sexta-feira, 21 de março de 2008

JORNAL IROHIN - HUMBERTO ADAMI -Advocacia de combate - a serviço da inclusão dos afro-brasileiros

http://www.irohin.org.br/onl/new.php?sec=entrevista&id=9340 ENTREVISTA 17/03/2008 Entrevista: HUMBERTO ADAMI Advocacia de combate - a serviço da inclusão dos afro-brasileiros Humberto Adami é advogado formado pela UnB e mestre em Direito pela UERJ. Preside o IARA -; Instituto da Advocacia Racial e Ambiental e tem se dedicado ao que nomeou como ‘advocacia de combate’, que consiste fundamentalmente em colocar a experiência da advocacia a serviço da inclusão dos afro-brasileiros. Humberto Adami exerce a advocacia há 28 anos e suas iniciativas em defesa das cotas, da implementação da Lei 10.639 (alterada em 10/03 pela Lei 11.645, para incluir História e Cultura Indígena) e do acesso dos negros ao mercado de trabalho têm provocado uma reviravolta no âmbito jurídico das relações raciais, combinando prática, criatividade e técnica. Ìrohìn- Humberto, como avalia a demora do Supremo Tribunal Federal em examinar a ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que trata das cotas na UERJ? Humberto Adami - Não vejo como demora, mas como uma demonstração de sabedoria do Relator. O STF e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro estão, a meu ver, deixando florescer experiências de inclusão em todo o país - e podando os excessos. Na verdade, como guardião da Constituição, o Supremo tem sido exemplar, permitindo que a sociedade se ajuste, sem traumas. Tem agido com a tranqüilidade que convém a qualquer juiz. Ìrohìn- Em 2001, o Supremo fez uma licitação (nº 03/2001) para contratação de empresa especializada na prestação de serviços de jornalismo e exigiu que fosse observado um limite mínimo de 20% (vinte por cento) para negros e negras. Essa licitação é uma indicação concreta do que pensa o Supremo sobre o tema ou não tem validade como precedente? Humberto Adami - A licitação é sim um precedente forte de que algo neste sentido pode ser feito e, inclusive, já foi feito por ninguém menos que o Supremo Tribunal Federal. Se o Supremo fez, outros podem e devem fazer. Mas não é uma garantia de que não haverá reclamações nem ações. A licitação é uma indicação concreta do que pensava à época a administração do Supremo Tribunal Federal, presidida pelo ministro Marco Aurélio. Ìrohìn - Como você avalia a enxurrada de ações judiciais no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul tentando impedir a implementação das cotas? Humberto Adami- Acho perfeitamente normal que pessoas atingidas reclamem do prejuízo que estão eventualmente sofrendo. Numa dessa listas na internet, algumas colegas do tempo em que cursávamos o segundo grau no Colégio Marista de Brasília fizeram, outro dia, referência a um texto de Lya Luft, no qual a colunista da revista “Veja” reclamava da dor dos excluídos em razão das cotas. Bem, o que eu disse foi que dentro do cenário dos 98% de não-negros que existiam nas universidades brasileiras e que constituíam quase a totalidade dos alunos universitários, há agora excluídos que também têm dor. Mas esses outros excluídos não têm mais dor do que a imensa maioria de afro-descendentes brasileiros que estão fora do acesso à saúde, educação e transporte, há muito tempo, e ninguém nunca se incomodou. Penso, pois, que ação afirmativa é para incluir mesmo. A forma como o Judiciário vem conduzindo a questão deve ser elogiada, pois tem dado espaço para a sociedade se ajustar. Na grande maioria dos estados, as tentativas de barrar as cotas vêm sendo superadas, seja por juízes de primeira instância, seja pelos juízes de Tribunal. É natural que reclamem. O Judiciário, contudo, vem operando com bastante eficiência. Ìrohìn - Como anda a pressão no Ministério Público para a implementação da lei 10.639? Sabemos que sua entidade tem um trabalho pioneiro nesse esforço realizado pelo Movimento Negro para que se cumpra a legislação. Humberto Adami - Fizemos denúncia do não cumprimento da lei. Na mesma petição, 13 entidades do Movimento Negro pediram que o Ministério Público investigasse. Primeiro, no estado do Rio de Janeiro, através do MP do Estado e do MP Federal. Depois, nos demais MP’s, nos outros 26 estados e no Distrito Federal. Em cada um dos 5.563 municípios do país abre-se um inquérito civil público, oriundo de uma mesma petição, e intimam-se todas as diretoras de escolas de ensino médio e fundamental, da escola pública e privada, para que respondam o que estão fazendo da Lei 10.639, que, aliás, é uma alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. E estamos sendo intimados nesses inquéritos e temos nos pronunciado, respondendo, e recorrendo de eventuais arquivamentos. É a maior operação jurídica em andamento para implantação da Lei de História da África e Cultura Afro-brasileira. Agora em março, com recursos do Fundo Brasil de Direitos Humanos, estamos digitalizando todo esse material, em especial a resposta das escolas ao MP, num grande banco de dados, e disponibilizando para pesquisa via internet. Por exemplo, o inquérito de Niterói tem mais de 1.200 páginas, com respostas variadas de todas as escolas de nível médio e fundamental de Niterói e Maricá. É um material rico e precioso para se saber o que está acontecendo. Independente disso, promotores e procuradores da República estão eventualmente arquivando tais procedimentos. Nesses casos, recorremos aos Conselhos Superiores de Ministério Público, quer do estado, quer federal. Ainda assim, este material é ótimo. Cito o caso do Ministério Público Federal de Pernambuco e Santa Catarina, onde os procuradores da República arquivaram, em face das respostas dos Colégios Militares, por exemplo, pois havia uma resolução do Comando Militar determinando a implantação no currículo naqueles estabelecimentos de ensino. Nem Seppir, nem MEC sabiam de nada disso. Agora vão poder acessar nosso banco de dados, denominado Observatório de Advocacia Racial, que está ainda em www.adami.adv.br , mas está seguindo para www.iara.org.br . Será fantástico saber quem está fazendo o quê e onde, através da consulta, bem como podemos estimular a atualização do banco de dados pelas entidades do Movimento Negro e outros. Lembro de que, quando se está num grande centro, isto não é tão importante, mas quando se está fora, é vital. Esta etapa da advocacia de combate me deixa muito orgulhoso. Estou satisfeito com o modo como tem se ampliado a demanda pela implantação da Lei 10.639/03. Nem tudo são flores e o trabalho é imenso. Mas a maior operação jurídica em andamento no país para que a lei da História da África funcione é uma realidade. Estamos lançando mês que vem um banco de dados com mais de 200 casos de inquéritos civis públicos, numa parceria com o Fundo Brasil de Direitos Humanos. Aproveito para solicitar, aos leitores do Ìrohìn, informações sobre se o seu município está fazendo funcionar a lei. Podem relatar em www.adami.adv.br ou via adami@adam.dv.br , que iremos cobrar. Falta um gabinete parlamentar para fazer as cobranças, seja deputado ou senador. Assim como a maioria dos Ministérios Públicos dos estados. Daremos mais informações a seguir. Ìrohìn -; E o caso dos bancos? Qual a situação atual e o papel do Ministério Público do Trabalho? Há recuo? Humberto Adami - Bem, fizemos representações ao Ministério Publico do Trabalho para apurar a desigualdade racial nos setores financeiro, industrial e comercial. O MPT disse então que dentro de um programa seu, iria processar todos os 5 maiores bancos, em todo o país. Após algum tempo, ajuizou ações apenas em Brasília, e, quando fizemos representações sobre as petroleiras, disseram que iriam atrás dos supermercados, pois tinham mais potencial de empregabilidade. Ou seja, um monte de pretinhos empacotadores ficou muito feliz com a ação investigativa do MPT. Entendemos que as ações têm de ser desferidas contra grandes conglomerados, que possam produzir efeito cascata, remodelando a sociedade com o exemplo e, por que não dizer, o medo. Como disse o Procurador Geral, MP não pede favor, mas exige cumprimento de obrigação. Assim, as ações foram julgadas improcedentes na primeira e segunda instância, mas acabam por contaminar novas iniciativas, uma vez que o Tribunal Regional do Trabalho declarou que a estatística não é prova da discriminação. Se tivessem sido ajuizadas em várias regiões, de uma vez só, teríamos várias interpretações diferentes também. Do jeito que ficou, os juízes acabaram expostos à habilidade dos bancos e seus excelentes defensores, chegando ao julgamento contrário. Só não foi pior porque os próprios bancos resolveram iniciar a contratação de estagiários junto à Unipalmares, e hoje já são 500 estudantes nos dez maiores bancos privados. Ìrohìn -; O que, a seu ver, motivou essa reviravolta? Humberto Adami - O ruim foi que muitos foram chegando ao longo da condução do processo e, amadoristicamente, começaram a falar em acordos mirabolantes. Foi um desastre, visto que essas pessoas não respeitam profissionais velhos de combate, como eu, e saem fazendo o que lhe vem à cabeça, consultando juízes e promotores, que muitas vezes não conhecem a estratégia da advocacia, que tem uma lógica diferente -; aqui importa a vitória do cliente. Não é a primeira vez que isso ocorre. Com o estabelecimento de uma mesa de negociação na Câmara dos Deputados, o poder de pressão do Movimento Negro foi cada vez ficando mais fraco, e os áulicos, sem entender que não tínhamos nem tempo, nem passagem, nem dinheiro, o que muitas vezes limita a resistência. Fica a lição para os emocionalmente despreparados para esse campo que só advogados andam com alguma folga. E nem todos. A Febraban, como resultado, manda e desmanda, sem dar contas nem ao Ministério Público, nem ao Movimento Negro, bem entendido que o Frei Davi, da Educafro, é só uma pessoa desse movimento e não representa, obviamente, sua totalidade. Diante desse quadro, estamos ingressando numa operação junto ao Conselho Nacional de Ministério Público (www.cnmp.gov.br ), protocolando “pedidos de providência” junto às Procuradorias do Trabalho das 26 regiões do MPT. Por enquanto, estamos no caso das petroleiras Shell & Petrobrás, mas já, já, vamos a outros níveis de reclamação do que chamamos de ineficiência no trato da apuração em desigualdade racial, pelo MP. Pode-se acompanhar tudo pela internet. No site acima, digite instituto de advocacia e veja o andamento dos 31 pedidos de providência que protocolamos. Vamos continuar. Infelizmente não posso dizer que estou satisfeito. Estamos esperando para ingressar no CNMP com pedidos de providência sobre desistências dos recursos de revistas. Já fizemos isso com as representações sobre Petrobrás e Shell e, depois, vamos às Cortes Internacionais, na esteira do caso da condenação do Brasil em relação à empregada doméstica Simone Diniz. A mesma receita serve para as notificações judiciais aos ministros de Estado, no Supremo, sobre a não aplicação do Decreto 4.228, que prevê a inclusão de afro-descendentes nos cargos da administração pública federal.

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