quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O incômodo da democracia - EDSON SANTOS

O incômodo da democracia - artigo do ministro da SEPPIR publicado no Correio Braziliense
23/02/2010 - 11:50

Correio Braziliense - 23/02/2010 O incômodo da democracia :: Edson Santos - Ministro chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Em sintonia com o espírito democrático vivenciado em nosso tempo, o Supremo Tribunal Federal convocou audiências públicas para ouvir a sociedade e, dessa forma, subsidiar o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº186/09, de autoria do Partido Democratas, contra a política de cotas raciais da Universidade de Brasília (UnB). Não estarão em jogo apenas as vagas para estudantes negros na UnB, mas todas as ações afirmativas colocadas em prática atualmente no Brasil, como as políticas que também beneficiam mulheres, indígenas, deficientes físicos e outros segmentos.

O avanço das políticas de ação afirmativa no atual governo e a forma equilibrada como o Supremo conduz a discussão vêm provocando reações virulentas dos setores mais conservadores. Um exemplo aconteceu logo após o carnaval deste ano, quando dois grandes jornais publicaram artigo que compara o Supremo Tribunal Federal a um circo, além de sugerir que o movimento social estaria organizando um cerco à corte com o objetivo de constranger seus magistrados. O que é uma inverdade. Os militantes da causa antirracista sempre apostaram no ambiente democrático para o avanço de suas reivindicações. O respeito ao Supremo é tamanho que jamais ocorreria compará-lo a um picadeiro ou tentar, de forma desqualificada, pressionar o voto de seus ministros.

O autor do artigo em questão faz parte de um grupo de intelectuais que está sempre a nos alertar sobre o risco da “racialização” das relações sociais no Brasil a partir da adoção de cotas. O que fazem para além do campo da ciência social, sem apoio na análise dos fatos concretos para estimar perspectivas. O que se observa é muito diferente. Há quase uma década as universidades aplicam políticas de cotas raciais sem a ocorrência de conflitos. Há, portanto, um estelionato intelectual no trato de uma questão que deveria ser encarada a partir da análise da história do nosso país e da condição a que está submetida a população negra. Felizmente, no atual estágio de suas instituições democráticas, nossa sociedade está suficientemente madura para discutir o tema sem incitar o ódio racial.

Ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, determinadas pelo Estado com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como para compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros.

O princípio da não discriminação perante a lei foi tido durante muito tempo como a garantia da concretização da liberdade. A importância desse princípio é inquestionável. No entanto, o “todos são iguais perante a lei”, inscrito em nossa Constituição Federal, não significa que todos devam ser tratados de maneira idêntica. São inúmeros os exemplos nos quais esse entendimento sobre a igualdade está plenamente presente, como a Lei nº 9.029/1995, sobre a discriminação por gênero, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e o Estatuto do Idoso.

Para Aristóteles, a igualdade consistia em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. A mesma distinção está na Oração aos Moços, de Rui Barbosa: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade”.

As cotas raciais são uma realidade já consagrada em mais de 60 universidades públicas brasileiras. Foram criadas de forma democrática a partir da autonomia das escolas e muito bem recebidas no ambiente acadêmico. Os resultados até agora alcançados são animadores. Estudo realizado junto às instituições que adotaram o sistema demonstra que o coeficiente de rendimento médio dos alunos cotistas é tão bom quanto o dos demais alunos. Uma explicação é o fato dos cotistas serem, na maioria dos casos, os primeiros de suas famílias ou comunidades a conseguirem ingressar na universidade. Motivados, agarram a oportunidade com força e vontade.

As cotas da UnB são um sucesso. Em 2001 apenas 2% do total de seus alunos eram negros. Hoje esse percentual chega a 12,5%. Um exemplo positivo que se dissemina entre as principais universidades do país, sinalizando que, apesar do esperneio de setores minoritários, a caravana da igualdade racial avança.

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