sábado, 22 de dezembro de 2007

Quarta-feira, 19 de Dezembro de 2007 - JORNAL VALOR ECONOMICO

Justiça ainda nega responsabilidade solidária de banco

Embora esteja prevista no ordenamento jurídico brasileiro, a possibilidade de responsabilização de bancos financiadores de empreendimentos causadores de danos ambientais na Justiça ainda é pouco explorada no país. Ao que se conhece, há apenas duas decisões envolvendo a chamada responsabilidade solidária de instituições financeiras em tribunais - no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. Ainda assim, os agentes financiadores que foram réus nos processos - a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - foram eximidos da culpa pelos danos provocados pelas empresas que financiaram. Um dos motivos é o fato de o Ministério Público (MP), tanto na esfera federal quanto na estadual, raramente incluir os bancos nas denúncias por danos ambientais. Isto, no entanto, pode estar mudando - o órgão já sinaliza, em alguns Estados do país, uma mudança de postura. E os bancos também já começam a adotar medidas preventivas. A demanda pela "compliance ambiental" - conjunto de medidas de adequação das empresas à legislação em vigor - aumenta nos escritórios de advocacia.
Desde 1981, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente - a Lei nº 6.938 - considera que o poluidor, ainda que indiretamente, pode ser responsabilizado na Justiça por uma atividade causadora de degradação ambiental. A legislação prevê ainda a obrigatoriedade de as instituições financeiras exigirem o licenciamento ambiental dos projetos financiados. Além da lei específica, os artigos 170 e 225 da Constituição Federal, que tratam da defesa do meio ambiente, também são utilizados como argumento nas ações por responsabilidade solidária dos financiadores de projetos poluentes.
Mas, de acordo com a advogada Ana Luci Grizzi, do escritório Veirano Advogados, mesmo diante da previsão legal é difícil estabelecer um limite para a responsabilidade do poluidor indireto na Justiça. Prova disso é a ausência de decisões judiciais de tribunais que tenham condenado as instituições financeiras por danos ambientais. Em duas decisões, de 2000 e 2003, o TRF da 1ª Região considerou a CEF e o BNDES, respectivamente, isentos da culpa por terem financiado investimentos que causaram danos ambientais. No caso do BNDES - que havia financiado um projeto de uma mineradora que causou degradação ambiental -, a ação foi movida por pessoas de comunidades atingidas pelos danos. A segunda turma do TRF considerou, no julgamento de um agravo de instrumento, que, enquanto não houver provas de que o banco estava ciente da possibilidade de danos, não poderia ser responsabilizado. Já na ação contra a CEF, movida pelo Ministério Público Federal, a segunda turma do TRF entendeu, também em agravo, que, na qualidade de mera financiadora de uma obra pública, não sendo responsável pela sua construção e tampouco pelo projeto, não poderia ser responsabilizada pelos danos ambientais causados. As ações aguardam decisões em recursos a tribunais superiores. Para o advogado Humberto Adami Santos Júnior, do escritório Adami Advogados Associados, o Judiciário brasileiro toma por base, em suas decisões, alguns entendimentos da Justiça americana, em que os bancos só são responsabilizados quando realizam "atos de proprietário".
Procurada pelo Valor, a CEF disse que não se manifesta sobre casos em tramitação na esfera judicial. Já o chefe do departamento de meio-ambiente do BNDES, Eduardo Bandeira de Melo, disse que não tem conhecimento do processo judicial, mas afirma que todos os projetos que chegam ao órgão passam por uma intensa avaliação ambiental, com a possibilidade de adicionais nos financiamentos nos casos em que é preciso adequação do projeto às normas ambientais. "Minimizar os riscos ambientais é nossa obrigação", diz. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) declarou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os bancos não podem ser responsabilizados quando a empresa que solicita o crédito apresenta todas as licenças e documentos exigidos pelo poder público.
Ainda que a Justiça brasileira não tenha jurisprudência favorável à responsabilização dos bancos, algumas medidas recentemente tomadas pelo Ministério Público apontam para uma conduta mais rígida em relação à responsabilidade solidária. Tramita na 1ª Vara da Justiça Federal em Belém uma ação proposta pelo órgão contra a Eletrobrás que trata da construção da Usina de Belo Monte, no rio Xingu, no pará. O Ministério Público acusa falhas no estudo de impacto ambiental subsidiado pela companhia. Neste ano, o Ministério Público abriu um procedimento administrativo para investigar problemas ambientais em projetos financiados pelo Banco Mundial (Bird) na região. "Esta será a ordem do dia em 2008", diz Ubiratan Cazetta, procurador da República no Pará. Já o Ministério Público Federal no Tocantins enviou uma recomendação aos bancos para que aumentem os critérios para a concessão de financiamentos. Isso porque, segundo o procurador da República Álvaro Manzano, os bancos da região exigiam apenas uma certidão de que havia um processo de licenciamento ambiental em andamento perante o órgão competente para liberar recursos para projetos agropecuários.
"A preocupação dos bancos cresceu não só pelo risco de uma ação judicial, mas pela estratégia de aliar a imagem às práticas ecológicas", diz Eduardo Bandeira de Melo, do BNDES. Para o advogado Eduardo de Oliveira Gouvêa, do C. Martins & Advogados Associados, a mudança de postura dos agentes financiadores na concessão de créditos tem gerado oportunidades de realização de trabalhos preventivos nos escritórios de advocacia. No Veirano Advogados, por exemplo, cresceu a demanda de bancos que solicitam auditorias nas empresas que pedem financiamentos.
O escritório TozziniFreire Advogados está desenvolvendo, dentro do setor de direito ambiental, uma área especializada chamada eco-banking - um conjunto de serviços de compliance ambiental para as operações financeiras.

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