela, André entrou no ônibus, na altura da 610 Norte, sem pagar passagem e sentou-se alguns bancos à frente, do lado esquerdo do ônibus (ela estava do lado direito). “Do nada, ele virou de lado, olhou para a minha cara e cuspiu em mim me chamando de negra safada”, contou. No fundo do ônibus, um passageiro negro reagiu à ofensa e foi recebido a socos pelo comerciante. “Meu sentimento foi de raiva. Era como se minha própria mãe estivesse ali sentada e ouvisse aquele absurdo”, disse o passageiro, que segurou sozinho o comerciante da 610 até a Rodoviária, onde o acusado foi preso. No momento, além do motorista e do cobrador, havia quatro passageiros no ônibus. Apoio O caso mobilizou representantes do Conselho de Defesa dos Direitos dos Negros (CDDN) , da Secretaria de Justiça do DF, bem como da Presidência da República, que compareceram à delegacia para prestar apoio à vítima. Segundo a Seppir, casos como o de Hilda não são incomuns. Em todo o país, são mais de sete mil denúncias de racismo por mês. No DF, chegam pelo menos 20 registros dessa natureza, mensalmente, na ouvidoria da Seppir. Para o ouvidor da secretaria, Humberto Adami Santos Júnior, trata-se de um crime. “Isso acontece todos os dias, mas o importante é essa reação das pessoas, de registrarem a ocorrência”, disse. Segundo ele, ainda existe resistência das autoridades policiais em registrar esse tipo de agressão, como o racismo. “No fim das contas, poucos casos são levados a juízes e, mesmo na esfera judicial, o processo acaba não sendo levado adiante”, reclamou. O delegado-chefe da 5ª DP, Laércio Rosseto, entendeu que André Nasser feriu a honra da copeira, mas não teve a intenção de menosprezar a raça negra. “A tolerância é zero para crimes dessa natureza. Ele utilizou elementos subjetivos para ofender a honra dela. A intenção não foi de cometer um crime contra a raça negra91)”, explicou. Para Humberto Santos, o enquadramento foi apropriado. “O importante é que houve uma atitude da vítima em denunciar e, na prática, o indiciamento foi satisfatório, porque, de qualquer forma, serve de exemplo para que casos desse tipo não se repitam”, destacou. Ao deixar a delegacia, Hilda estava com os olhos vermelhos de tanto chorar. “Me senti humilhada. Até agora, não acredito que isso aconteceu comigo. Foi uma agressão moral”, disse, com a voz embargada. Morador da Asa Norte, André Nasser foi encaminhado ontem mesmo para o Departamento de Polícia Especializada, ao lado do Parque da Cidade. 1 - Abolição A escravidão dos negros no Brasil teve início com a produção da canavieira, no século XVI, após várias tentativas frustradas de escravizar os índios, que eram protegidos pelos jesuítas. Naquela época, era necessário trabalho humano para realizar a empreitada e os africanos foram decisivos na evolução do país. Foram escravos até 13 de maio de 1888, quando houve a abolição pela Lei Áurea (nº Lei 3.353).

    Do nada, ele virou de lado, olhou para a minha cara e cuspiu em mim, me chamando de negra safada” Me senti humilhada. Até agora, não acredito que isso aconteceu comigo. Foi uma agressão moral” Hilda, 41 anos, copeira
    Palavra de especialista A consciência negra vem se expandindo. No passado, só era esperada a atitude de um ativista negro, mas hoje em dia a comunidade tem percebido a crueldade do racismo e está disposta a denunciar. No Brasil, o racismo não é camuflado. Posso dizer que no país o racismo é cínico, porque muitas vezes as pessoas estão convencidas de que não são racistas, mas, na prática, existe uma contradição do que elas dizem do que elas fazem. As pessoas também tratam a questão como se ela fosse menos importante. Uma forma cínica, por exemplo, é a tal “piada do negão”. O negro tem sido objeto desse humor, que só desqualifica e empobrece. Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade de Brasília (Neab/UnB) Memória Condenado por racismo 3 de setembro de 2009 A 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do DF condenou, por unanimidade, Marcelo Valle Silveira Mello, 24 anos, por crime de racismo na internet. A Justiça determinou pena de um ano e dois meses de reclusão em regime aberto. Em junho e julho de 2005, Mello teria usado palavras como “burros”, “macacos”, “vagabundos”, “subdesenvolvidos” e “sujos”, em uma possível referência à raça negra. A defesa do jovem alegou que ele fazia tratamento psicoterápico e que usava medicamento controlado. Segundos os advogados, a intenção do rapaz era apenas mostrar seu posicionamento contra o sistema de cotas raciais adotado para o ingresso na Universidade de Brasília (UnB). Antes, a primeira instância da Justiça tinha absolvido o acusado. O QUE DIZ A LEI A injúria racial é cometida quando a ofensa de conteúdo discriminatório é empregada à pessoa (ou pessoas) determinada. Exemplo: chamar alguém de negro fedorento, judeu safado, alemão azedo, etc. É crime previsto no artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal Brasileiro. Já o de racismo está previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89. É aplicado quando as ofensas não são direcionadas à pessoa, e sim quando elas menosprezam determinada raça, cor, etnia, religião ou origem. Exemplo: negar emprego a uma pessoa por causa da cor da pele ou por ela seguir uma doutrina. O crime de racismo é imprescritível e inafiançável. No caso de crime de injúria racial, o réu pode responder em liberdade, desde que ele pague a fiança. Enquanto no crime de racismo há a lesão do princípio da dignidade, no de injúria há lesão da honra subjetiva da vítima. A pena para os dois casos varia de um a três anos de reclusão, além de multa estipulada pelo juiz. COMO DENUNCIAR Denúncias de racismo podem ser feitas pelo telefone 0800-6441508 ou na ouvidoria da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República pelo número 3411-3695 Ministro quer rigor na punição
    Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press - 31/3/10
    Eloi Ferreira classificou o episódio como “inadmissível”
    A notícia do crime racial deixou estarrecido o ministro-chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Eloi Ferreira. Em entrevista ao Correio, o ministro classificou a atitude do comerciante como “uma agressão hostil” e pediu rigor na punição de André Nasser. “É inadmissível o que aconteceu. Não ofendeu só o negro, mas ofendeu toda uma nação”. Para Ferreira, houve crime de racismo contra Hilda, diferentemente do entendimento do delegado Laércio Rosseto. “Estamos trabalhando para que o enquadramento correto seja aplicado no âmbito do Judiciário. Esperamos que na etapa seguinte isso possa ser revertido, mas de qualquer maneira houve um avanço singelo no que diz respeito ao crime racial”, avaliou. Na visão do ministro, um dos maiores desafios enfrentados pelo negro hoje é a inclusão no mercado de trabalho e na ocupação de cargos importantes. “Precisamos acelerar as políticas públicas para consolidar a democracia no nosso país de tal sorte que os negros e as negras tenham autoestima e sonhem em ocupar os mais altos cargos.” O ministro também ressaltou que, no Brasil, o racismo não é mais tolerado pela sociedade. “Estamos vivendo um processo de construção da igualdade”, destacou. A maioria dos cerca de 188 milhões de brasileiros é negra. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), embora tenha sido registrada redução de 0,7 ponto percentual no número de pessoas que se declararam negras de 2007 para 2008, essa população representa 6,8% do total. (MP)
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