terça-feira, 30 de novembro de 2010

Diplomacia social

Diplomacia social

ONGs terão financiamento para projetos que diminuam racismo

Rio - Lançado ontem no consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, o edital do Plano de Ação Conjunto Brasil – Estados Unidos para a Promoção da Igualdade Racial e Étnica (Japer, na sigla em inglês) vai selecionar 10 projetos da sociedade civil para receber financiamento de até R$ 25 mil em um ano.
Trata-se de uma parceria entre o governo dos EUA e a ONG BrazilFoundation, com o apoio da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). O foco é a promoção da igualdade racial. “O racismo é um fato histórico nos EUA e no Brasil. E ainda é um fato social”, justificou o embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon.
Três áreas principais serão contempladas no edital: a educação voltada à inclusão racial, o acesso à justiça e a promoção da equidade étnica e racial na mídia.
“É uma nova etapa da diplomacia: a diplomacia social, na qual a própria sociedade aponta suas necessidades, e não os governos”, avaliou Shannon. “É também uma tentativa de as duas maiores democracias do continente entenderem melhor como solucionar os problemas gerados pela escravidão”, concluiu.
“A expectativa dos dois governos é grande”, concorda Humberto Adami, ouvidor da Seppir. “É o primeiro de vários passos sociais que vamos dar em conjunto”.
Representante da sociedade civil, Washington Rimas, o Feijão, do AfroReggae, aprova o Japer. “A parceria entre governos e ONGs é de suma importância. Torço para que dê certo”, disse.
Prazo termina em janeiro
Os projetos para o Japer devem ser encaminhados até 31 de janeiro (data de postagem nos Correios) à BrazilFoundation, responsável pela seleção e monitoramento dos projetos. A divulgação dos pré-selecionados será feita no site www.brazilfoundation.org, em 11 de abril de 2011.
“Esperamos receber propostas do Brasil todo”, disse a diretora-executiva da BrazilFoundation, Susane Worcman.

domingo, 28 de novembro de 2010

Educação: “Há racismo explícito nas obras de Lobato”,diz educadora

SÁBADO, 27 DE NOVEMBRO DE 2010

Educação: “Há racismo explícito nas obras de Lobato”,diz educadora

Foto: Blog Na raça/google
Em entrevista concedida ao portal Terra Magazine no último dia 24, a professora Ana Celia da Silva, da UNEB-Universidade Estadual da Bahia, afirmou que apóia o polêmico parecer do CNE-Conselho Nacional de Educação que sugeriu restrições ao livro: "Caçadas de Pedrinho" do escritor Monteiro Lobato nas esolas públicas do país.
"há traços explicitos de racismo não só em caçadas de pedrinho, como em outras obras", diz a doutora em educação.
A profesora Ana Celia é autora do ivro a discriminação do negro no livro didático e o segundo desconstruindo a discriminação racial do negro no livro didático – este último, lançado ontem (dia 26), durante o I Fórum Internacional de Educação Diversidade e Identidade em Salvador. Confira a entrevista.
Terra Magazine – O que você achou do parecer do CNE? A senhora identifica racismo em Caçadas de Pedrinho?
Se você analisar as obras de Monteiro Lobato ─ e eu li todos os livros dele quando era criança e adorei –, vai identificar traços racistas explícitos. Eu tenho um livro chamado A discriminação do negro no livro didático, mostrando que os ilustradores, a partir da representação escrita que o autor faz, representam os personagens. No meu livro, tem uma página que mostra uma ilustração da Anastácia associada ao porco Rabicó. De perfil, o rosto é igual. A partir da representação que ele faz da Anastácia, enquanto ingênua, ignorante, supersticiosa, tudo de desumano que existe, os ilustradores a desenham parecida com macaco e com porco. Eu apresento isso no meu livro, que foi publicado em 1995. Não se pode dizer que ele (Monteiro Lobato) seja racista, mas o contexto da época… Até hoje, somos em grande parte desumanizados. Você vê como a polícia trata uma pessoa de pele clara e de pele negra? O negro é “mau, incapaz, ruim, vamos matar”. A questão do contexto em que Lobato escreveu a obra é um dos argumentos utilizados para justificar a forma como ele se refere aos personagens… É, ele escreveu baseado no senso-comum da época, que vigora até hoje. Terra - Então, a senhora acha que esse tipo de pensamento ainda é vigente?
É vigente e muito mais forte hoje. Sou professora titular da universidade e várias vezes vivenciei racismo explícito dentro da instituição. Tudo pautado na representação, no estereótipo de incapaz, de mau, de feio, de sujo. Por que esse estereótipo continua vigorando? Por causa da mídia, dos livros didáticos que perpetuam esse estereótipo. Terra -Para a senhora, então, a obra de Lobato, de certa forma, ajuda a perpetuar esses estereótipos negativos em relação aos negros?
A obra dele é muito interessante, mas tem contexto racista explícito. Esse livro que a doutora Nilma Lino (conselheira que redigiu o parecer sobre Caçadas de Pedrinho) analisou, ave Maria, você viu como descreve Anastácia? Só não vê quem não quer. Terra - Lobato é irrefutavelmente um grande nome da literatura infantil brasileira. Qual seria, na avaliação da senhora, a solução?
Na sexta-feira (26), participo de um colóquio internacional aqui, na Bahia, onde lanço o meu segundo livro que se chama Desconstruindo a discriminação do negro no livro didático. O que se deve fazer não é retirar a obra, que é preciosa, mas desconstruir o racismo contido nela. Terra - Como seria efetivamente essa desconstrução?
Por exemplo: “Tive um dia negro”. Substitui por tive um dia ruim. Não é fácil? Ruim não é sinônimo de negro, mas as pessoas acham. Outra: “Neguinho pegou”. É o estereótipo negativo de ladrão. O que se deve fazer, como doutora Nilma disse, é analisar o conteúdo, revisar a obra e retirar o estereótipo racista, porque a obra tem que ser mantida. É muito preciosa. Terra -A senhora quer dizer que se deve suprimir os termos que seriam racistas?
Ou suprime ou reconstrói. Terra - A senhora fala em reformular o texto?
Tem que retirar o estereótipo. A Anastácia não era ingênua, não era burra. Terra -Então, a senhora sugere a modificação do texto?
Desde 1995, nós estivemos no Ministério da Educação e solicitamos que, quando se fizesse revisão de livros, fizesse revisões pautadas em estereótipos diferentes. Não só em relação ao negro, como à origem, à mulher. Mas eles não atenderam. Continuam dizendo que o livro é ótimo. Você abre e tem lá mulher como doméstica, seja preta ou branca… A verdade é que não querem retirar os estereótipos. Querem que eles se mantenham. Livros com conteúdos racistas concorrem para quê? O resultado do preconceito contido nos livros é causar, cada vez mais, a baixa autoestima da população negra. Por que as pessoas querem ser brancas? Se você pegar a literatura e colocar todos os brancos como sujos, feios e incapazes, uma criança branca vai querer ser branca? Não vai. Ele quer ser o que é bom. O parecer do CNE é legítimo, acadêmico e pautado em critérios de verdade. O trabalho da doutora Nilma é um trabalho científico de alto renome. Não é por acaso que ela está no Conselho Nacional de Educação. Ela diz apenas o que eu já disse desde… Fúlvia Rosemberg, da Carlos Chagas. Foi ela que começou o trabalho de denúncia da discriminação dos negros nos livros didáticos. Foi com ela que aprendi, uma mulher branca e judia. Quem me mostrou como o livro é racista foi a mulher negra.
Fonte:Terramagazine-24/11/10

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Antonio Carlos C. Ronca, Francisco Aparecido Cordão e Nilma Gomes: A questão étnico-racial na educação do país

Folha de São Paulo

Antonio Carlos C. Ronca, Francisco Aparecido Cordão e Nilma Gomes: A questão étnico-racial na educação do país

É preciso considerar quem são os leitores e que efeitos de sentidos, usos e funções serão atribuídos a uma determinada obra literária na atualidade

O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem função normativa e é sua atribuição, como órgão de Estado, pronunciar-se sobre temas relativos à educação nacional. A questão étnico-racial é um desses temas.

Recentemente, a Câmara de Educação Básica (CEB) aprovou, por unanimidade, o parecer CNE/CEB nº 15/2010, com orientações quanto às políticas públicas para uma educação antirracista, no qual faz referência ao livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato.

O referido parecer foi elaborado a partir de denúncia recebida, e no seu posicionamento apresenta ações e recomendações; dentre estas, reafirma os critérios anteriormente definidos pelo MEC para análise de obras literárias a serem adotadas no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).

Em nenhum momento a CEB cogitou a hipótese de impor veto a essa obra literária ou a outra similar, impondo qualquer forma de censura, discriminação e segregação, seja com relação a grupos, segmentos e classes sociais, seja com relação às suas distintas formas de livre criação, manifestação e expressão.

O CNE entende que uma sociedade democrática deve proteger o direito de liberdade de expressão e, nesse sentido, não cabe veto à circulação de nenhuma obra literária e artística. Porém, essa mesma sociedade deve também garantir o direito à não discriminação, nos termos constitucionais.

Reconhecendo o importante valor literário da obra de Monteiro Lobato, especificamente do livro "Caçadas de Pedrinho", mas também sendo coerente com todos os avanços da legislação educacional brasileira, o parecer discute a presença de estereótipos raciais na literatura e apresenta sugestões e orientações ao MEC, à editora e aos que atuam na formação de professores.

Uma dessas orientações é a de que a editora tome o mesmo cuidado em relação à temática étnico-racial como o que já foi adotado em relação à questão ambiental no livro, sugerindo a inclusão, na apresentação, de uma nota de esclarecimento, a fim de contextualizar a obra, sem perder de vista o seu valor literário.

Mais do que focar a análise no autor em si, o que está em questão é colocar em pauta a necessária discussão sobre a temática étnico-racial na educação e sua efetivação como política pública.

O CNE está aberto ao debate. A repercussão do seu posicionamento revela o quanto ainda é preciso falar sobre a questão racial e discutir formas de superação do racismo e o quanto esse é um tema de interesse nacional.

Os receios, as ressalvas e os apoios feitos ao parecer são compreendidos pelo CNE, especialmente no que tange à necessidade de se contextualizar obras clássicas.

Entendemos que, assim como é importante o contexto histórico em que se produziu a obra, tão ou mais importante é o contexto histórico em que se produz a leitura dessa obra. É preciso considerar quem são os leitores e que efeitos de sentidos, usos e funções serão atribuídos a determinada obra na atualidade. A obra permanece, mas os leitores e a sociedade mudam.

É em função desse novo contexto que cabe, sim, interrogar em que condições a sociedade e, sobretudo, a escola lerão obras produzidas em momentos nos quais pouco se questionava o preconceito racial e o racismo. O propósito central do parecer e do CNE é, portanto, pautar a questão étnico-racial como tema relevante da educação nacional.

ANTONIO CARLOS CARUSO RONCA é presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE).

FRANCISCO APARECIDO CORDÃO é presidente da Câmara de Educação Básica do CNE.

NILMA GOMES é a relatora do parecer nº 15 da Câmara de Educação Básica do CNE.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Especialista chama de censura tentativa de vetar livrosAna Cláudia Barros

Terra Magazine

23/11/2010 - 14h35

Especialista chama de censura tentativa de vetar livrosAna Cláudia Barros

Criadora da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), a mestre em literatura Laura Athayde Sandroni vê censura na decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) de proibir - em caráter liminar - a obra Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século na rede estadual de ensino e na recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) para que o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, não seja distribuído às escolas públicas. As alegações para a defesa dos vetos são "elevado conteúdo sexual" e "racismo", respectivamente.

Laura considera hipócrita a discussão levantada sobre o livro Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século, obra que reúne medalhões, como Machado de Assis, Clarice Lispector, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade.

- As crianças, os jovens hoje em dia têm acesso a tudo. De que adianta isso (decisão da Justiça)? Ainda mais no caso do livro. É preciso aproximar as crianças e os jovens dos livros, e não afastá-los com idiotice. Muito triste. Se há algo que deveria ter um pouco mais de controle é a televisão e a internet, mas esta é impossível controlar - argumenta, frisando que a compilação de contos é mais apropriada para estudantes do Ensino Médio, capazes de compreender e de contextualizar as histórias.

O tom do discurso fica ainda mais inflamado ao comentar as acusações de racismo em Caçadas de Pedrinho. Estudiosa de Monteiro Lobato, autor do livro, Laura diz que a alegação é "sem sentido e totalmente absurda".

- Estão se esquecendo da época em que Lobato viveu. Há quase cem anos, a situação era completamente diferente. Ele ainda pegou a escravidão, era neto de visconde, vivia numa fazenda. Lobato escreveu um livro fantástico, chamado O presidente negro, em que pega a questão da eugenia - neste ponto, o livro fala das teorias que a gente não concorda hoje, mas existiam na época e eram consideradas uma maravilha científica -, mas diz que em 2028, se não me engano, seria eleito um presidente negro nos Estados Unidos. Uma coisa profética e que demonstra que ele não tinha nada contra negro.

A ex-diretora da Fundação do Livro Infantil e Juvenil prossegue na defesa, desta vez, citando Tia Anástácia, comparada em Caçadas a um "macaco de carvão", o que serviu de munição para as acusações de que a obra apresentaria viés preconceituoso.

- Tia Anastácia é uma das personagens mais importantes de toda a obra do Lobato. Está presente em todos os livros, com papéis muito relevantes. Ela é a criadora dos dois personagens que talvez sejam os mais importantes de Lobato: o Visconde de Sabugosa e a Emília. Ambos foram feitos pelas mãos de tia Anastácia. Lobato criou um personagem que é capaz de dar vida. É inacreditável que se pense isso (racismo).

Segundo Laura, dizer que os professores não estão preparados para contextualizar a obra em sala de aula - um dos argumentos apresentados pelo autor da ação que resultou na recomendação do veto, cujo parecer do CNE não foi homologado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad - é uma forma de depreciar os profissionais, "embora, todo mundo que discute educação saiba que a primeira coisa a ser feita é melhorar a formação dos Professores". Na opinião dela, a posição do CNE não traduz o pensamento do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

- Acho que se for consultar a maioria das pessoas que estão no MEC, elas vão considerar isso tudo ridículo. É um grupo qualquer que se constitui numa comissão e que acha, então, que, por isso, precisa dizer algo, mas acaba falando besteira. Melhor ficar calado.

Sempre polêmico

Criador da literatura infantil no Brasil - "Antes dele, as pessoas contavam histórias parecidíssimas com os contos de fada. Faziam plágios", destaca Laura - e precursor no uso coloquial da língua nos livros voltados para crianças, Monteiro Lobato sempre foi um nome polêmico, conforme a criadora da FNLIJ.

- Ele modernizou na época a literatura infantil e era não querido por muitas escolas, que mandavam queimar os livros dele ou recomendava não comprá-los. Primeiro, porque Lobato não acreditava em Deus, era ateu, e as escolas católicas não permitiam as obras dele. Havia professores que diziam Emília (do Sítio do Pica-pau Amarelo) botava a língua, mandava Tia anastácia às favas, então, isso deseducava as crianças. Lobato sempre foi um autor altamente contestado.

Mas Laura, que durante anos atuou como crítica de literatura infanto-juvenil, lembra também que o autor era adorado pelas crianças.

- Ele recebia mais de 400 cartas por mês. Meninos e meninos perguntando onde ficava o Sítio do Pica-pau amarelo, querendo brincar com Pedrinho, Narizinho, Emília.Ele até criou um personagem, a Cléo, que era uma menina que escrevia para ele. Lobato a colocou como personagem de uma das histórias.

Para ela, Monteiro Lobado, a quem considera o maior autor brasileiro, tem lugar cativo entre o público infantil.

- As crianças de 7, 8 anos devem começar ouvindo Lobato, lido por um adulto. Até para traduzir as expressões, porque está usando palavras do tempo dele. Daí você percebe que essa contextualização tem que ser feita já a partir do vocabulário.

Culture, Land and Resistance: Brazilians Celebrate Black Consciousness Day

Culture, Land and Resistance: Brazilians Celebrate Black Consciousness Day

E-mailPrintPDF

Samba group at celebrations

Samba group at celebrations

Over this past weekend Brazilians celebrated the annual Black Consciousness day, commemorating the anniversary of the death of Zumbi dos Palmares, Brazil’s most important black hero. Brazil is South America’s largest country and home to the largest black population outside of Africa.

Commemorations began early, just after dawn. Afro-Brazilian community and religious leaders climbed up the pyramid at the base of the statue and ceremoniously washed the bust of Zumbi dos Palmares.

“It’s really important for us to receive this strength from our eternal fighter, Zumbi, and you can feel his presence in the moment,” said Mestre Kotoquinho, who helped to lead a group of Afro-Brazilian Afoxe musicians and performers.

“Today, Zumbi dos Palmares is a national hero. He is in the national heroes pantheon. This was an accomplishment of the Black Movement, and it makes us very proud,” said Nayt Junior, a member of the black movement and Brazil’s National Program on Africa. “So today, the day of black consciousness, is a day for reflection about inequality and our fight for social equality.”

Zumbi was the leader of the historic Palmares Quilombo, the largest and most famous of the autonomous villages formed by runaway slaves throughout Brazil. At its height as many as 20,000 people may have lived in the Palmares Quilombo before it was destroyed in 1695 by the military.

According to Junior, there are still 2400 identified quilombos across Brazil. But only a couple hundred have been officially recognized by the Brazilian government. The rest are still fighting for their land titles.

“The process of granting land titles is very slow. We even think that there isn’t that much of an interest on the part of the government to hand over these land titles,” said Yvone de Mattos Bernardo, a resident of the Maria Conga de Mage Quilombo in Rio de Janeiro, which is among those yet to be recognized.

The Zumbi statue

The Zumbi statue

Mattos Bernardo points some of the blame on the powerful lobby of large landowners in the Brazilian Congress, which she says “are doing everything they can to turn over decree 4887 which President Lula made in 2003, which created the process which gives the right to quilombos to receive the legal titles to their land.”

Outgoing Brazilian President Luis Inácio “Lula” da Silva paid more attention to racial equality than his predecessors. Less than two weeks after taking office, he signed law 10.639, mandated the teaching of Afro-Brazilian history in schools and established November 20th as Black Consciousness Day in the school calendar. While Black Consciousness Day is not yet officially a national holiday, it is celebrated across the nation and recognized as a holiday in several states, including Rio de Janeiro.

“I think very significant progress has been made, with the signing of this law and the creation of the SEPPIR, the Secretary for the Promotion of Racial Equality. It’s a secretary with the status of ministry, and this is the first time a secretary was created to specifically think about these issues,” said Fernanda Felisberto the co-owner of Kitabu, one of what she says is only four bookstores in Brazil focusing exclusively on black issues, and the only one in Rio de Janeiro.

In Rio, celebrations continued throughout the day. A seemingly endless line of Samba groups performed on the main stage while members of Afro-Brazilian Umbanda and Candoble religions danced nearby, their long white dresses billowing to the ground. In a nearby circle, jogadores (players) practiced the Afro-Brazilian martial art, Capoeira, to the rhythm of the berimbau, pandeiro, and singing.

“Capoeira is a martial art, disguised as a dance, which the slaves did to confuse their owners. It was a dance, but they were actually practicing their martial art. That’s really important,” said Joåo Enrique Junior, of the Ouro Preto Capoeira group, and one of those in the circle. “It’s not just an art, it’s a way of expressing your feelings. It’s not just a fight, it’s everything.”

The festivities were held at the foot of the Zumbi statue in Praça Onze, at the heart of what was once one of Rio de Janeiro’s most emblematic Afro-Brazilian neighborhoods, the region that coined the name “favela” and the birthplace of the first samba groups. Ironically, the community was bulldozed in 1941 to make way for the massive fourteen-lane President Vargas Avenue. Rio’s samba stadium a few blocks away, and the bust of Zumbi are a few remaining links to the past. As is another statue, this in Praça Quinze de Novembro, Rio’s historic center, where the figure of João Candido Felisberto stands watch over Rio’s Guanabara Bay.

It was here that the black leader led the Chibata Revolt exactly one hundred years ago. On November 22nd, 1910, after a fellow sailor was whipped 250 times, João Candido and hundreds of black sailors took control of their ship. Sailors on three other vessels followed the lead, directing their canons towards the city of Rio de Janeiro, then Brazil’s capital. They demanded an end to the practice of whipping in the Brazilian navy, and within five days the President Hermes da Fonseca succumbed. But the Brazilian government quickly rescinded on their promise to grant amnesty to the rebelling soldiers. Hundreds were discharged from the navy, rounded up, imprisoned, and killed. João Candido was only released two years later.

This year’s festivities in Rio paid special homage to João Candido. Across town, the grassroots group, Union and Eyes Alive Popular Theater performed their play on the Chibata Revolt.

“This is so important because João Candido along with Zumbi dos Palmares, as well as many other great leaders, is unfortunately not recognized by the official history and literature,” said Oswaldo Ribeiro, who acted the part of João Candido in the performance. “So presenting this play, João Candido of Brazil: The Chibata Revolt, is bringing to society the recognition and value of blacks, and the historic and social participation of blacks in this country.”

Brazil is the country with the largest black population outside of Africa. According to the Brazilian Geography and Statistics Institute (IBGE), in 2008, people who self-identify as brown or black made up over half the Brazilian population of 183 million people. Throughout the country, however, racism and discrimination is still widespread and institutional.

According to a 2009 IBGE study, over the last decade racial equality has improved slightly, but it is still drastically skewed. Whites in Brazil have on average nearly two years more education than blacks. Nearly 15% of whites in Brazil have a college education, compared with only 5% of blacks. Over 70% of the poorest sector of society are black and brown, while 80% of the richest one percent is white. The same study in 2007 stated that more than two-thirds of the illiterate population in Brazil are black and brown. Whites make roughly 40% more than blacks with the same education.

“They say this country was founded on racial democracy,” says bookstore owner, Felisberto. “That’s the biggest lie here. It was through Black Movement struggle that we even achieved a date that had to do with our identity.”

Samba group at celebrations

Samba group at celebrations

In 1888, Brazil was the last country in the Western hemisphere to officially abolish slavery. For many years, blacks celebrated May 13th, the day of abolition.

“But it was absolutely cruel for us to commemorate that date, because we know the state of the black population in this country. For us it is fundamental for this day to reference a national black hero like Zumbi instead of May 13 – that was the date that Princess Isabel, the white Portuguese Princess, signed the law to free the slaves.

Members of the Black Movement in Brazil’s southernmost state of Rio Grande do Sul first began to celebrate November 20th as Black Consciousness in the early 1970s.

“Today is a day to celebrate, it is a day for play, but tomorrow reality comes once again. We are going to find blacks in line for the bus, in line for the hospital, being assassinated by the authorities, often without even being asked who they are,” says Baptist Preacher João Carlos Araujo, a member of the Black Movement and Vice President of the Brazilian Ecumenical Commission Against Racism, who attended the Black Consciousness Day festivities.

Araujo says reparations are needed, as is more profound affirmative action. He, like many at the celebration are optimistic that President-elect, Dilma Rousseff, will continue Lula’s policies, and further confront the disparate inequalities in Brazilian society. But they are quick to affirm that there is a long way to go for true equality.

Michael Fox is a freelance journalist, reporter and documentary filmmaker based in Brazil. He is co-author of Venezuela Speaks: Voices from the Grassroots, and co-director of Beyond Elections: Redefining Democracy in the Americas. His work can be found at www.blendingthelines.com

http://www.towardfreedom.com/home/americas/2195-brazilians-celebrate-black-consciousness-day

terça-feira, 23 de novembro de 2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Negra Brasília

Correio Braziliense

Negra Brasília

Conceição Freitas

Treze brasilienses vão contar, de hoje a 30, como é ser negro e morar na capital do país

Nem todos nascem sabendo que são negros. No país que até hoje renega ou disfarça o preconceito racial, os de pele parda ou preta têm de aprender que pertencem a uma matriz comum, que são herdeiros de 380 anos de escravidão e de mestiçagem com o português e com o índio. Na capital dos brasileiros, os afrodescendentes são tratados de modo singular e ao mesmo tempo perverso. A segregação é espacial. Enquanto o Plano Piloto é 70% branco, o Itapoã é 79% negro (preto pardo) ou 64% pardo.

No ano em que se comemora o centenário de nascimento do abolicionista Joaquim Nabuco, o Correio Braziliense vai contar a história de negros brasilienses, homens e mulheres, adolescentes e adultos, moradores de áreas nobres e de cidades-satélites. Relatos em primeira pessoa de quem experimenta o preconceito, as dúvidas, as angústias, os medos, a raiva, as conquistas, a dor e a delícia de ter a identidade negra.

A capital do país é mais negra do que se dá conta. A diferença entre os de pele parda ou preta e os de pele branca é de 36,8%. Em números absolutos: dos 2,4 milhões de moradores do Distrito Federal, 1,3 milhão são negros e 1 milhão são brancos, segundo dados da Pnad/2007, tabulados pelo Laeser/UFRJ. Mesmo quando se leva em conta os moradores da capital do país que se declaram pretos (179 mil), os pardos ainda são flagrante maioria, 1,2 milhão, 17% a mais que os brancos.A distribuição espacial de brancos e negros no Distrito Federal é segregadora. Ao branco está reservado o Plano Piloto e os lagos Sul e Norte, e ao negro, as cidades-satélites.

Quanto menor a renda, maior o número de habitantes de pele parda ou preta, segundo revelam dados da Codeplan. São números antigos, de 2004, que estão sendo atualizados desde 1º de setembro passado, quando 40 pesquisadores começaram a visitar 24 mil moradias de 30 regiões administrativas. Entre as perguntas que estão sendo feitas aos chefes de família entrevistados, está a da cor. São cinco as opções oferecidas: branco, pardo/mulato, negro, indígena, amarelo ou não definido. Até que se conclua, em oito meses, a nova Pdad, a pesquisa domiciliar de Brasília, o que se tem são os dados de seis anos atrás que demonstram que a segregação espacial na capital do país é também uma segregação de raça.

“A diferença é espacial. Aqui, a pobreza está confinada na periferia. No Rio de Janeiro, por exemplo, grande parte dos pobres mora ao lado dos bairros nobres. A empregada doméstica carioca não precisa pegar ônibus às quatro da manhã para chegar ao trabalho, basta descer o morro. Aqui precisa. Mas no fundamental, não há nenhuma diferença de Brasília em relação ao país. Aos brancos, estão reservados os melhores lugares. Aos pretos e pardos, os piores”, diz Mário Theodoro, diretor de cooperação e desenvolvimento do Ipea, negro, morador do Lago Sul.

Morador eventual de Brasília há dois anos, o ministro das Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Eloi Ferreira de Araújo, já se deu conta dessa segregação. “Nos ambientes que frequento percebo uma invisibilidade muito grande da população negra. Fui recentemente numa escola de Ceilândia e vi um montão de negros. Mas no Plano Piloto, eles são invisíveis.”

O Plano Piloto tinha, há seis anos, 70 mil chefes de família, dos quais 70% eram brancos, 19% eram pardos/mulatos e 6,3% eram pretos. No Lago Sul e Lago Norte, o percentual era de 80% de branco para 20% de preto, pardo, amarelo e indígena. No Itapoã, a proporção se inverte: 64% dos chefes de família são pardos/mulatos; 8% são pretos e 15% são brancos. No Recanto das Emas, os números também viram do avesso em relação às áreas nobres da cidade: dos 24 mil chefes de família entrevistados, 66% se declararam pardos/mulatos, 7%, pretos e 25% brancos.

Preto como a Nigéria

“O Brasil é o segundo país mais negro do mundo. Só perde para a Nigéria, nação mais populosa da África.” Assim, o professor Marcelo Paixão, coordenador do Laeser, começou palestra a ativistas do movimento negro e jornalistas latino-americanos, em Manágua, no mês passado. Dito assim, parece um delírio, mas há uma verdade númerica e cultural na afirmação. de antemão, é preciso ressaltar que o meio acadêmico, o ativismo negro e os formuladores das políticas públicas reconhecem como sendo de cor negra todos os brasileiros que se autodeclaram pretos e pardos. Ou cor de café, chocolate, escurinho, mestiço, cor de burro fugido, quase-negro, queimado, roxo, mulatinho, tostado, retinto, como os entrevistados pela Pnad de 1976 se designaram, quando lhes foi perguntada a cor da pele. Naquela época, o IBGE ainda não apresentava as opções de escolha dos censos mais recentes: branco, pardo, preto, amarelo, indígena.

Estimativas que devem se comprovar com a tabulação do Censo 2010 indicam que o Brasil já é mais negro (preto pardo) que branco. Tabulações feitas pelo Laeser/UFRJ a partir de dados do Pnad/2007, indicam que são 93,7 milhões os brasileiros de pele clara e 94,4 milhões os de pele escura, cor de canela, moreno-jambo, negrota, cabocla, corada ou bugrezinha escura. A diferença numérica entre brancos e negros é bem pequena, de 0,7%, mas pode aumentar. desde 2008, que o IPEA já trabalha com a perspectiva de que os negros são maioria no país. A expectativa agora é de que, divulgados os dados do censo, se constate que essa hegemonia é absoluta, ou seja que pretos e pardos, juntos, compõem mais de 50% da população brasileira, mais que a soma de brancos, índios e amarelos.

O consenso nos meios acadêmicos, governamental e ativista de que negro é igual a preto pardo deve-se a uma constatação. “Já se comprovou, do ponto de vista estatístico, que as populações pretas e pardas têm características muito parecidas em indicadores de renda, de educação, saúde, saneamento básico, nível de emprego. É um grupo homogêneo”, explica Mário Theodoro, diretor de cooperação e desenvolvimento do Ipea. O que significa dizer que ter a pele um pouco mais clara, amorenada, cor de café, corada, bronze ou pouco clara não abre caminho no mundo mais bem servido dos brancos.

Por que o número de negros tem aumentado no Brasil? São vários os fatores, entre os quais a valorização estética, social cultural da afrodescendência. Como explicou Marcelo Paixão, em texto publicado pelo Pnud sobre o aumento da população negra: “A redução da taxa de fecundidade das mulheres brancas se produziu a um ritmo superior ao verificado entre as mulheres pretas e pardas, uma maior intensidade da redução da mortalidade infantil e na infância entre os filhos de mulheres prestas e pardas e uma redução das desigualdades entre as esperanças de vida ao nascer da população branca e as da população preta e parda”. Somam-se a eles o avanço do movimento negro e as políticas públicas para a promoção da cidadania afrodescendente que deixaram o brasileiro mais à vontade para reconhecer a ascendência africana em seus traços físicos, na textura do cabelo, na genealogia da família e na cor da pele.

Vista no mapa, a tonalidade da pele brasileira se distribui geograficamente de modo concentrado: o Sul, o Sudeste e parte do Centro-Oeste é branco, com a exceção de nichos de negritude, no Rio, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. O Norte e o Nordeste e parte do Centro-Oeste é negro (preto pardo). É o que demonstra o mapa da distribuição espacial da população segundo cor ou raça, pretos e pardos, feito em 2000 pelo IBGE em convênio com a Seppir. O Distrito Federal está incrustrado numa região de razoável concentração de população negra. Há uma explicação histórica: as minas de ouro de Goiás trouxeram para o estado, entre os séculos 17 e 18, considerável leva de escravos. O historiador goiano Gelmires Reis (1893/1979) escreveu num de seus 28 livros sobre a história de Luziânia que, em 1763, havia 13 mil escravos no município, para uma população de 16 mil habitantes. Tanto assim que a população negra goiana é 45% maior que a branca.

Glossário

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LAESER - Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro

PDAD - Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PNUD - Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento

Livro em que consta o texto de Marcelo Paixão — derechos de La población afrodescendiente de América Latina: desafios para su implentación

Todas as cores

Em 1976, a PNAD investigou pela primeira vez a cor dos brasileiros. Coube aos entrevistados definir seu tom de pele. Seguem algumas das 136 tonalidades declaradas

Alva

Alvo-escura

Alvo-rosada

Amarelo-queimada

Avermelhada

Azul

Azul-marinho

Bem-branca

Bem-clara

Branco-melada

Branco-pálida

Branco-queimada

Branco-suja

Bronzeada

Bugrezinha-escura

Burro quando foge

Cabocla

Café

Café com leite

Canela

Chocolate

Clarinha

Cobre

Corada

Cor de café

Cor de canela

Cor de ouro

Cor de rosa

Crioula

Encerada

Enxofrada

Esbranquecimento

Escurinha

Fogoió

Galega

Jambo

Laranja

Lilás

Lourinha

Marrom

Meio-amarela

Meio-branca

Meio-morena

Meio-preta

Melada

Mestiça

Morenão

Moreninha

Morena bem chegada

Moreno-jambo

Moreno-fechada

Moreno-roxa

Moreno-trigueira

Mulatinha

Negrota

Pálida

Pardo-escura

Polaca

Pouco clara

Pouco morena

Pretinha

Puxa pra branca

Quase-negra

Queimada de praia

Retinta

Roxa

Ruça

Sapeca

Tostada

"Você sabe a cor da sua alma?"

Minha avó era índia, meu avô africano e meus pais, baianos. Somos nove irmãos ao todo. Tinha 18 anos quando vim para Brasília. Era aquela animação, aqui dava muito emprego. Na minha cidade havia uma serraria e por ela passaram os caminhões cara-chata que vinham trazer madeira para a nova capital. Um dia um senhor falou pra mim: ‘Rapaz, vamos para Brasília. Lá está um movimento muito bonito e você vai se desenvolver mais nas suas atividades’. Eu já mexia com mecânica, mas era pouquinha coisa. Não havia mais do que cinco carros na cidade. Tinha interesse em vir para a cidade grande, queria aprender. Cheguei aqui em 1960 naquela empolgação. Eu estava com 18 anos e meu primo me disse que se eu fosse pra GEB (Guarda Especial de Brasília) era a mesma coisa que servir o Exército. Quando dei fé, estava na polícia. Fiquei lá um ano, sem salário, porque eles davam só uma gratificação. Quando dei fé, estava na polícia. ‘Ah, isso aqui não é pra mim, não.’ Aí esse mesmo primo me arrumou para trabalhar numa representante da Chevrolet.

Fui desenvolvendo, desenvolvendo até que fui a São Paulo fazer curso pela Chevrolet. Aí apareceu o apelido de Sabonete. O curso era de setenta e poucas horas. No final, a Ângela Maria veio cantar para o pessoal. Na época, ela era tudo. Terminamos o curso pouca hora antes do show. Todo mundo tinha de correr para tomar banho. Quando cheguei no meu armário, cadê o sabonete? Tinha sumido. Quando soube quem havia pego, xinguei a mãe do cara e ele veio de lá igual a uma fera. Nos agarramos em cima de um andaime e caímos do segundo andar. Batemos lá no chão e foi aquela bagunça. A turma não apartava. Ficava era batendo palmas.

Quando voltei para Brasília, quem estava no curso comigo passou a me chamar de Sabonete. Não gostei, comecei a brigar e acabou que o danado do Sabonete não saiu mais. Até hoje tomo três banhos por dia, se não mais. Tomo banho para vir para o serviço, meio-dia eu tomo banho, à noite eu tomo banho novamente e se suou o corpo eu estou tomando banho. Não aguento ficar com o corpo pregando. Naquela época eu gostava do sabonete Phebo, era o que mandava.

A DKV tinha me convidado para trabalhar pelo dobro do salário. Fui. Fiquei seis anos nessa firma e resolvi trabalhar por conta própria. Vim para o Núcleo Bandeirante e me instalei na BR [060]. Coloquei o nome lá: Oficina de DKV. Passei uns três meses sem nenhum cliente. Aí um motorista de praça meu amigo viu aquilo, fez uma placa e botou: Oficina do Sabonete. E aqui estou eu. Naquela época, o pessoal que vinha do Rio de Janeiro já vinha recomendado. Eu fazia a revisão dos carros para viagem e fui ganhando a praça.

Bati em muito garoto e apanhei muito também por causa do preconceito. Uma vez eu dei uma pedrada na testa de um garoto galego que rachou a testa dele. O cara desfazia da minha cor, eu apelava; desfazia da cor da minha mãe, eu apelava. Briguei muito. Me chamavam de pé de macaco, neguinho, prego, tição. Aí eu explodia, batia, apanhava e quando chegava em casa apanhava de novo porque minha mãe não queria que eu reagisse. Sorte minha é que graças a deus nunca aconteceu nada grave. Mas foi por pouco. As pessoas até hoje dizem que não existe preconceito, mas há sim, não tem jeito.

Aqui em Brasília, tive que aprender artes marciais para tirar um pouco daquela raiva. Com as artes marciais, aprendi a respeitar o ser humano porque ele é muito frágil. Hoje eu sei que se for revidar eu vou ser mais ignorante do que o cara. O que eu valorizo muito hoje é eu chegar, comprar e pagar. Não quero nem saber se sou preto, entro em qualquer lugar e não estou nem aí. Estou comprando e pagando. Se você é profissional, tem saúde e tem dinheiro, você é bonito. É que manda.E eu gosto de andar de terno. Quando eu tinha lambreta só andava de terno. Fiz até um crediário na Bibabô — lembra da Bibabô?* — só para comprar terno. Naquela época, negro gostava muito de terno de linho, terno claro, e minha mãe tinha o capricho de engomar o bicho, chega ele ficava em pé.Minha mãe sempre foi do lar e meu pai mexia com fazenda em Mato Grosso. Trouxe todos os meus parentes para Brasília. Ia trazendo, ia trazendo. Minhas irmãs são todas funcionárias públicas. Eu mudei a vida de todos eles. Meus quatro filhos trabalham comigo aqui [na Retífica Sabonete, em Taguatinga].

Hoje, se a pessoa me chamar de negro, não está me ofendendo, não. Agora, se o camarada chegar na minha oficina e disser ‘isso é serviço de preto’, ele leva uma bolacha na hora. Mas se chegar ‘ô, negão’, isso pra mim é carinho. E se disser que meu serviço é de preto, leva uma porrada seja ele quem for. Já fiz isso muitas vezes, nunca fui preso porque o delegado me chamava, eu ia lá explicava tudo pra ele e ele me mandava embora.

Não acho que deva existir esse negócio de cota para negro. Se somos dez pessoas brancas e dez pessoas negras, aquela que passar no concurso entra. Porque esse negócio de que o negro não tem acesso à escola acabou. Se você é uma pessoa dedicada e gosta de trabalhar, as portas estão abertas para qualquer um.

Dizem que o negro é o primeiro racista, mas não é não. É que ele é tão pisado que acaba ficando assim [agressivo]. Outra coisa que eu fico doente é de ver a parte negra na marginalidade, fumando droga. Se eu pudesse não deixava. O cara vai sendo pisado, pisado, pisado. Se você não tiver um QI elevado, acaba caindo naquilo. As crianças ficam sozinhas, a mãe trabalha, o pai trabalha, então ele é pisado e não conta para a família e acaba reagindo.Uma coisa que eu detesto é o cara falar para mim que sou preto da alma branca. Eu respondo na cara: ‘Você sabe a cor da sua alma?’

Uma vez fui convidado por um colega branco para uma festinha. Cheguei lá e ele foi me apresentar para os amigos: “Esse aqui é o Sabonete, é dono da retífica e mora aqui não sei onde e tal.... Quando ele terminou, eu falei: ‘Faz um favor para mim. Você fala que eu sou o Sabonete, mas não diz o que eu tenho para me valorizar não. Esquece dos meus objetos, se o cara quiser me receber na festa dele, bem, se não quiser, que ele vá pra m... Eu fico com o coração queimado.Com esse negócio de meu pai ser negro, ele dizia sempre pra mim: ‘Meu filho, faz certo porque a sociedade não aceita o preto de jeito nenhum. Você tem que ser honesto para vencer na vida.

Vou fazer 70 anos e não me sinto velho. O fôlego é o mesmo. A única coisa que me levanta a pressão é quando estou sem dinheiro. Quando estou com dinheiro, a pressão fica uma maravilha [risos]. Chego na oficina às seis da manhã, almoço aqui e mesmo e só vou para casa depois que todo mundo vai embora. Se eu ficar em casa, eu morro.

* Bibabô – Uma das primeiras lojas de departamento de Brasília. Ficava na W3 Sul.

Para ler

Pele negra, máscaras brancasFrantz Fanon, Editora Universidade Federal da Bahia, 2008 Escrito em 1952 por um francês nascido na Martinica quando a ilha ainda era possessão francesa, o livro assombrou a França e o mundo pelo seu forte conteúdo de protesto e de fortalecimento da identidade negra. Nos anos 60, serviu de referência para os movimentos Black Power, Black Panthers e movimentos anticolonialistas nos Estados Unidos e na Europa.