 
     
                    DEBATE ABERTO
A grande mídia e a desigualdade racial
Pesquisa do Observatório Brasileiro de Mídia revela posicionamento contrário de grandes revistas e jornais brasileiros em relação aos principais pontos da agenda de interesse da população afrodescendente (ações afirmativas, cotas, Estatuto da Igualdade Racial e demarcação de terras quilombolas).
Venício Lima
O “Dia da Consciência Negra” é comemorado em  todo o país na data em que Zumbi – o herói principal da resistência  simbolizada pelo quilombo de Palmares – foi morto, 314 anos atrás: 20 de  novembro de 1695. Muitas revoltas, fugas e quilombos aconteceram antes  da Abolição em 1888.
O Brasil de 2009 é, certamente, outro país.  Apesar disso, “os negros continuam em situação de desigualdade,  ocupando as funções menos qualificadas no mercado de trabalho, sem  acesso às terras ancestralmente ocupadas no campo, e na condição de  maiores agentes e vítimas da violência nas periferias das grandes  cidades”.
O estudo Síntese de Indicadores Sociais (SIS),  divulgado em outubro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e  Estatística (IBGE), revela que, de 1998 a 2008, dobrou o número de  negros e pardos com ensino superior. Mesmo assim, os números continuam  muito abaixo da média da população branca: só 4,7% de negros e pardos  tinham diploma de nível superior em 2008, contra 2,2% dez anos antes. Já  na população branca, 14,3% tinham terminado a universidade em 2008. Dez  anos antes, eram 9,7%. Entre o 1% com maior renda familiar per capita,  apenas 15% eram pretos ou pardos no total da população brasileira.
A  grande mídia e a desigualdade racial
Diante desse quadro de  desigualdade e injustiça histórica, como tem se comportado a grande  mídia na cobertura dos temas de interesse da população negra brasileira,  vale dizer, de interesse público?
Uma pesquisa encomendada pelo  Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT),  realizada pelo Observatório Brasileiro de Mídia (OBM), analisou 972  matérias publicadas nos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São  Paulo e O Globo, e 121 nas revistas semanais Veja, Época e Isto É – 1093  matérias, no total – ao longo de oito anos.
No período  compreendido entre 1º de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2008, foi  acompanhada a agenda da promoção da igualdade racial e das políticas de  ações afirmativas em torno dos seguintes temas: cotas nas universidades,  quilombolas, ação afirmativa, estatuto da igualdade racial, diversidade  racial e religiões de matriz africana.
Não é possível reproduzir  aqui todos os detalhes da pesquisa. Menciono apenas cinco achados de um  Relatório de quase 100 páginas.
1. Com graus diferentes, os  jornais observados se posicionaram contrariamente aos principais pontos  da agenda de interesse da população afrodescendente. Em toda a pesquisa,  as políticas de reparação – ações afirmativas, cotas, Estatuto da  Igualdade Racial e demarcação de terras quilombolas - tiveram o maior o  percentual de textos com sentidos contrários: 22,2%.
 2. As reportagens  veicularam sentidos mais plurais do que os textos opinativos que, com  pequenas variações, se posicionaram contrários à adoção das cotas, da  aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da demarcação de terras  quilombolas. A argumentação central dos editoriais é de que esses  instrumentos de reparação promovem racismo. Em relação à demarcação das  terras quilombolas, os textos opinativos em O Estado de S. Paulo, 78,6%,  e O Globo, 63,6%, criticaram o Decreto n.º 4.887/2003 que regulamenta a  demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das  comunidades dos quilombos. O argumento principal foi o de que o critério  da autodeclaração é falho e traz insegurança à propriedade privada.
3.  A cobertura sobre ações afirmativas foi realizada, basicamente, em  torno da política de cotas: 29,3% dos textos. Outros instrumentos pouco  foram noticiados. O Estatuto da Igualdade Racial esteve presente apenas  em 4,5% dos textos. A discussão sobre as ações afirmativas mereceu  atenção de 18,9%. Quase 40% desses textos foram publicados em 2001, ano  da Conferência sobre a igualdade racial em Durban, África do Sul. A Lei  10.639/2003, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a  obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira”,  praticamente não foi noticiada. Menções à lei foram feitas de forma  periférica, em apenas 0,5% do total de textos, sem que os veículos  tenham problematizado o assunto ou buscado dar visibilidade à sua  aplicação.
A cobertura oferecida pelo jornal O Globo merece um  comentário à parte. O jornal dedicou 38 editoriais sobre os vários temas  pesquisados, destes 25 ou 65,8% trataram especificamente de “cotas nas  universidades”. Os três jornais publicaram 32 editoriais sobre o mesmo  assunto. O Globo foi, portanto, responsável por 78% deles.
Ainda  que os principais argumentos contrários – as cotas e ações afirmativas  iriam promover racismo (32%) ou os alunos cotistas iriam baixar o nível  dos cursos (16%) – não tenham se confirmado nas instituições que  implementaram as cotas, a posição editorial de O Globo não se alterou  nos 8 anos pesquisados.
2. As reportagens  veicularam sentidos mais plurais do que os textos opinativos que, com  pequenas variações, se posicionaram contrários à adoção das cotas, da  aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da demarcação de terras  quilombolas. A argumentação central dos editoriais é de que esses  instrumentos de reparação promovem racismo. Em relação à demarcação das  terras quilombolas, os textos opinativos em O Estado de S. Paulo, 78,6%,  e O Globo, 63,6%, criticaram o Decreto n.º 4.887/2003 que regulamenta a  demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das  comunidades dos quilombos. O argumento principal foi o de que o critério  da autodeclaração é falho e traz insegurança à propriedade privada.
3.  A cobertura sobre ações afirmativas foi realizada, basicamente, em  torno da política de cotas: 29,3% dos textos. Outros instrumentos pouco  foram noticiados. O Estatuto da Igualdade Racial esteve presente apenas  em 4,5% dos textos. A discussão sobre as ações afirmativas mereceu  atenção de 18,9%. Quase 40% desses textos foram publicados em 2001, ano  da Conferência sobre a igualdade racial em Durban, África do Sul. A Lei  10.639/2003, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a  obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira”,  praticamente não foi noticiada. Menções à lei foram feitas de forma  periférica, em apenas 0,5% do total de textos, sem que os veículos  tenham problematizado o assunto ou buscado dar visibilidade à sua  aplicação.
A cobertura oferecida pelo jornal O Globo merece um  comentário à parte. O jornal dedicou 38 editoriais sobre os vários temas  pesquisados, destes 25 ou 65,8% trataram especificamente de “cotas nas  universidades”. Os três jornais publicaram 32 editoriais sobre o mesmo  assunto. O Globo foi, portanto, responsável por 78% deles.
Ainda  que os principais argumentos contrários – as cotas e ações afirmativas  iriam promover racismo (32%) ou os alunos cotistas iriam baixar o nível  dos cursos (16%) – não tenham se confirmado nas instituições que  implementaram as cotas, a posição editorial de O Globo não se alterou  nos 8 anos pesquisados.
 4. Embora a maioria dos  estudos e pesquisas realizadas por instituições como IBGE, IPEA, SEADE,  OIT, UNESCO, ONU, UFRJ, IBOPE e DATAFOLHA, no período analisado,  confirmem o acerto das políticas de ação afirmativa, apenas 5,8% dos  textos publicados nos jornais noticiaram e debateram os dados revelados.  Esses estudos e pesquisas trataram de assuntos como: menor salário de  negros frente a brancos; menor presença de negros no ensino superior;  negros como maiores vítimas da violência; e pouca presença de negros em  cargos de chefia, dentre outros.
4. Embora a maioria dos  estudos e pesquisas realizadas por instituições como IBGE, IPEA, SEADE,  OIT, UNESCO, ONU, UFRJ, IBOPE e DATAFOLHA, no período analisado,  confirmem o acerto das políticas de ação afirmativa, apenas 5,8% dos  textos publicados nos jornais noticiaram e debateram os dados revelados.  Esses estudos e pesquisas trataram de assuntos como: menor salário de  negros frente a brancos; menor presença de negros no ensino superior;  negros como maiores vítimas da violência; e pouca presença de negros em  cargos de chefia, dentre outros.
 5. O noticiário das  revistas semanais sobre a afrodescendencia e a promoção da igualdade  racial teve características muito semelhantes ao encontrado nos jornais.  Os textos com sentidos contrários às políticas de reparação (26,4%)  foram em maior percentual do que aqueles com viés favorável (13,2%). Da  mesma forma que nos jornais, a cobertura se concentrou nos programas de  cotas: 33,1% sendo que o alto percentual dos textos que trataram das  religiões de matriz africana (25,6%) foi o único que destoou da  freqüência nos jornais, 4,7%.
5. O noticiário das  revistas semanais sobre a afrodescendencia e a promoção da igualdade  racial teve características muito semelhantes ao encontrado nos jornais.  Os textos com sentidos contrários às políticas de reparação (26,4%)  foram em maior percentual do que aqueles com viés favorável (13,2%). Da  mesma forma que nos jornais, a cobertura se concentrou nos programas de  cotas: 33,1% sendo que o alto percentual dos textos que trataram das  religiões de matriz africana (25,6%) foi o único que destoou da  freqüência nos jornais, 4,7%.
 Liberdades e direitos
Os  resultados da importante pesquisa realizada pelo OBM denunciam um  estranho paradoxo. Enquanto a grande mídia tem se revelado cada dia mais  zelosa – aqui e, sobretudo, em alguns países da América Latina – com  relação ao que chama de liberdade de imprensa (equacionada, sem mais,  com a liberdade individual de expressão), o mesmo não acontece com a  defesa de direitos fundamentais como a reparação da desigualdade e da  injustiça histórica de que padece a imensa população negra do nosso  país.
Estaria a grande mídia mais preocupada com seus próprios  interesses do que com o interesse público?
Liberdades e direitos
Os  resultados da importante pesquisa realizada pelo OBM denunciam um  estranho paradoxo. Enquanto a grande mídia tem se revelado cada dia mais  zelosa – aqui e, sobretudo, em alguns países da América Latina – com  relação ao que chama de liberdade de imprensa (equacionada, sem mais,  com a liberdade individual de expressão), o mesmo não acontece com a  defesa de direitos fundamentais como a reparação da desigualdade e da  injustiça histórica de que padece a imensa população negra do nosso  país.
Estaria a grande mídia mais preocupada com seus próprios  interesses do que com o interesse público?
Venício Lima é Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília - NEMP - UNB
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|   | Venício Lima, muito bom seu... | Queza | 23/11/2009 | 
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